Apenados recebem tratamento para dependência

Detentos que cumprem pena no Presídio Estadual de Bento Gonçalves contam com um grupo para tratamento de dependência química. A iniciativa foi criada após solicitação dos próprios apenados, há um ano e quatro meses. Mas, apesar da oportunidade, apenas 13 pessoas participam dos trabalhos. O número pequeno de participantes, segundo a direção da penitenciária, pode ser justificado pela falta de espaço físico para realizar as atividades, o que limita a quantidade de vagas oferecidas.

A adesão ao programa é feita de forma voluntária ou através de determinação judicial. Os encontros acontecem três vezes por semana e discutem temas como dependência química, espiritualidade, vínculos familiares e afetivos, valores pessoais, integração e reinserção na comunidade, oportunidades no mercado de trabalho e responsabilidade. Os participantes ainda criam peças de artesanato como forma de terapia. “Esse trabalho dá suporte para o tratamento do apenado, que posteriormente será reintegrado à sociedade e poderá buscar novo tratamento quando estiver em liberdade. Mas o mais importante é que não existam drogas dentro do presídio”, destaca o diretor, Volnei Zago. A ausência de entorpecentes, na análise dele, se dá em função da revista realizada nos visitantes. “É um trabalho conjunto no qual todos os setores atuam com um mesmo foco e direcionamento, que engloba, além do grupo, a segurança, a guarda e as minuciosas revistas pessoais, que inibem a possibilidade de entrada de drogas ou objetos ilícitos no presídio”, explica.

A coordenação do grupo fica a cargo da assistente social Márcia Allegretti. “Somente duas pessoas desistiram do tratamento até hoje. Alguns apenados também fazem acompanhamento clínico e medicamentoso no Caps-ad [Centro de Atendimento Psicossocial especializado em Álcool e Drogas], conforme determinação judicial”, explica. Para a coordenadora do programa, a etapa mais importante no processo é a valorização enquanto sujeito capaz. “O grupo aborda as questões da dependência fora do presídio, buscando a conscientização do apenado na questão pessoal dele e enfatizando que isso pode contribuir para o cometimento de crimes. É importante também demostrar que os vínculos afetivos e familiares são rompidos pelo envolvimento com as drogas. E que somente com o esforço deles, esse quadro pode ser revertido”, destaca.


Nova perspectiva

Preso desde 2004 pela prática de pequenos furtos e extorsão, J. S., de 27 anos de idade, foi um dos apenados que solicitou a implantação do tratamento dentro da penitenciária. Condenado há 11 anos, ele conta que cometeu os crimes para sustentar o vício. A curiosidade foi que o levou a usar droga pela primeira vez, quando tinha cerca de 16 anos de idade. “Eu tinha uma vida boa. Meus pais tinham um pequeno estabelecimento e eu até ajudava, mas depois que comecei a usar drogas perdi o controle. Comecei usando maconha, depois cocaína, até chegar ao crack. Foi tudo muito rápido. O que eu havia conquistado trabalhando, eu gastava para comprar drogas. Cheguei até a vender objetos, como roupas, por preços bem baixos”, relata. Sem dinheiro para comprar os entorpecentes, J. passou a cometer pequenos furtos no comércio. “Com 18 anos eu fui preso pela primeira vez. Mesmo após ter saído, não parei com os crimes. Somando-se todas as penas, fui condenado a 11 anos de reclusão”, descreve.

Foi justamente dentro da penitenciária que surgiu a ideia de solicitar a implantação de um grupo para atendimento de dependentes químicos. O diálogo inicial foi com o presidente do Conselho Comunitário das Execuções Penais, José Ernesto Morgan Oro, que mobilizou órgãos de segurança para viabilizar o grupo. “Sempre pensei que fosse difícil para quem está preso conseguir sair do vício sozinho. Por mais que queiramos deixar a loucura da droga, nos sentimos fracos e vulneráveis e precisamos de ajuda”, detalha. A participação no projeto do presídio foi a primeira ajuda que J. recebeu desde que se tornou usuário. “No grupo, passei a ver que tenho uma doença. Quando eu estava livre, via a dependência como algo que eu queria. A droga faz com que a pessoa pense diferente e perca a razão, deixando de dar valor ao que realmente tem importância. Hoje, quando lembro o que passei e minhas atitudes, sinto-me mal”, comenta.

J. participa do tratamento no presídio desde o início e diz que se sente valorizado. “O grupo tem um grande valor pra mim. Sabemos que temos o mesmo problema e com a base que recebemos, tiramos força, o que nos possibilita mudar o pensamento e modificar nossa vida. Hoje vejo o quanto a família é importante.” Após o cumprimento da pena e o término do tratamento, ele sonha em realizar um curso de cabeleireiro e voltar a ter uma vida normal. “Das outras vezes que saí em liberdade, sempre tinha inúmeros planos, mas nunca consegui cumprí-los. Hoje estou vivendo em etapas. Quero primeiro conseguir minha liberdade e depois fazer um curso de cabeleireiro e continuar compondo”, enfatiza, referindo-se a músicas de rap de sua autoria que abordam o mundo das drogas e os males que elas provocam.


Dados estatísticos*

População carcerária do regime fechado

Homens: 199

Mulheres: 16

Grau de instrução

Ensino Fundamental: 172, sendo 42 que possuem de 1ª a 4ª série e 130 que cursaram entre 5ª e 8ª série

Ensino Médio: 40

Ensino Superior incompleto: 2

Ensino Superior completo: 1 

Faixa etária

18 a 24 anos: 37

25 a 29 anos: 59

30 a 34 anos: 59

35 a 45 anos: 41

Mais de 60 anos: 19

*Levantamento realizado até o dia 26 de junho

Reportagem: Katiane Cardoso

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