Após relatos em Bento, especialistas esclarecem efeitos colaterais da vacina AstraZeneca

Efeitos colaterais são comuns em vacinas contra diferentes tipos de enfermidade. Esse, inclusive, é um dos motivos que levam muitas pessoas a optarem por não se vacinar. Quando o assunto é a imunização contra a COVID-19, entretanto, o receio parece ter tomado proporções ainda maiores. Isso porque há diversos imunizantes já sendo aplicados na maioria dos países, que se diferem em relação à técnica e à tecnologia utilizada para sua fabricação. Além disso, a rapidez com que as vacinas foram fabricadas têm deixado a comunidade científica e a sociedade em geral em alerta para qualquer tipo de reação adversa. 

Nas últimas semanas, por exemplo, alguns países da Europa suspenderam a aplicação da vacina da AstraZeneca, produzida em parceria com a Universidade de Oxford, pela suspeita de que o imunizante estaria causando episódios de trombose. Conforme explicado pela infectologista do Hospital Tacchini, Nicole Golin, a European Medicines Agency (EMA), agência regulatória do continente europeu (equivalente à ANVISA no Brasil), passou a investigar a possível relação. “Entre as 20 milhões de pessoas vacinadas na Europa, por exemplo, os especialistas receberam 469 notificações de trombose. A partir disso e dos estudos conduzidos anteriormente, eles concluíram que o número de quadros de trombose entre os vacinados não era maior do que na população em geral. Com isso, o comitê de segurança concluiu que não há evidências de uma relação direta do imunizante ou de algum lote específico com aumento no risco geral desse problema”, esclarece. 

Mesmo com a conclusão de que a AstraZeneca não seria responsável por essas reações, muitas pessoas seguem temerosas em relação a esse imunizante pelos efeitos colaterais “esperados” que ele gera. 

Na semana passada, uma moradora de Bento Gonçalves procurou o jornal SERRANOSSA para relatar os sintomas pós-vacina. “Tive febre, mal-estar, calafrios e dor de cabeça. Outras três pessoas que conversei, que também receberam a AstraZeneca, tiveram reações parecidas”, relata. “A sensação foi horrível. E agora estou com medo da segunda dose”, continua a moradora, que tem 63 anos e foi vacinada no drive-thru da prefeitura de Bento, na Fundaparque. 

Conforme a coordenadora do setor de imunizações da prefeitura de Bento, Luiza Do Rosário, todas as informações repassadas à secretaria de Saúde dizem respeito a reações adversas esperadas – que se enquadram naquelas descritas pela moradora. “Nenhum caso com reação grave foi notificado até o momento. Tivemos dois pacientes que já procuraram a UPA com alguns sintomas, mas serão acompanhados”, informa. Ainda segundo Luiza, as reações são esperadas até 72h após a aplicação da vacina. “Passando das 72h aí sim a gente indica uma consulta médica, para ver se é mesmo reação da vacina”, complementa. 

Em relação à CoronaVac, o número de relatos de efeitos colaterais é menor. Conforme o setor de imunizações, no caso desse imunizante é comum apenas dor local e vermelhidão. 


Foto: Gustavo Mansur / Palácio Piratini / Arquivo

Por que há reações diferentes entre as vacinas?

A Infectologista Nicole Golin explica que a CoronaVac é feita a partir do vírus inativado. “Ele é cultivado e multiplicado numa cultura de células e depois inativado. Ou seja, o corpo recebe a vacina com o vírus (já inativado) e começa a gerar os anticorpos necessários no combate da doença. As células que dão início à resposta imune encontram os vírus inativados e os capturam, ativando as defesas do organismo, que passam a produzir os anticorpos necessários, impedindo que o vírus infecte células saudáveis”, detalha. 

Por outro lado, a vacina produzida pela AstraZeneca utiliza uma tecnologia chamada “vetor viral não replicante”, na qual é utilizado um vírus inofensivo, como é o caso do adenovírus (causador do resfriado comum), que não tem capacidade de se replicar no organismo humano ou prejudicar a saúde. Esse é o motivo pelo qual muitas pessoas têm apresentado sintomas comuns como febre, dor no corpo e mal-estar. “Após a vacinação, o adenovírus penetra em algumas poucas células do corpo humano. Essas células utilizam o gene para produzir a proteína Spike (espícula, ou picos, na superfície do vírus). O sistema imunológico então reconhece isso como estranho e, em resposta, produz anticorpos e células T, que idealmente protegem contra a infecção com o Coronavírus Sars-CoV-2”, explica a infectologista. 

Ainda conforme Nicole, os efeitos colaterais gerados após a vacinação podem ser a prova de que o sistema imunológico está funcionando como deveria – “embora as vacinas sejam muito eficazes mesmo sem efeitos colaterais”, pontua.

Segunda dose da AstraZeneca também provoca reações?

A coordenadora de imunizações Luiza Do Rosário ressalta que, até o momento, Bento teve cerca de quatro drive-thrus da vacinação em que a vacina da AstraZeneca foi aplicada na população. Além disso, os profissionais da saúde que receberam esse imunizante ainda não completaram o período necessário para aplicação da segunda dose. “Não temos nenhum dos vacinados que tenham recebido a segunda dose da AstraZeneca. A aplicação vai começar no fim de abril, início de maio, porque é necessário um intervalo de 90 dias”, comenta. Mesmo assim, ela acredita que os sintomas devam ser mais leves, levando em consideração que a pessoa já está com a primeira dose. 

“A gente orienta sempre que a segunda dose é muito importante, porque é cientificamente comprovado que, além de proteger contra o Coronavírus, ela vai prolongar essa proteção. Então a gente fica menos resguardado ao Coronavírus se não fizer esse reforço”, ressalta. “Inclusive nossos pacientes que não estão voltando para fazer a segunda dose de CoronaVac, a gente faz busca ativa, para que eles realmente possam ter esse esquema completo da vacinação”, continua. 

A infectologista Nicole Golin complementa a fala de Luiza, afirmando que os benefícios das vacinas superam, “em muito”, os possíveis efeitos colaterais. “Até o momento, a vacinação em massa parece realmente ser a única forma realista de sairmos dessa pandemia que já matou quase meio milhão de brasileiros”, finaliza.