70 anos dedicados ao comércio: “Nosso lema é trabalho e amizade”

A casa localizada na esquina das ruas Saldanha Marinho e José Mário Mônaco, no centro de Bento Gonçalves, preserva muito mais do que os traços originais da época de sua construção. Na parte de baixo da moradia está um comércio que, indo na contramão das facilidades de pagamento (tão alardeadas pelos concorrentes), resistiu ao tempo: é o mais antigo do município em atividade. A loja septuagenária hoje comercializa artigos clássicos de vestuário para senhoras, mas nasceu como um armazém de secos e molhados, um lugar onde se encontrava um pouco de tudo: de gêneros alimentícios a utensílios domésticos.

O negócio da família Benedetti – fundado em 1946 por Ludovico, sua esposa, Augusta, e os oito filhos (quatro homens e quatro mulheres) – moldou-se ao longo do tempo, chegando até a vender perucas e roupas de festa bordadas à mão. O segredo para uma loja perdurar sete décadas é também o lema das três filhas do casal que seguiram com a atividade: trabalho e amizade.

Atrás do balcão, as três senhoras octogenárias recebem clientes e, acima de tudo, amigos. É uma forma de se divertirem, ganharem um dinheirinho e, mais do que isso, manterem-se ativas. A mente está sempre em movimento, a prova é que sequer utilizam “maquininhas para somar”, esquecidas dentro das gavetas. “A nossa cabeça soma mais rápido”, justifica Zermilide, mais conhecida como Nina, de 82 anos. A mais nova do trio é quem gerencia a empresa, mas as outras irmãs – Zelma, de 88, e Alzira, de 84 – estão sempre ao lado dela, prontas para receber quem entrar na loja, seja para comprar ou apenas conversar.

Por não terem casado, coube a elas a missão de tocar o negócio da família adiante. Mais do que 70 anos dedicados ao comércio – embora tenham trabalhado em outras empresas na juventude –, elas acumulam histórias e colecionam amizades. As irmãs ainda residem na parte superior da construção e recusam-se veementemente a vender a casa, apesar da constante especulação de interessados. “Tem gente até de Porto Alegre que quer. Mas não está à venda, nós estamos aqui trabalhando”, assegura Nina, consciente do valor de mercado que um imóvel de esquina nesse local tem. Sem o ônus do aluguel de uma sala comercial em pleno centro da cidade, a crise foi pouco sentida nas Lojas Benedetti, embora a margem de lucro tenha diminuído, já que para manter a oferta de bons preços os aumentos não foram repassados integralmente aos consumidores.

Os artigos à venda são selecionados por Nina diretamente em confecções de Caxias do Sul, Farroupilha e Porto Alegre. “Escolho o que acho que terá mais saída”, conta. Na hora de pagar, ela faz questão de que seja à vista   para receber desconto. E é essa mesma condição que elas impõem aos clientes. “As freguesas sempre pedem para vender a prazo ou no cartão, mas não trabalhamos mais com máquina. A nossa idade não permite”, confessa.

A variedade de peças expostas é inversamente proporcional à de histórias para contar e muitos clientes ainda são remanescentes da época do armazém. “Temos poucas roupas, as temos muita amizade. Recebemos diariamente de cinco a oito pessoas só de visitas, sem contar as freguesas”, estima. Bento-gonçalvenses que trocaram de cidade costumam visitá-las quando estão de passagem. “Fizemos muitas amizades. Como estamos abertos há muito tempo, eles vêm aqui para saber a história de Bento”, conta Alzira.

Entre os acontecimentos da mocidade que elas relembram com saudade estão os bailes do Clube Aliança. “Nós nos divertimos muito quando éramos moças”, recorda Alzira. Em 1955, Nina chegou a ficar em segundo lugar no concurso de beleza promovido durante a inauguração das piscinas do clube. Elas até namoraram – um namoro “sério e bacana”, não como os de agora –, mas nunca encontraram alguém com considerassem que valia a pena casar. A escolha não trouxe arrependimentos: são felizes com a vida que levam.

É pelas portas envidraçadas do comércio que o trio vê a vida passar. Entre um cliente (ou amigo) e outro, observam o vai e vem dos pedestres e o trânsito cada vez mais caótico. Nina lembra que quando se mudaram da linha Salgado para essa mesma casa, na década de 40, havia apenas outras três moradias no centro. “Bento está crescendo muito rápido”, avalia.

O estabelecimento funciona de segunda a sexta-feira, das 8h45 às 11h30 e das 13h30 às 18h, além de aos sábados pela manhã. Antigamente, a pausa do almoço servia para cozinhar, mas há cerca de um ano e meio elas lançaram mão da facilidade oferecida pelos vários restaurantes a quilo próximos ao estabelecimento. Por conta da idade, também contam com a ajuda de uma faxineira para a limpeza da casa e da loja. As três não pensam em se aposentar do comércio tão cedo: enquanto puderem, pretendem manter as portas abertas. “No final de semana, parece que a gente fica perdida sem a loja”, revela Alzira.

 

Esta é a nona reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito.