Amor celebrado em todas as cores

As cores, sons e elementos que representam as crenças da cultura africana foram usados para simbolizar o amor no primeiro casamento étnico celebrado em Bento Gonçalves. O Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, marca pouco mais de um mês da união oficial de Solana Corrêa e Marcus Flávio Dutra Ribeiro, que realizaram a cerimônia após 15 anos de relacionamento. Familiares e amigos de todas as crenças e etnias reuniram-se em evento realizado no Clube de Subtenentes e Sargentos do município. 

Adepta da umbanda, Solana conta que teve a ideia de realizar o casamento temático ao perceber que os orixás do ano de 2015, Ogum e Iemanjá, eram os correspondentes ao seu e ao do companheiro. “Pensamos em fazer uma cerimônia umbandista aberta a todos, para tirar a ideia de satanismo que muitos têm da religião e mostrar que nela existe beleza e muito amor”, afirma a professora. 

Moacir Corrêa, tio da noiva e pesquisador da cultura africana, participou da organização do cerimonial e da decoração. Os itens utilizados remetiam, principalmente, à natureza: flores, folhas secas, limo, estampas animais, muitas cores e frutas. Caracterizado com quipá e faixa nas cores do seu orixá, o noivo entrou carregando uma espada, também símbolo de Ogum. Para a noiva, Moacir criou uma coroa inspirada na orixá Obá. 

A cerimônia foi conduzida por uma yalorixá (sacerdotisa e chefe de terreiro de candomblé), acompanhada do som do atabaque, instrumento musical típico africano. Cânticos aos orixás – denominados pontos – foram entoados na entrada dos noivos. Para simbolizar a união, ambos alimentaram e soltaram um casal de pombos. “Eles são conhecidos por permanecerem juntos até o fim”, acrescenta Solana. 

Casamentos como esse costumam acontecer dentro dos terreiros, mas não abertamente a crentes de outras religiões. “Muitas pessoas falam do negro no sentido obscuro. As pessoas demonizam e queríamos desmitificar isso. Tivemos convidados católicos, evangélicos, testemunhas de Jeová, espíritas e luteranos”, contabiliza Corrêa. “Amém, para quem é de amém; Aleluia, para quem é de aleluia; e Axé para quem é de axé”, cumprimentou Ribeiro na celebração.  

Batizada católica, a noiva comenta que a ideia inicial era realizar a cerimônia na igreja Santo Antônio. “Queria que fosse uma celebração conduzida por um padre, mas ele não aceitou que se cantasse a ‘Ave Maria’ em outra língua, barrou por ser fora do tradicional. Fiquei muito decepcionada, pois isso vai contra o que prega o Papa Francisco sobre diversificação com outras etnias”, lamenta Solana. 

A música de origem negra foi outro item reforçado na festa, com grande simbolismo na cultura africana. “O tambor tem muita força, tem o poder de mexer com a alma. Por isso, qualquer música africana faz vibrar, faz o contato entre o humano e o divino”, afirma Corrêa. Para os convidados, além de confraternizar com os noivos, o evento foi uma oportunidade para conhecer mais sobre a cultura africana. “Todos se divertiram e se emocionaram muito. Vi pessoas chorando mais do que eu”, lembra Solana. 

Negros em Bento

Professora dos anos iniciais da rede estadual, Solana procura trabalhar a inclusão e autoestima com seus alunos. “A maioria das escolas deixa para trabalhar a cultura africana próximo à data de hoje. Deveria ser um assunto abordado sempre”, propõe. 

Estudioso do assunto há mais de 30 anos, Moacir Corrêa conta que a informação era ainda mais restrita antigamente. “Os livros sobre o assunto eram muito escassos. Hoje, há mais informação e as pessoas são mais esclarecidas. Muitos pais conseguem passar isso para os filhos”, avalia. Ele acredita que a tendência é de que o preconceito amenize com a iminente miscigenação com os imigrantes haitianos, por exemplo, cada vez mais presentes na cidade. 

O presidente da Sociedade 20 de Novembro, Luis Eduardo Pereira Mendes, ressalta que ainda há muitos casos de preconceito na cidade, em locais de trabalho e escolas. “Tanto explícito, quanto velado. Nem sempre eles vêm à tona”, analisa. A atuação da entidade, segundo ele, é na vigilância dos direitos e condições de cidadania dos negros.

8ª Semana da Consciência Negra

A secretaria municipal de Cultura de Bento Gonçalves, em parceria com a Sociedade 20 de Novembro e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRS), está promovendo a 8ª Semana da Consciência Negra no município, desde a última sexta-feira, dia 13. Com a ideia de debater questões sociais, econômicas e culturais presentes na realidade dos negros no Brasil contemporâneo, a programação conta com palestras, apresentações artísticas e eventos de integração.

Programação

20/11 – sexta-feira 

17h30 – Apresentação do grupo Bom Balanço (pagode) – Via Del Vino
18h30 – Apresentação da minibateria da escola de samba Imperadores do Samba (Porto Alegre) – Via del Vino

21/11 – sábado

20h30 – Costelão no CTG Laços da Amizade

Reportagem: Priscila Pilletti


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