A difícil arte de ensinar

É cada vez menor o número de estudantes que se interessam por seguir uma carreira no magistério. Mas nem tudo está perdido. Apesar do desencanto, alguns ainda se mostram dispostos a enfrentar o desafio de transmitir novos conhecimentos e serem responsáveis pela multiplicação de saberes. É com essa empolgação que os jovens Morgana Leite Fontoura, de 27 anos de idade, e Agenor Lopes Filho, de 28, entram em sala de aula com o objetivo de modificar esse panorama. Ambos foram aprovados no concurso público da secretaria estadual de Educação e nomeados no início de novembro. 

Ministrando aulas há menos de um mês, a professora de História e Geografia Morgana, que também é concursada pelo município, diz-se realizada com o ofício que escolheu. Tudo começou com o incentivo de amigos da escola. A mãe, no início, mostrou-se relutante com a escolha da filha, devido ao baixo salário, mas o pai a apoiava, pois era nisso que ela acreditava. “Agora ambos estão mais tranquilos, após eu ter passado em dois concursos e estar exercendo a profissão que escolhi. Eu também me sinto satisfeita, porque estou sempre em contato com pessoas, nunca se cai na rotina, cada dia é um novo desafio”, descreve. Morgana obteve a maior pontuação dos candidatos que realizaram a prova na 16ª Coordenadoria Regional de Educação (16ª CRE).

A falta de valorização não é empecilho para ela. “Embora a profissão e a própria educação estejam desvalorizadas, existem pessoas engajadas em aprender. Posso contribuir para pequenas mudanças e, com isso, melhorar o cotidiano dos meus alunos, e quem sabe torná-los cidadãos mais críticos. O salário não é muito atrativo, mas optei por ser professora por acreditar que estou contribuindo com a sociedade”, conta. Ela ainda acrescenta que para ser professor é preciso estudar muito. “Algumas pessoas escolhem a profissão pela lógica capitalista. Quem opta em ser professor, não o faz pelo salário ou por falta de alternativas, mas por gostar. Estamos sempre estudando, buscando aperfeiçoamento e usando as horas de folga muitas vezes para corrigir avaliações, estudar ou planejar aulas”, enfatiza.

Atualmente Morgana atua como professora em duas escolas. Leciona História e Geografia para alunos do 6º ano e da 7ª e 8ª séries, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Anselmo Luigi Piccoli e História aos alunos da Educação para Jovens e Adultos (EJA), na Escola Estadual de Ensino Fundamental General Bento Gonçalves da Silva. “Pretendo continuar dando aula nas duas escolas. Como o EJA é um trabalho diferenciado, voltado à outra faixa etária, possibilita um maior diálogo com os alunos”, relata. Apesar de ter estudantes mais velhos que ela, a professora conta que nunca sofreu nenhum tipo de preconceito e é bastante respeitada por todos. 

Para diversificar o ensino, Morgana procura relacionar o conteúdo com a atualidade. “Procuro sempre partir de fatos atuais para chegar ao conteúdo, assim, percebo que eles participam mais e se interessam pelo assunto”, destaca.

Para Morgana um dos motivos para a perda da autoridade dos professores dentro da sala de aula foi causado pela própria sociedade. “Muitos falam que os docentes não se impõem, mas a sociedade passou a valorizar outras coisas, a conferir aos próprios alunos mais poder. O profissional hoje possui poucos recursos e condições de trabalho, mas muitos ainda estão animados e precisam lutar por melhorias e seus direitos. Somente assim poderemos fazer a diferença na vida dos alunos”, desabafa. Ela ainda acrescenta que a família tem papel importante na educação dos filhos. “É necessário que os pais deem limites e apoiem as decisões dos professores. Somente assim esse quadro poderá mudar”, finaliza.

Atividades diferenciadas

O professor de Educação Física Agenor Lopes Filho conta que a escolha da profissão aconteceu após influência de um amigo, antes mesmo de prestar vestibular. “Ele traçou o meu perfil e opinou que eu poderia dar aula de Educação Física. Percebi que seria uma boa escolha, afinal sempre gostei de esportes e tenho facilidade para realizar atividades físicas, além de ser uma área bastante promissora”, explica. 

