A evolução do moveleiro

A produção de móveis em Bento Gonçalves foi o estopim de uma verdadeira revolução que, ao longo dos últimos 60 anos, deu força econômica e notoriedade ao setor e ao município, transformando a cidade em casa de grandes empresas e feiras mundialmente renomadas. Hoje, o polo bento-gonçalvense representa 21% do total das indústrias brasileiras do setor. Aqui estão instaladas 300 empresas geradoras de 11 mil empregos. Em 2012, elas faturaram um total de R$ 2,41 bilhões – 63 milhões de dólares somente em exportação, segundo levantamento do Sindicato das Indústrias do Mobiliário de Bento Gonçalves (Sindimóveis). 

Os números conquistados, contudo, são reflexo de importantes decisões acertadas em décadas anteriores, como a adesão ao sistema de fabricação seriada, que alavancou a produção e impulsionou as vendas nos mercados interno e externo. Com esse avanço, várias marcas tiveram condições, nos últimos anos, de guinar para a criação de ambientes planejados, apostando cada vez mais em inovação e design. São fatores como esses, aliados à constante qualificação de mão de obra e os investimentos em tecnologia, que ainda permitem que o polo de Bento desfrute de uma condição favorável frente a outras regiões, como Arapongas, no Paraná, e São Bento do Sul, em Santa Catarina.

Um dos marcos na história do setor que fizeram com que o município assumisse a posição de destaque que hoje ocupa no cenário nacional foi a fundação da primeira empresa de móveis em série, a Barzenski, em 1955. Até aquela época, os móveis produzidos em Bento eram predominantemente desenhados e esculpidos em madeira maciça por verdadeiros artistas, os marceneiros. A matéria-prima era nativa, vinha de árvores como jacarandá, imbuia, caviúna, pau-ferro, mogno, pau-marfim, louro e pinho araucária. A partir de então, com a crescente automatização do processo, a produção industrial acelerou, levando de carona uma cidade que esperava ansiosa por uma oportunidade de crescimento.

1960: de acordo com o economista Valnei Fiorin, em seu livro “Evolução do Mobiliário – A trajetória do Meio Século”, as empresas ainda eram precárias quanto à tecnologia de produção, pois importar equipamentos era uma barreira enorme. A indústria começava a abandonar a ideia de móveis artesanais e apostar nas características lineares. A grande transformação da década foi o lançamento no mercado brasileiro da madeira aglomerada, em 1966. Apesar da resistência das empresas, o material foi incorporado aos poucos e ganhou espaço. “Passados quase 50 anos, ainda está em discussão sua validade, mas o mercado precisa entender que, sem o aglomerado, a indústria não teria progredido. Além do mais, estamos contribuindo com o crescimento sustentável, sem agredir o meio ambiente”, salienta Fiorin. 

Nessa época, os empresários Félix Barzenski e Dorvalino Pozza, fundadores das empresas Móveis Barzenski e Pozza Indústria de Móveis (criada em 1963), fizeram as primeiras excursões para a Europa com o objetivo de fazer uma pesquisa de mercado. O resultado foi a volta do Velho Mundo com a bagagem repleta de ideias. Por um longo período essas duas empresas disputaram o título de maior e melhor do Brasil.

1970: começam a surgir diversas empresas de móveis por todo o país. Após um incêndio, a Todeschini entra para história do ramo moveleiro ao deixar a produção de acordeões e apostar na fabricação de cozinhas, em 1971. Em 1973, foi criada a Associação Profissional das Indústrias da Construção e do Mobiliário de Bento Gonçalves, atual Sindimóveis. 

Em 1977 foi realizada a 1ª Mostra do Mobiliário, atual Movelsul Brasil. Durante a segunda edição, realizada em 1979, duas ideias embrionárias nasciam: o Centro Tecnológico do Mobiliário (Senai/Cetemo), voltado à qualificação de mão de obra, e a Feira Internacional de Máquinas, Matérias-Primas e Acessórios para a Indústria Moveleira no Brasil (Fimma).

No final dos anos 1970, quando a indústria imaginava comemorar os louros de uma década de pujante crescimento, eis que a moeda brasileira sofreu uma forte desvalorização em relação ao dólar. Diversas empresas de pequeno porte não suportaram a quebra de caixa e declararam falência. 

1980: o ano de 1985 chegou trazendo a notícia de que a primeira empresa de móveis em série de Bento Gonçalves não havia resistido à pressão econômica. A Barzenski encerrou as atividades. No ano seguinte, entrava em vigor o Plano Cruzado, que congelou os preços de todos os produtos e serviços por um ano. “Todos viram esse momento como uma oportunidade de recuperar seus ganhos. Muitas empresas passaram a maquiar ou produzir novos produtos com pequenas diferenças, para poderem aumentar seus preços. Iniciou, então, uma valorização de toda cadeia produtiva através de uma confusa, mas efetiva, fixação de preços paralelos”, relata Fiorin. 

