A visão do promotor Élcio Resmini Meneses

Jornal SERRANOSSA: Na sua opinião, as propostas de mudança no Código Penal no que diz respeito a crianças e adolescentes serão capazes de diminuir a participação deles em crimes como furto, roubo e tráfico?

Élcio Resmini Meneses: Acho que a questão da resposta do Estado para a infração penal não está necessariamente no aumento do tempo de internação. Explico: em Bento Gonçalves, recentemente, dois adolescentes praticaram um roubo na companhia de dois adultos. Ficaram os adolescentes internados provisoriamente por mais de 30 dias (considerando que seus processos, nessa condição, devem estar concluídos em 45 dias, segundo a lei), enquanto que o adulto foi de imediato colocado em liberdade provisória, por decisão judicial. Sabe-se o quanto se fala em superlotação de presídios, o que não é diferente nas casas da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), mas o tratamento aos adolescentes foi inicialmente mais severo do que o dispensado ao adulto. Então, acho que para alguns casos raros a internação de três anos é pouco tempo, considerando a violência com que os atos infracionais são praticados algumas vezes. Mas também acho que não é ampliando a permanência para seis anosque se diminuirá o índice de atos infracionais. Convém ainda que se observe o quanto o furto está associado à dependência química, ao tráfico nem se fala (quando os jovens são cooptados para a traficância em troca de “suas pedras”). Então, não é o tempo de internação por ato infracional que diminuirá a prática de tais fatos, considerando que a dependência química está associada a questões de saúde, sociais/familiares e de educação, e não somente a questões de segurança pública.

SERRANOSSA: É amplamente discutido que a idade mínima deveria ser de 16 anos, em vez de 18. O senhor acredita que isso iria coibir a ação de adolescentes em crimes?

Meneses: Essas são, entre outras, as mesmas razões para afirmar que redução de idade penal não representará redução da violência (ou atos infracionais), passando apenas a responder à sociedade uma demanda recorrente: a segurança. Todavia, enquanto tivermos notícias, em hipóteses,  de “Mensalões, 40 ladrões e Cachoeiras”, somente mudar a lei é um ato hipócrita.

SERRANOSSA: Internar um adolescente infrator em instituições como o Case auxilia na recuperação?

Meneses: Penso que a internação é medida socioeducativa necessária, com finalidade pedagógica, mas com caráter retributivo, ou seja, punitivo. Se por três anos um adolescente permanece internado no Case (embora em raros casos não progrida para medida mais branda em prazo menor), certamente poderá permanecer mais tempo “fechado” que o adulto, considerando os benefícios que a lei de execução penal confere a quem é maior de idade, como progressão de regime, liberdade condicional e, até, prisão domiciliar.

SERRANOSSA: Mesmo após terem sido internados em Centros Socioeducativos, os adolescentes infratores reincidem no mundo do crime?

Meneses: O índice de reincidência tem sido significante, se analisado todo o Sistema Fase. Entretanto, a ausência da dita recuperação não decorre somente de ineficácia do sistema socioeducativo. Por vezes, a falta do acompanhamento da família, inserida em contextos sociais de risco, faz com que o jovem egresso da internação não encontre respaldo para a “mudança de vida”, e permaneça sem um “projeto de vida”. O Programa Estatal ao egresso, de responsabilidade da secretaria de Justiça e Direitos Humanos (SJDH), nem sempre é suficiente, pois os “prazeres” da rua voltam a seduzir os adolescentes até que completem 18 anos e entrem no sistema penal comum, com presídios superlotados etc.

SERRANOSSA: Outra proposta de modificação do Código é que seja permitida a prisão temporária de menores para auxiliar na investigação de crimes. Você concorda?

Meneses: Prisão ou apreensão temporária para adolescentes já existe (45 dias, enquanto tramita o processo penal juvenil). Para investigações? Se a exceção está mais do que confirmada ao adulto, porque a regra é a liberdade, não tem qualquer sentido apreender para investigar adolescentes, até mesmo porque o índice de confissão nos atos infracionais é altíssimo.

SERRANOSSA: Que outra modificação do Código Penal seria necessária para evitar que crianças e adolescentes entrem para o mundo do crime?

Meneses: Sobre modificações no Código Penal para prevenção ao crime (ato infracional), na esfera dos graus de medidas socioeducativas, acho que o legislador poderia estabelecer, de forma genérica, os tempos a serem cumpridos pelos atos infracionais praticados. Digo isso porque não há limites precisos, podendo o Ministério Público ajustar, por remissão, e o Judiciário aplicar, em sentença, até, por exemplo, seis meses de prestação de serviços à comunidade. No entanto, não estabelece critérios objetivos para tal fixação, o que permite a discricionariedade. Hoje existem espaços mais protegidos na lei do adulto (âmbito doméstico, por exemplo). Para adolescentes, o espaço escolar tem sido um palco de agressões e atos infracionais, o que mereceria uma atenção especial do legislador, prevendo tais ocorrências em espaço que deveria estar protegido. Dizendo que os atos em tais ambientes deveriam ser “punidos” de forma mais severa, ajudaria a proteger a comunidade escolar, impedindo que em uma Comarca se entenda que um mês de serviços comunitários é suficiente, enquanto na Comarca ao lado (por hipótese) seja elevada a três meses de prestação de serviços a comunidade.

De qualquer modo, ainda acredito que a melhor maneira da prevenção ou de reposição da convivência pacífica passa pela cultura de paz no ambiente escolar (onde quase todos se encontram) e pelas práticas restaurativas, que estamos ajudando a implantar em Bento Gonçalves. E, diga-se de passagem, também é exercitado no Sistema FASE, mais especificamente em Porto Alegre.

Veja a opinião do defensor público Eduardo Marengo Rodrigues

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