Após terminar a graduação, em 2011, Lopes prestou o concurso público e hoje ministra aula na Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa Senhora da Salette, no bairro Barracão. “Já havia trabalhando em escolas, durante um ano, como estagiário. O meu trabalho aqui foi mais fácil, pois antes já havia uma professora que acostumou os alunos a outros tipos de trabalho, diferente daquela prática de somente entregar a bola e deixá-los jogar. Procuro desenvolver uma atividade diferente, para promover novos estímulos e realizar a repetição também, para que possam desenvolver habilidades”, destaca.

Lopes afirma que nunca se preocupou com a desvalorização. “Entrei já sabendo do salário. Minha motivação é saber da possibilidade da valorização. Exerço a profissão de que gosto e dou muita importância a isso”, revela. Ele conta que o mais importante é que seu trabalho está sendo desenvolvido e aceito pelos alunos. “Saber que em algum momento da vida deles pude fazer parte é especial. O país precisa de pessoas que acreditem na educação e lutem por isso”, finaliza.

Opinião das escolas

Os professores exercem um papel fundamental na formação de uma pessoa. São eles os responsáveis pelo processo de transformação social. Apesar da desvalorização e da perda da autoridade, o maior problema enfrentado hoje pelas escolas é a falta de interesse dos próprios alunos dentro da sala de aula.

Escola Mestre: segundo a diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Mestre Santa Bárbara, Margarete Egami, a escola nunca teve registro de agressão contra um professor. “O adolescente de hoje é diferente do de antigamente. Fala com os próprios pais de outra forma e não diferencia os papéis. Para eles, quando respondem ao professor, não estão faltando com respeito, agem de uma forma que acham normal. Já as crianças ultrapassam mais os limites, alegam que a outra pessoa que falou primeiro. Mas quando uma discussão inicia, logo é controlada. Aqui nunca tivemos um caso em que o aluno tenha agredido fisicamente os professores”, descreve. Para Margarete, o maior problema é o desinteresse dos alunos em aprender o conteúdo. “A maior queixa dos professores não está relacionada com problemas disciplinares, mas com o fato de os alunos não gostarem de estudar. A possibilidade de reprovação já não gera mais o mesmo temor”, destaca. Por isso, a diretora enfatiza que a participação da família é essencial durante o período escolar dos filhos, tanto no ambiente familiar como na própria escola. 

Escola Salette: na Escola Estadual de Ensino Fundamental Nossa Senhora da Salette, a diretora Adriana Inês Martini Garavaglia, destaca que a presença dos pais é ativa. “Quando solicitados, eles sempre comparecem. Procuram ter conhecimento do que está acontecendo. Aqui não temos problemas referentes a alunos que desrespeitam os professores. Grande parte devido à boa criação que recebem dentro da própria família. Alguns apresentam desinteresse dentro de sala de aula, mas tentamos amenizar sempre conversando com os estudantes e nos casos que se fazem necessário com os próprios pais”, enfatiza.

Colégio Dona Isabel: No Colégio Estadual Dona Isabel, a vice-diretora e professora, Silvania Luiza Chiarello, relata que nunca houve relatos na escola de desrespeito a algum professor. “Alguns pais saem cedo de casa para trabalhar, os filhos ficam sozinhos e por vezes assumem funções que não são compatíveis com a idade, ou mesmo, acabam sendo educados pela mídia. O que acontece na escola é um reflexo da sociedade, mas a relação aluno/professor dentro da instituição é bastante tranquila. Nossa maior queixa é a falta de interesse dentro de sala de aula”, relata. Segundo Silvania, a falta de expectativa em relação ao futuro, aliada à modernização e à aquisição de conhecimento mais fácil, através da internet, tem causado esse tipo de problema, que muitas vezes, nem com a presença dos pais é amenizado.

Reportagem: Katiane Cardoso


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