Aids atinge mais mulheres e jovens em Bento

A Aids tem um novo perfil em Bento Gonçalves. Em cerca de 20 anos de dados levantados no município, observa-se, entre os portadores da doença, um aumento no número de mulheres e adolescentes infectados, principalmente desde 2010. Mesmo com o tratamento cada vez mais viável, os números apresentados pelos serviços de Vigilância Epidemiológica e de Atendimento Especializado e Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA), na última semana, alarmam em diversos aspectos, que apontam para a questão cultural como raiz comum.

A próxima terça-feira, 1º de dezembro, é o Dia Mundial de Luta contra a Aids, e Bento não tem o que comemorar. Enquanto os casos da doença no Rio Grande do Sul têm se mantido estáveis, com uma leve retração desde o início dos anos 2000, no município, a incidência tem aumentado gradativamente. A média de infectados na cidade aproxima-se cada vez mais da média estadual, que, de 2010 a 2014, foi de 32,3 casos para 100 mil habitantes.

A forma mais comum de contágio é de natureza sexual com parceiro infectado, em 58,6% dos homens e 79,3% das mulheres. Conforme o coordenador da vigilância epidemiológica, José Rosa, a resistência ao uso de preservativos nas relações é um grande dilema. “Muitas mulheres não conseguem negociar com os parceiros, que alegam que a camisinha atrapalha seu prazer ou a virilidade”, afirma o coordenador. Ao contrário do que se acreditava há alguns anos, a Aids não pode ser considerada uma doença que afete, prioritariamente, homossexuais. Dos infectados em Bento, 78,5% declaram-se heterossexuais.

Com a feminização do quadro, cresce também o número de grávidas infectadas e, consequentemente, fetos e recém-nascidos expostos. Nos últimos cinco anos, 37 gestantes com HIV positivo foram registradas em Bento e, até agora, nenhum bebê foi infectado. O acompanhamento pré-natal possibilita o diagnóstico e o tratamento, reduzindo a carga viral da mãe e o risco de o vírus atingir o feto. Após o nascimento, as crianças expostas realizam testes para garantir que não tenham sido contagiadas e que permaneçam saudáveis.

Adolescência

A discussão sobre sexo seguro ainda em sala de aula é outro ponto essencial para a prevenção da Aids, que tem o número de portadores jovens crescendo no município. Nos últimos cinco anos, o índice de vítimas de 10 a 19 anos de idade cresceu 278%, alcançando 3,5% das incidências. “O uso do preservativo é uma questão cultural, que, se não for trabalhada pelas escolas e meios de comunicação, corre o risco de fazer com que esse perfil continue crescendo”, alerta José.

Os adolescentes têm iniciado suas vidas sexuais cada vez mais cedo, e trabalhar o tema, muitas vezes, ainda é tabu. “Já houve casos de pais que frequentam igrejas mais ortodoxas não quererem que os filhos participem de palestras sobre o tema”, exemplifica o coordenador da epidemiologia.

Além da contaminação sexual, o uso de drogas também interfere direta e indiretamente no contágio. A cocaína injetável, cujo compartilhamento de seringas configurava comportamento de risco, caiu em desuso nas últimas décadas. O crack, no entanto, faz seus usuários perderem o senso de segurança, deixando-os mais vulneráveis a relações desprotegidas.

Tratamento

José reforça que os dados apresentados referem-se ao número de pacientes com sintomas de Aids detectados, não contabilizados os infectados pelo HIV sem a doença manifestada. Segundo ele, o vírus é silencioso e vai destruindo as células de imunidade até causar a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, o que pode levar anos para acontecer. “Os sintomas demoram a aparecer e, enquanto isso não ocorre, uma pessoa pode contaminar muitas outras”, acrescenta o coordenador.

Por isso, o diagnóstico precoce da presença do vírus é essencial para o tratamento. “Assim, podemos fazer um acompanhamento sem que se instale a doença. Já quando a Aids é detectada tardiamente, por infecções ou outras doenças, pode haver sequelas”, informa a coordenadora do SAE/CTA, Adriana Maria Cirolini. O tratamento é gratuito e contínuo, com remédios que causam cada vez menos efeitos colaterais.

Uma equipe multidisciplinar atua no serviço para oferecer apoio psicológico. De acordo com os profissionais, receber o diagnóstico de HIV tem um grande peso emocional, considerando-se as possíveis barreiras familiares, pessoais e profissionais, além da própria aceitação. “Para muitas pessoas, é difícil aceitar que o que elas fazem na vida privada pode interferir na vida e na saúde pública. Porém, mantendo um suporte psicológico adequado, além da medicação, o paciente pode ter uma qualidade de vida razoável”, garante José.

Testes rápidos serão oferecidos na Via Del Vino

Em alusão ao Dia Mundial de Luta contra a Aids, o Serviço de Atendimento Especializado e Centro de Testagem e Aconselhamento (SAE/CTA) realizará uma atividade de conscientização na Via Del Vino na próxima quinta-feira, dia 3. Das 9h às 16h, o ônibus amarelo da Unidade Móvel de Saúde realizará testes rápidos de HIV, sífilis e hepatite C.

A coordenadora do serviço, Adriana Cirolini, explica que o teste consiste apenas em uma perfuração no dedo e que o resultado sai em até 15 minutos. Os testes rápidos também são oferecidos em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), inclusive no interior.

Atualmente, o SAE/CTA atende a cerca de mil pacientes em Bento e mais 21 cidades da região. Segundo Adriana, há pacientes em tratamento há mais de 15 anos.


Reportagem: Priscila Pilletti


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