Agressores em busca de remissão

Um grupo, formado por cinco homens acusados de agressão contra suas companheiras, participa da sexta edição do projeto “Encontros reflexivos”, promovidos pelo Centro da Mulher que Vivencia Violência (Revivi) em parceria com o Poder Judiciário. A participação é indicada pelo juiz, quando um Boletim de Ocorrência (BO) é registrado, tendo como motivação a agressão verbal. Entre os integrantes do grupo, apenas dois chegaram a cometer agressão física. O que eles têm em comum, além de terem praticado a violência? Estão compreendendo que a conversa é a melhor solução. Além disso, agora sabem que, ao iniciar uma discussão, é necessário manter a calma para evitar que a situação se agrave. “Nada justifica a agressão”, dizem, resumindo o que passaram a compreender melhor. 

O grupo é acompanhado pela psicóloga Sandra Giacomini, que atualmente trabalha junto ao Revivi. “Meu papel não é fazer julgamento. Nossos encontros são momentos de reflexão, que buscam identificar o que no homem poderia ter sido diferente, para que não chegasse a acontecer o fato e também evitar futuros”, explica Sandra. Os encontros acontecem uma vez por semana e enfatizam principalmente a mudança de comportamento. “A maioria das mulheres consegue resolver os conflitos de outra forma, sem ser com violência. Não podemos utilizar dela para dizer que a culpa é das mulheres. Temos que conscientizar as pessoas de que a violência não leva a nada”, enfatiza.

A psicóloga ainda destaca que nem mesmo a violência verbal deve existir dentro de um relacionamento. “Temos que denunciar mesmo a agressão verbal. No início, ela acontece durante uma discussão, depois passa a evoluir, até que a todo momento existe troca de palavrões, sendo a próxima fase a agressão física”, alerta. 

Para homens que agrediram verbalmente suas companheiras, o indicado é participar de quatro encontros. Até março deste ano, o juiz poderia propor a mulheres vítimas de violência física que, para suspensão do processo, os acusados passassem a frequentar grupos de apoio, durante 12 encontros, mas isso mudou. Agora, mesmo que a vítima não deseje representar contra o agressor em casos de lesão corporal, o processo continua e o acusado será condenado pelo crime cometido. 

O SERRANOSSA participou de um dos encontros e conta as histórias de alguns dos participantes. Os nomes são fictícios para evitar a exposição.

Histórias reais

“É melhor virar as costas”

Mesmo após quase 50 anos de casado, Francisco, de 69 anos de idade, se desentendeu com a esposa e acabou pegando-a pelo pescoço, durante uma discussão. Ele conta que as brigas sempre existiram, mas eram amenas. A situação piorou nos últimos três anos, até o episódio da agressão física. “Sabendo o que sei hoje, deveria ter pegado ela antes pelo pescoço, assim teria parado mais cedo a fazer o que fiz durante tanto tempo, revidar. Ela fala muito, mas quando começamos a discutir, hoje, procuro sair do local para esfriar a cabeça, até tudo passar”, descreve. Logo após o episódio, a esposa mandou Francisco embora de casa, mas pouco tempo depois ele voltou, a pedido dela.

Em anos anteriores, ele conta que seu maior problema era a bebida, o que acarretava mais discussões, assim como as traições, mas afirma que nunca deixou faltar nada em casa. “Hoje aprendi a engolir o sapo e me acalmar. Quando penso em sair de casa, reflito para onde irei”, relata. 

A participação de Francisco nos encontros não aconteceu de forma voluntária. Ele escolheu como alternativa à condenação pelas agressões. Mesmo após ter terminado os 12 encontros, dos quais havia se comprometido a participar, Francisco apresenta interesse em continuar frequentando o projeto, por ter um espaço onde conversar e trocar opiniões. 

“Minha esposa não tolera que eu beba”

As discussões eram sempre motivadas por uma situação: a embriaguez de André. Foi por causa disso também que o casamento de mais de 25 anos, começou a ficar abalado e as brigas, proporcionalmente, aumentavam. “Estava trabalhando em casa e fui até o bar comprar cigarro, mas acabei tomando uma cerveja, isso desencadeou o desentendimento, que culminou no registro da ocorrência”, relata. Antes disso, as discussões ocorriam de forma esporádica, mas ele nunca chegou a agredir a esposa por acreditar que violência não leva a nada.

Após esse episódio e o enquadramento pela Lei Maria da Penha, André afirma ter saído da ignorância. “Como homem, eu não acompanhava a evolução feminina, tanto no aspecto intelectual quanto judicial. Com os encontros, passei a conhecer e refletir sobre o assunto. Posso dizer que se todos soubessem disso, não cometeriam os atos que cometem contra as mulheres”, desabafa.

André participa há menos de um mês dos encontros e diz que agora, sobretudo, aprendeu a cuidar de si e valorizar mais a sua família. 

“A perda da minha filha me desestruturou”

Paulo, de 68 anos de idade, descreve-se como uma pessoa nervosa, mas até então nunca havia agredido a esposa. Nem no primeiro casamento, nem no segundo, que já completa 28 anos. Após a perda precoce de uma das filhas, ainda adolescente, a bebida acabou sendo seu refúgio para superar a dor, o que aumentou a agressividade. “Foi tudo muito rápido. Descobrimos a doença e poucos meses depois ela estava morta. Fiquei chocado, só queria minha filha de volta. Como ficava sozinho em casa, comecei a beber mais. Sempre fui de tomar umas cervejas, mas depois da perda, passei a beber cachaça de forma frequente e ficar um pouco alterado”, relata.

