A história de três gerações de feirantes

A agricultura faz parte da história da família Remus. Há quatro décadas, o patriarca, Pedro, foi um dos que deu início à Feira Livre do Produtor Rural de Bento Gonçalves. Um dos seus nove filhos, Gilberto, deu continuidade ao trabalho e agora é a vez do neto Gabriel, de 14 anos, perpetuar a tradição da família. O sustento vem dos cinco hectares com plantação de hortifrutigranjeiros na linha José Júlio, no interior de Santa Tereza.

Aos 87 anos, Pedro já não participa mais das feiras e cuida apenas dos animais que a família cria para vender diretamente aos frigoríficos. Na década de 70, o principal ponto para a comercialização das frutas e verduras era a Ceasa, na capital do Estado. Na época Santa Tereza ainda era distrito de Bento Gonçalves e os membros da cooperativa local se uniram para propor a iniciativa ao Poder Público. “Era mais fácil levar a verdura aqui do que mandar para Porto Alegre”, comenta, lembrando que era preciso ainda alugar os caminhões para fazer o transporte.

Registro dos primeiros anos da realização da Feira Livre, na praça Centenário

Quadros com imagens da propriedade em diferentes épocas enfeitam as paredes da casa de Pedro. Fotografias tiradas nos primórdios da Feira Livre e também registros das diferentes épocas da lavoura fazem parte do álbum da família. Os Remus são um dos poucos da localidade que ainda permaneceram na agricultura. “Há 40 anos esses morros eram tudo roça e olha hoje como está, puro mato”, observa.  Desde pequeno ele foi acostumado com a lida no campo e guarda com carinho algumas passagens de sua história, como quando em 1956 a professora parou as aulas para assisti-lo dirigir um trator – na época, uma grande novidade. “O melhor trator que veio de Bento Gonçalves da Ford eu ocupei para lavar as roças. Se reuniram três linhas e as professoras vieram lá com os alunos ver quando eu estava lavrando um potreiro”, lembra.

Foto de 2006 com a vista aérea da propriedade da família, que está emoldurada em um quadro na casa do patriarca

Gilberto tem 56 anos e chegou a sair do município na adolescência para estudar em São Miguel do Oeste. Ao retornar para casa passou a ajudar o pai na feira. Ele lembra que no início eram poucos consumidores, mas o movimento foi crescendo com o tempo. “Hoje é só levantar a cabeça já tem dez para atender. Todo mundo gosta, direto do produtor, fresquinho”, garante. Ele aposentou-se como motorista – para completar a renda fazia alguns trabalhos por conta – e quando Gabriel completar a maioridade pretende dar uma folga na rotina. “Tem toda a estrutura montada, agora é manter ou deixar virar mato”, brinca.

Nos dias de feira – aos sábados na rua Barão do Rio Branco, no Centro, e às terças no bairro Cidade Alta – eles acordam às 2h. Os preparativos iniciam oficialmente ainda na tarde anterior, quando separam os produtos que serão comercializados – de dez a quinze variedades em geral. Após tomar café, saem de casa por volta das 3h e levam cerca de 1h para fazer o trajeto até Bento Gonçalves. As negociações não envolvem calculadora e são um bom inventivo para praticar a matemática. “A professora chama atenção que o primeiro a responder uma conta é o Gabi e os outros têm que fazer cálculo”, conta Gilberto. A filha mais nova, Raissa, de 11 anos, também eventualmente os ajuda o pai e o irmão nas vendas.

Gilberto com os filhos Gabriel e Raissa ainda pequenos, no mesmo ponto onde se estabelece, na esquina das ruas Barão do Rio Branco e Félix da Cunha

Ao ver algum consumidor diferente do habitual, Gilberto costuma puxar papo. Segundo ele, vários turistas hospedados em Bento aproveitam a estadia para comprar produtos coloniais – como vinhos e cachaça. “Tem gente que vem de tudo que é lugar”, estima. Entre os clientes, também há donos de fruteiras e restaurantes e eles ainda vendem em grande quantidade para outros municípios, porém, neste caso, a mercadoria deve ser retirada diretamente na propriedade. “Tem gente de Farroupilha, Veranópolis e Garibaldi que vem buscar aqui”, conta.

Alface e chicória são o carro-chefe da família nos meses de inverno. “A maioria dos produtores não consegue produzir por causa do frio, mas aqui é quente por conta do microclima. Quando é março e abril e começa a escassear lá para cima, ficando pés pequenos, nós entramos no mercado. No verão a gente planta aipim, batata, pimentão, outras culturas”, explica. A localidade raramente é atingida por geadas já que está próximo ao rio, mas já chegou a ser invadida anos atrás com uma cheia.

O segredo para ter sucesso em uma área que fica à mercê do clima, segundo Gilberto, é arriscar. “Tem altos e baixos. No ano passado teve gente com repolho de 10kg a R$0,50 e não vendiam. Esse ano está R$ 2, R$ 2,50. É tudo risco, tem que acertar. Não adianta, às vezes tem que botar fora”, lamenta. Entretanto, de forma geral, as vendas têm melhorado nos últimos anos. “Não dá para dizer que tenha crise. Está difícil porque tem seguro, imposto, mecânico; aumentou o custo, mas não dá para se queixar”, conclui.

Na propriedade da família, na linha José Júlio, em Santa Tereza, há duas moradias. Em uma residem Pedro, a esposa Nilsa e a filha Luciane, e, na outra, Gilberto, a esposa Jane e os filhos Gabriel e Raissa

Saiba Mais

A Feira Livre do Produtor Rural ocorre no centro de Bento Gonçalves desde 1977 e na Cidade Alta desde 2000. Conforme informações da secretaria municipal de Desenvolvimento da Agricultura, na edição dos sábados participam entre 55 a 60 feirantes em média.

 

Esta é a 38ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito. 

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