A façanha de permanecer 50 anos no mesmo emprego

Há 50 anos, o caixa do Hospital Tacchini tem o mesmo rosto. Aos poucos, a face foi ganhando algumas marcas do tempo, o cabelo alguns fios brancos, mas nunca perdeu o largo sorriso. Vilma De Marco Biasus, de 70 anos, é a simpatia em pessoa. Não poupa ninguém de um “oi, querido, como você está?”, “como posso lhe ajudar?”, não importa a idade. Ela é a funcionária mais antiga do hospital e, em uma entrevista descontraída, contou o segredo de permanecer feliz da vida por meio século em uma só empresa. 

Vilma ainda era muito jovem quando saiu de São Valentim do Sul, sua cidade natal, para trabalhar em um hospital de Flores da Cunha. Ao saber por uma irmã que havia uma vaga no escritório do hospital de Bento Gonçalves, foi em busca da oportunidade. Na época, o Tacchini era gerenciado por 23 freiras que contavam com a ajuda de 20 mulheres solteiras. Com 19 anos, Vilma foi contratada para integrar a equipe. “Comecei a trabalhar no escritório, onde fazia um pouco de tudo, desde a limpeza da sala até datilografar as internações e os relatórios. Tive uma dificuldade tremenda para aprender. Logo depois fui ganhando a confiança das irmãs e passei a ser a responsável pelo caixa do hospital”, lembra Vilma, enfatizando que todas as mulheres trabalhavam vestidas de branco, desde os vestidos até os sapatos e toucas.

No início, ela morava no hospital. “A gente não podia sair sem a autorização de uma irmã. Algumas vezes nos permitiam ir aos bailes da sociedade”, conta Vilma. Em uma dessas saídas, ela conheceu o amor de sua vida. Apaixonada pelo trabalho, mas também pelo namorado, Vilma inicialmente enfrentou resistência das freiras. “As funcionárias do hospital não podiam se casar. Se isso acontecesse, eram demitidas”, conta. Mas ela não queria abrir mão do trabalho e nem do grande amor. “Com jeitinho e muito profissionalismo consegui convencê-las a continuar trabalhando no hospital mesmo casada”, lembra Vilma, aos risos. 

Nunca ficou doente

Do casamento com o marido, Sérgio Biasus, nasceram os filhos Adriane, André e Gustavo. Aliás, foi somente para dar à luz que ela esteve internada. “Não lembro de ter ficado doente a ponto de me internar no hospital. Para mim, aqui é lugar para trabalhar”, diz, rindo como sempre.

Contando sempre com o apoio do marido, ela seguiu trabalhando no caixa. Com o tempo, novos prédios foram sendo construídos, novas tecnologias surgindo, muitos outros funcionários sendo agregados e ela se manteve firme na sua função. “Eu vi este hospital crescer. Também tive que aprender muita coisa ao longo desses 50 anos. Afinal, depois da máquina de escrever, veio o computador, novos sistemas e demandas e o número de pessoas para atender multiplicou”, conta Vilma, afirmando que passou por muitas dificuldades, mas conseguiu aprender tudo.

Questionada se, em 50 anos, ela nunca subiu de cargo ou buscou novas oportunidades, ela é enfática: “Eu sou feliz aqui. A direção até me ofereceu outros cargos ao longo dos anos, mas não quis mudar. Eu gosto de ter contato com as pessoas, de conversar, de ver os rostos, enfim. Fazer o que se gosta é o segredo da felicidade. Acho que é por isso que nunca fiquei doente”, revela. 

Clientes amigos

Vilma não tem ideia de quantas pessoas atendeu em meio século de trabalho, mas relata que quando os carnês do Plano de Saúde Tacchimed eram pagos somente no hospital, ela não tinha tempo nem para almoçar com calma. “Nas datas dos vencimentos, a fila ia até a porta do hospital. E como eram sempre os mesmos a pagar, eu já os conhecia. Então era uma alegria porque ficava conversando e colocando o papo em dia”, confessa.

Mais do que os clientes, Vilma também coleciona amigos no hospital. Apesar de não conhecer todos os 1.400 funcionários que hoje trabalham no complexo, ela trata todos com a simpatia que lhe é peculiar. “Se não fossem meus colegas e a direção do hospital eu não conseguiria chegar onde estou hoje. Aqui eu aprendi tudo que sei na vida. E sou muito grata a todos”, emociona-se. 

A hora de parar

Aposentada há 20 anos, Vilma confessa que está chegando a hora de parar de trabalhar. O pedido do marido e dos filhos entra em conflito com o desejo de manter-se na ativa. Afinal, no hospital, além de atividade que desempenha com muita alegria, ela também participa do coral, com quem realiza diversas apresentações na região. “Nós temos um grupo muito legal e no ano que vem vamos cantar na Itália. Estou muito ansiosa”, revela.

Apesar dos planos com o grupo, ela está certa de que o ano de 2014 será sua despedida do caixa do Tacchini. “Só não me pergunte o mês. Ainda não decidi”, pondera Vilma. “Eu só sei que será um dia muito difícil. Nem sei o que vou fazer o dia todo em casa. Certamente vou procurar fazer um trabalho voluntário em alguma entidade, vou viajar e curtir meu marido e meus filhos”, planeja.

O descanso merecido depois de tanto tempo de trabalho é aceito por todos os familiares, amigos, funcionários e direção do hospital, embora todos saibam que o caixa do Tacchini nunca mais terá o sorriso marcante, o olhar sincero e a felicidade contagiante que só a Vilma De Marco Biausus tem.

Reportagem: Raquel Konrad


É proibida a reprodução, total ou parcial, do texto e de todo o conteúdo sem autorização expressa do Grupo SERRANOSSA.

Siga o SERRANOSSA!

Twitter: @SERRANOSSA

Facebook: Grupo SERRANOSSA

O SERRANOSSA não se responsabiliza pelas opiniões expressadas nos comentários publicados no portal.