29 médicos concursados para 107 mil habitantes

Renovado em maio por mais seis meses, o contrato da prefeitura com a Fundação Araucária para terceirização do atendimento nas áreas de saúde e educação terá mais um desdobramento negativo nos próximos dias. O promotor Alécio Silveira Nogueira, que investiga o acordo de gestão que iniciou no ano de 2010, e na época também incluía o setor de assistência social, pretende ingressar com ação civil pública contra a administração municipal. A principal indicação do Ministério Público (MP) será a realização de concurso para que as vagas ocupadas por profissionais hoje contratados por meio da entidade passem a ser, ainda que de forma gradativa, do quadro efetivo de servidores.

Atualmente, Nogueira analisa apontamentos realizados pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), com especial atenção ao fim do prazo do aditamento promovido há três meses. O procedimento de prorrogação contratual foi alvo de novos questionamentos do MP, que solicitou informações ao Executivo ainda em junho, mas até agora não obteve respostas. “A permanência da terceirização, na extensão como vem sendo feita em Bento Gonçalves, fere diversos princípios constitucionais e administrativos, burlando a exigência constitucional de concursos públicos, já que são tarefas, em sua maioria, típicas de servidores efetivos”, explica. 

A mesma reivindicação já foi apresentada, inclusive, pelo Sindicato dos Médicos de Caxias do Sul – conforme reportagem do SERRANOSSA na edição do dia 9 de agosto –, que também responde por Bento e outros 21 municípios da região. A instituição sugere, como medida imediata para que a terceirização na saúde não seja levada adiante, o lançamento de editais para contratações emergenciais, enquanto o município prepara a elaboração de provas para nomear servidores estatutários. A secretaria de Administração admite a possibilidade de concurso, mas ainda não fala em prazos.

Possibilidade de colapso

De acordo com o promotor, um dos aspectos analisados no inquérito, além da legalidade da contratação, é a possibilidade de um colapso como o verificado em 2008, quando a prefeitura mantinha pacto semelhante com a Cooperativa Mista dos Trabalhadores Autônomos do Alto Uruguai (Coomtaau) e, no final do ano passado, com a própria Araucária. Na época, a crise financeira nos cofres municipais e a consequente suspensão de pagamentos por parte do Poder Público quase geraram a paralisação de serviços essenciais.

Mesmo que trate a situação como grave, Nogueira ressalta que não pode exigir mudanças imediatas no modelo de gestão adotado pela administração. “Sei, por outro lado, que a questão das terceirizações em geral – e da realização de concurso público em determinados setores – é complexa e não pode ser resolvida de um dia para o outro. Contudo, defendo que a realização de determinados serviços, por sua natureza, deve gradualmente ser substituída por servidores públicos, evitando-se a terceirização de atividades-fim do município”, explica Nogueira. 

Ele também remeteu, para a Procuradoria de Fundações, representação em que questiona a natureza da parceira da prefeitura há três anos, e garante que a continuidade do contrato pode ganhar novos rumos. “Uma eventual renovação contratual com a Fundação citada poderá ser considerada uma ofensa ao artigo 37, inciso II, da Constituição Federal, que prevê a necessidade de concurso público para cargo ou emprego público”, completa.

Concurso da saúde sem prazo

A secretaria de Administração informa estar trabalhando na elaboração de uma nova licitação para regularizar o sistema, mas não especifica detalhes do processo. No caso da saúde, talvez o mais preocupante de todos, está prevista a realização de um concurso público, mas também sem data e formato definidos até agora. “O principal obstáculo seria a dificuldade de encontrar profissionais que aceitem trabalhar na rede pública”, afirma a secretária, Mariana Largura.

