Animais especiais também merecem uma nova chance e podem ter uma vida feliz
Só quem tem um animal de estimação sabe o quanto o amor e a dedicação são recíprocos. O fato de não ter uma das patas, não caminhar direito ou precisar de cadeira de rodas para se locomover, seja por acidente ou genética – algumas raças são mais propensas a problemas na coluna –, não muda o sentimento. “Está na cara dos bichinhos que a deficiência não é um problema”, afirma a veterinária Natália Piva, que luta diariamente para quebrar o preconceito contra os animais especiais em seu consultório.
Ao se deparar com situações em que a alternativa seja uma amputação, por exemplo, a veterinária procura desmitificar a questão. O preconceito, segundo ela, tem origem no desconhecimento. “As pessoas ficam chocadas ao pensar em ter um animal com algum tipo de deficiência, mas eles se adaptam muito bem. O preconceito de que eles não vão ter qualidade de vida é nosso. É só uma questão de aceitação e adaptação”, ressalta. A eutanásia, acrescenta, já deixou de ser uma opção faz tempo. “Ela ocorre somente como última alternativa, quando já se tentou de tudo. Não é o caso de um animal que perdeu uma patinha, por exemplo”, argumenta.
Se os humanos sofrem ao perder um membro, especialmente pela questão psicológica, com os pets, isso não acontece. “Vemos animais de três patas correndo até mais que outros. Isso não é um problema para eles. Eles se adaptam melhor que nós. São exemplo de vida”, observa.
Além da questão estética e da maior demanda por atenção, o aumento das despesas com o bicho de estimação também está entre as principais fontes de preocupação. “Em alguns casos, nem é preciso muitos gastos, apenas mais cuidados. Algumas pessoas até teriam tempo, mas não querem ter trabalho. O animal que recebe o mínimo de cuidados vive bem”, avalia.
Um dos pontos levantados pela veterinária é que, a partir do momento em que a decisão de ter um gato ou um cachorro é tomada, é necessário estar ciente de que o animal demandará cuidados. “É preciso ter consciência de que ele vai envelhecer e pode ficar doente. Um ser humano com deficiência não é descartado. É sofrido, mas ninguém o deixa de lado ou deixa de amá-lo. Com o animal, é a mesma coisa: é um ser vivo, que tem dor e sentimentos, e não pode ser deixado de lado”, compara Natália.
“Ele tem uma vida feliz e de qualidade”
Quem vê o gato Sunshine caminhando, brincando e já começando a escalar os móveis não imagina que sua história é marcada por cirurgias, tratamentos e muita fisioterapia. O felino foi resgatado em abril de 2014, com dois meses de vida e uma lesão na coluna, sem os movimentos das patas traseiras com problemas para urinar. Durante a recuperação, custeada com doações, a protetora Ana Paula Salla foi seu lar temporário. Embora a foto de Sunshine tenha feito sucesso nas redes sociais, as sequelas afastaram os possíveis adotantes. Ana Paula – que já tem outros dois cães – apegou-se ao gatinho e o adotou. “Muitos disseram que seria melhor eutanasiar, que ele não sobreviveria nem à cirurgia. Dei uma chance a ele e tenho consciência de que ele tem uma vida feliz e de qualidade”, argumenta.
Há três anos, Ana Paula milita pela causa animal e lamenta que pets com necessidades especiais sejam adotados, em sua maioria, apenas por veterinários ou protetores. “É uma questão cultural. As pessoas querem um bicho perfeito. O Sunshine sofreu muito preconceito, além de ser vira-lata, pelas dificuldades para caminhar e urinar. Mas ele é igual a um gato normal; não dá trabalho. É um gato que seria fácil de adotar”, observa. Além das constantes consultas e sessões de fisioterapia, a única responsabilidade de Ana Paula é apertar a bexiga do gatinho para que ele possa urinar. “Não é nada nojento ou difícil”, explica ela, que tem o dia a dia comum à maioria pessoas, trabalhando fora e retornando para casa no intervalo do almoço e ao final do dia. “Eu encaixo ele na minha rotina”, resume.