1990: as empresas passaram a modernizar os processos de gestão e a investir em qualificação da mão de obra. Surgiram as primeiras ideias de projetos adaptados ao gosto do consumidor, com o diferencial de personalização. “Deixamos de produzir para vender e passamos a vender aquilo que o mercado exigia… Entramos na era do marketing, com isso o consumidor ficou mais exigente, mais conhecedor e curioso por novidades que se adequessem ao seu lar”, analisa Fiorin. A estabilização da moeda brasileira serviu como alavanca para o setor moveleiro. O tempo em que apenas dormitório e sala de estar eram projetados ficava para trás. Cozinha, banheiro e área de serviço planejados entraram para a lista de prioridades da família.

2000: com a construção da mais moderna fábrica de móveis do mundo, a Todeschini S.A chegou à liderança no setor moveleiro nacional e recebeu o título de “melhor empresa para se trabalhar no país”, segundo o Guia Exame – Você S/A, edição 2004. Além disso, em 2005 ampliou expressivamente sua rede de lojas exclusivas e adquiriu as empresas Carraro/Criare. O fortalecimento da moeda brasileira e os programas governamentais impulsionaram a mudança de perfil do consumidor, ocasionada pelo aumento do poder aquisitivo e facilidades de crédito. Entra em cena uma nova Classe C, interessada em qualidade e inovação. Em 2007, foi realizada a primeira Casa Brasil, uma feira voltada ao design e aos negócios, reunindo no mesmo espaço produtos contemporâneos de alto padrão para arquitetura e decoração, exposições culturais e seminários. 

Augusto Manfroi: exemplo da força

O diretor-presidente da S.C.A Indústria de Móveis Ltda, Augusto Manfroi (foto), é exemplo da força empresarial que garantiu a identidade do setor moveleiro de Bento Gonçalves. 

Jornal SERRANOSSA – Quais foram os valores pessoais que levaram o senhor ao sucesso?

Augusto Manfroi – Iniciei de maneira muito humilde. Saí do seminário aos 16 anos e precisava trabalhar. Inicialmente trabalhei nos parreirais da Peterlongo, em seguida, fui pedreiro e a vida me guiou para o que sou hoje, o presidente da S.C.A., uma empresa de 46 anos de história, que já conquistou o mercado de 30 países. Minha motivação sempre foi minha família, minha esposa e meus seis filhos. O lema lá em casa sempre foi “trabalhe hoje, colha amanhã”.

SERRANOSSA – O senhor passou por uma situação que julgue ter sido de extrema relevância para que sua vida seguisse o caminho trilhado até hoje?

Manfroi – A separação da sociedade que eu tinha quando eu era ainda jovem. Precisei iniciar tudo do zero. Apesar desse momento difícil e de retomada, hoje tenho orgulho de poder olhar para trás, tenho orgulho do que vivi. Além da minha família, sou muito grato aos meus colaboradores, aos que já passaram pela empresa e aos que estão conosco até hoje. Sinto-me muito feliz, pois na minha idade (83 anos), conquistei o respeito de todos, me sinto orgulhoso e satisfeito por isso. Quando a empresa completou 40 anos, escrevemos um livro e nele inicio com a seguinte frase: “Sozinho ninguém constrói nada. A gente precisa da força dos outros para construir”.

SERRANOSSA – Como foi possível vencer a resistência dos consumidores quanto à madeira aglomerada, competir com tantas marcas, marceneiros e, mesmo assim, obter resultados sempre favoráveis?

Manfroi – Está em nosso DNA buscar o diferencial em tudo, de matéria-prima, tecnologia, fornecedores. Sempre fomos muito curiosos e empreendedores, queríamos fazer diferente, apresentar algo novo. Quando vendíamos para magazines, estávamos entregando um produto além do que aquele mercado buscava, foi então que vislumbramos a necessidade da marca S.C.A. seguir de forma independente, com lojas exclusivas. 

SERRANOSSA – Como vislumbra o cenário moveleiro nos próximos 20 anos? O que as empresas deverão observar para persistirem no mercado?

Manfroi – A competitividade passará a ser cada vez maior. Antigamente a concorrência era local, depois passou a ser nacional e agora ameaças mundiais afetam nosso dia a dia. Acredito que para se diferenciar no mercado é necessário agregar serviços e ter uma marca forte, sólida, e não somente um parque industrial.

Reportagem: Jorge Bronzato Jr. e Priscila Boeira


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