“A gente sente que está abandonado”, desabafam moradores da linha Buratti

Na semana passada, o agricultor Valdecir Bellé decidiu dar um recado aos candidatos a prefeito e vereador de Bento Gonçalves. Por meio de um vídeo, destacou os principais problemas de quem nasceu, cresceu e trabalha na linha Buratti, no interior do município. Apesar de apenas seis quilômetros de distância separarem a área urbana da localidade, Bellé e outras mais de 200 famílias afirmam sentirem-se abandonadas pelo Poder Público. “Desde a época do meu pai, Geraldo Bellé, a estrada está sempre nas mesmas condições. Vivemos mendigando para que sejam realizados consertos. Aí às vezes eles dão uma melhorada, uma “tapeada”, mas é tudo superficial. Passa uns dias e está tudo igual de novo”, lamenta. 


 

De acordo com o agricultor, somente na última safra, foram destinados cerca de 4 milhões de quilos de uva para vinícolas da cidade, e a precariedade da estrada dificulta o escoamento da produção. Além disso, muitas pessoas que residem no local trabalham e/ou estudam na área urbana e precisam lidar diariamente com buracos e desníveis, com a pouca visibilidade por conta das plantas e com trechos estreitos.  “Eles falam que apenas vão fazer alguma coisa quando tiver turismo. Quando vier alguma agroindústria, alguma pousada ou outro empreendimento. Mas para que alguém queira investir aqui, é preciso, no mínimo, ter a certeza de uma boa estrada para chegar até o local”, comenta o estudante Marcos Eduardo Tonello, que aos 19 anos já pensa em deixar a linha Buratti. “Muitos não ficam aqui principalmente por causa da estrada. É difícil para os jovens. Estou estudando outra coisa [Engenharia Mecânica] porque isso nos desmotiva”, desabafa. 


 

A estudante de matemática Raiane Jacqueline Conci, de 21 anos, que nasceu e reside no local, conta que os próprios moradores estão fazendo alguns serviços para garantir um pouco de segurança às famílias. “Foram feitas roçadas pelos próprios moradores porque não estávamos conseguindo enxergar o outro lado [da estrada], para saber se vem carro. Então a comunidade está tendo que fazer o trabalho da prefeitura”, lamenta. 

Meio ambiente pede socorro

Outra demanda antiga da comunidade está ligada à poluição do rio Buratti, que recebe esgoto de residências e produtos químicos de empresas ao longo de seu curso. “Eu não lembro quanto tinha peixe aqui, mas meu pai me conta essa história. Agora só vemos a água preta e bastante espuma, além de sentir o cheiro forte”, comenta o agricultor Valdecir Bellé. De acordo com os moradores, já foram feitas diversas fiscalizações, coletas e análises dos resíduos despejados no rio, mas a situação continua a mesma há décadas. 


 

Ainda envolvendo o meio ambiente, os moradores reclamam do descarte incorreto de lixo no local, feito por pessoas de outras localidades e até por empresas. “Eles vêm à noite ou em horários de pouco movimento e descartam móveis, produtos químicos e outros resíduos”, relatam. A solução, para eles, seriam a instalação de câmeras e a aplicação de multas severas, mas diversas denúncias já foram feitas e ninguém foi punido. 


 

Por fim, os moradores solicitam uma solução para a coleta de lixo, que não passa pelo local. “Temos que nos organizar para levar o lixo até a cidade, em uma recicladora”, conta Raiane. De acordo com eles, foi sugerido no ano passado que a prefeitura instalasse um contêiner até onde o caminhão do lixo chega, para que as famílias despejassem os resíduos no local. “Não queremos que passe de casa em casa, porque a gente entende a dificuldade. Então na verdade nós não queremos luxo, apenas o básico”, desabafa Bellé. 

De acordo com a prefeitura, já está licitada a obra para asfaltamento do trecho inicial da linha Buratti, que compreenderá 1,4km. Além disso, a Corsan afirma que está em processo de documentação a construção da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) do Buratti, a qual deverá ser iniciada em breve. 


 

“A gente vê muitos municípios vizinhos com asfalto por tudo. Mas parece que a gente só dá despesa e que tudo que fazem é um favor para nós”, desabafa o estudante Marcos Eduardo. “Um asfalto seria o melhor, mas ao menos se fizessem um calendário de manutenção nas comunidades do interior, já resolveria em partes”, sugere Raiane. “Estamos chegando a um limite. Tem muita gente aqui que vive estressada por conta dessas questões. Não temos qualidade de vida. Então queremos um compromisso dos candidatos, não apenas com a nossa comunidade, mas com todo o interior de Bento Gonçalves. O medo é que a gente caia no esquecimento e nada mude de novo nos próximos quatro anos”, finaliza Bellé.

Fotos: Eduarda Bucco