As brigas em casa também começaram a aumentar, inúmeras vezes presenciadas pelas outras filhas. “Um dia estava tratando dos animais e, como de costume, com o facão na mão. Resolvi ir para casa conversar com a minha esposa. Uma das minhas filhas viu a cena e chamou a Brigada Militar. Mas ela entendeu errado, eu não iria agredi-la”, conta.

O incidente resultou no registro de um Boletim de Ocorrência e, por orientação do juiz, Paulo foi indicado a participar dos encontros. “Eu me sinto feliz e bem por estar aqui. Podemos conversar e trocar ideias. O grupo ajuda a refletir sobre a situação”, finaliza ele, que já participou de dois dos quatro encontros aos quais se propôs participar. 

“Da cadeia eu saio, do cemitério não”

Após um dia de trabalho, Renato, passou no bar e bebeu algumas cervejas. Ele sabia que isso desagradaria a companheira, com quem vive há quase dois anos, mas mesmo assim o fez. “As coisas não estavam muito boas entre nós, minha esposa não andava muito bem também. Nesse dia eu tinha bebido e quando cheguei em casa, disse que iria sair de novo. Ela ficou braba e começou a danificar a minha motocicleta e chamou um familiar, pedindo que ele pegasse um facão. Foi quando saí de mim. Pensei ‘da cadeia eu saio, mas do cemitério não’. Fiquei cego e comecei a jogar pedras nela para que parasse de danificar a moto e que não viessem armados”, relata. 

Após o episódio, um boletim de ocorrência foi registrado contra Renato. Na audiência, o juiz aconselhou que ele frequentasse os encontros e ele concordou. Hoje, sabe que seu maior problema é a bebida e vem tentando conter o vício. “Se eu não tivesse bebido naquele dia, nada daquilo teria acontecido. Agora, o casamento melhorou e minha companheira também está melhor. O que aprendi nos encontros, levarei para sempre. Acredito que todo casal deveria ter um acompanhamento profissional. Muitas coisas seriam evitadas”, descreve.

“Não é batendo que se resolve o assunto”

O casamento de Mário, de 48 anos, não estava no caminho certo. Ele traiu a esposa e descobriu que ela também o traía. “Um dia contaram que ela estava saindo com outro, acabei investigando e vi que era verdade. Quando eu perguntava para ela, sempre negava, jurava que era mentira, assim começavam as discussões e, com isso, as agressões”, conta. Mesmo após o primeiro registro de ocorrência, por outras duas vezes o bate-boca se transformou em lesões corporais.

Quando a audiência com o juiz aconteceu, a esposa optou por suspender o processo em troca da participação dele nos encontros. “Ouvindo e vendo outras situações, aqui expostas no grupo, comecei a compreender que não é batendo em alguém que se resolve um assunto”, relata. 

Referente às mudanças no casamento, Mário afirma que ele e a esposa estão tentando conversar e que hoje o respeito de um pelo outro é maior. Quando uma discussão inicia, ele tenta manter a calma e ficar quieto, para evitar um briga maior. Ele afirma que os encontros, 12 ao todo, o ajudaram a perceber o que estava errado e o que é necessário para evitar repetir o erro do passado.

 

Números em Bento

No ano passado, 314 mulheres registraram BO, no Posto da Mulher, após terem sido agredidas por um homem. Mas esse número pode ser ainda maior. Conforme levantamento da secretaria estadual de Segurança Pública (SSP), mais de 60% das vítimas não registram ocorrência, por medo, vergonha ou até mesmo por desconhecimento. Para mudar esses índices, é preciso trabalhar a conscientização dos agressores, e ao mesmo tempo incentivar que outras mulheres busquem ajuda e é justamente isso que a rede de atendimento a mulheres vítimas de violência, em Bento Gonçalves vem realizando. No Centro Revivi, as vítimas recebem atendimento psicológico, de assistente social, além de contar com o apoio dos demais integrantes da rede de atendimento, que engloba a Brigada Militar, Polícia Civil, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública e outras entidades de assistência social ligadas ao Poder Público.

16 dias de ativismo

Desde o dia 24 de novembro, a cidade está celebrando os “16 dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra a Mulher”. Neste final de semana será realizada a tradicional campanha “Homens pelo Fim da Violência”, na qual uma fita roxa é amarrada no braço de homens que passam pela Via Del Vino. A atividade inicia às 9h. Quem tiver interesse em participar deve comparecer inicialmente na sede do Revivi, localizada na rua Cândido Costa, 24, sala 203, edifício Cainelli, no Centro. Mais informações pelo telefone 3454 5400. 

Programação para os próximos dias

Dia 1º/12 – “Homens pelo Fim da Violência”
Distribuição de material de divulgação da campanha
Horário: 9h 
Local: Via Del Vino

Dias 4, 5, 6 e 7/12 – Atividades 
O Revivi estará na Via Del Vino distribuindo material de divulgação e fazendo a troca de latas, que consiste na doação de uma lata de achocolatado, ganhando uma lata decorada alusiva ao movimento em troca
Horário: das 11h às 14h
Local: Casa do Artesanato – Via Del Vino

Dia 06/12 – Reunião aberta do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (Comdim)
Participação da escritora Lélia Almeida que desenvolverá o tema: “Feminismo e direitos das Mulheres”
Horário: 8h30
Local: Coordenadoria de Tecnologia de Informação e Comunicação – CTEC (avenida Osvaldo Aranha, 1479, Cidade Alta)

 

Reportagem: Katiane Cardoso


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