Segundo a pasta, 134 médicos atuam na rede municipal, mas apenas 29 são concursados. Dos outros 105, 98 são contratados pela Fundação Araucária e 7 são cedidos pelo Estado ou União. Mariana destaca que a definição de um plano de carreira, em conjunto com estes dois entes federativos, seria uma saída para, aos poucos, recompor o quadro do funcionalismo. Nos últimos três concursos para a saúde promovidos pela prefeitura, foram nomeados 33 novos médicos. Destes, conforme dados da secretaria, 9 já pediram exoneração.

Números da secretaria de Finanças mostram que, nos seis primeiros meses do ano, os gastos da administração com a folha de pagamento atingiram 46,29% do orçamento municipal, abaixo do limite previsto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, que é de 54%. Praticamente um quarto deste percentual investido – um pouco menos de 12% – foi destinado para pagamentos dos terceirizados. De janeiro a junho deste ano, a prefeitura já pagou mais de R$ 9,5 milhões à Araucária pelos serviços prestados.

“Para não haver colapso, precisamos acertar o atrasado”

O superintendente da Fundação Araucária, Oberdan de Andrade, afirma que a principal medida para evitar que os serviços da entidade enfrentem algum problema maior nos próximos meses é a quitação do passivo que a prefeitura mantém com a contratada, herdado do governo de Roberto Lunelli. Segundo ele, até a primeira semana de setembro, a Fundação entregará à prefeitura aquele que deve ser o último cálculo da dívida. O primeiro era de R$ 6,6 milhões, mas, apesar de um adiantamento de R$ 2,8 milhões, a secretaria de Finanças apresentou uma contraproposta mais baixa, com cortes principalmente em horas-extras e adicional noturno. O abatimento seria de mais de R$ 1 milhão. “Nós entendemos que precisaria ser pago, porque houve solicitação da secretaria de Saúde na época. Mas talvez tenhamos que abrir mão de um pouco para poder receber”, analisa Andrade.

Mesmo recebendo em dia neste ano, a Araucária ainda sente o peso da insuficiência financeira nos cofres públicos verificada no ano passado, que afetou diretamente os pagamentos dos terceirizados e, além das rescisões, rendeu cerca de 200 processos de funcionários. “Nós corremos atrás de financiamentos, vamos pagar juros sobre isso, e ainda temos umas 30 ações trabalhistas em que tentamos encaminhar acordos. Para não haver um colapso, precisamos acertar o valor atrasado o quanto antes, porque só assim poderemos retomar nosso fluxo. A gestão atual está agindo com responsabilidade e estamos mantendo o diálogo. Mas se tivesse que rescindir o contrato com a prefeitura hoje, não teríamos como pagar todos os profissionais”, completa o superintendente.

Por essas incertezas, Andrade acredita em um novo aditamento contratual. “É claro que não é a Fundação Araucária que deve dizer o que a prefeitura tem que fazer. Fomos contratados para prestar serviços e é o que estamos fazendo. Se eles entenderem que o contrato deve ser encerrado, desde que seja respeitado o que está previsto, não há problema. Mas é nossa intenção continuar. Ainda não estamos discutindo isso, mas, pelo jeito, o que deve ocorrer é mesmo uma outra renovação, talvez por seis meses ou um ano. A situação é delicada, uma solução diferente teria que ser de forma gradativa, dificilmente seria de uma hora para outra”, avalia.

Sobre a representação encaminhada pelo MP à Procuradoria de Fundações, na qual o promotor questiona a própria natureza fundacional da Araucária, o superintendente garante que a entidade encaminha, ano a ano, documentos sobre a atuação nos municípios em que mantém acordos. “Sempre enviamos nossos relatórios, balanços e comunicamos cada novo contrato que é feito. Não fomos notificados sobre isso. Eles sabem do nosso trabalho em Bento e nas outras cidades”, conclui Andrade.

O que diz a Constituição

“A investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.” (Artigo 37, inciso II)

Médicos da rede pública

98 contratados pela Fundação Araucária
29 concursados
6 cedidos pelo Estado
1 cedido pela União
Total: 134 médicos

Fonte: Secretaria de Administração

Reportagem: Jorge Bronzato Jr.

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