“A única coisa que eles querem em troca é amor”
Quando Sheron Biasin leva Maia, Dandi e Brisa para passear, Dandi é a primeira a correr ao ver outro animal ou para brincar com quem passa. Quem observa a cena não diz que ela não é feliz, e o fato de não ter as patas traseiras e usar cadeira de rodas não é um problema. Ela tem cinco anos e está com Sheron desde os quatro meses. Aos dois anos, teve uma hérnia e passou por cirurgias e tratamentos. O problema avançou e, há um ano e oito meses, teve paralisia das patas traseiras. “A gente fez de tudo para salvá-la. Nunca passou pela minha cabeça abandoná-la. Se ela veio para mim, foi por um propósito, que seria cuidar dela”, conta Sheron, que também é dona da gata Buba.
No início, a família relutou em usar cadeira de rodas, pois esperava que ela voltasse a andar. Dandi começou a mutilar as patas e a amputação foi necessária. “No dia em que a coloquei na cadeira, ela saiu correndo, feliz da vida”, lembra. A nova condição de Dandi impôs limitações na rotina da família. “Tenho trabalho em dobro, mas nada que não consiga adaptar”, destaca. Mesmo com a chegada do filho, hoje com dois anos, Sheron não abandonou os cuidados com Dandi, mas ouviu críticas pelo alto custo dos procedimentos e tratamentos. “A gente realmente gastou muito, mas valeu a pena”, pontua.
Em casa, Dandi veste uma roupa especial, para dar mais mobilidade. Uma rampa e uma escadinha a ajudam a subir no sofá e na cama – onde dorme com os donos. “Ela é uma sapeca”, garante. Durante sete anos, Sheron atuou como voluntária na proteção animal. “A gente se sente bem fazendo isso, se sente importante. Os animais vivem o dia, não sofrem com antecedência. A única coisa que eles querem em troca é amor”, finaliza.
“Bichinhos são especiais com quatro ou menos patas”
Ao contrário daqueles que tem receio de adotar um animal especial, Mara Schwieder viu na cadela Kiara a oportunidade de ensinar o filho Erik, de sete anos, a conviver com as diferenças. Kiara foi resgatada com uma das patinhas dianteiras machucada e precisou de amputação. A deficiência e o fato de sua aparência lembrar um pitbull – raça que sofre preconceito pela associação com a violência – dificultaram a busca por adotantes e sua foto era constantemente compartilhada nas redes sociais. Erik, há tempos, queria um bichinho de estimação, mas Mara relutava, pensando nos gastos e no trabalho. “A princípio, como a maioria das pessoas, queríamos um filhote de porte pequeno, mas a Kiara nos ganhou só pelas fotos”, relata. Diferentemente de Ana Paula e Sheron, Mara, embora admire o trabalho, nunca foi voluntária da causa animal. “Foi um caso de amor à primeira vista”, relata.
No dia anterior à entrevista da adoção, Erik decidiu que precisava dar um presente para a futura amiga. Depois de um tempo pensando, desenhou uma pata em um pedaço de papel. “As crianças são muito puras. Fiquei emocionada”, lembra. A adaptação ao novo lar foi tranquila e, hoje, dois meses depois, o convívio mostra que a decisão de adotá-la foi acertada. A falta de uma pata não é problema para a cadela, que brinca normalmente. “É como se a Kiara tivesse nascido conosco. O Erik é apaixonado por ela e o amor que ela nos passa é incrível. Parece que reconhece que realmente queríamos lhe fazer o bem, e ganhamos isso de volta. Bichinhos são especiais, com quatro ou menos patas”, conclui.
(Fotos: Jorge Bronzato Jr, aquivo pessoal e Carina Furlanetto)