As festas e as angústias de fim de ano

Uma das características mais marcantes do período de festas de fim do ano é a ideia de recomeço. E, como todo recomeço, é comum que as pessoas se mantenham mais reflexivas e façam uma retrospectiva do ano. “Avaliar o alcance das metas e redefini-las, pensar sobre seu trabalho, suas relações, se houve aprendizados importantes, se aproveitaram as oportunidades ou deixaram passar, se tiveram perdas de entes queridos ou chegada de novos membros em sua vida e tentar classificar um nível de satisfação para o ano são comportamentos comuns”, explica Lecticia Rapôso, psicóloga, mestre em psicologia clínica, especializada em mediação de conflitos, pós-graduada em Terapia de Família e em terapia Infanto-juvenil e sócia da clínica EntreSeres, de São Paulo.

Por essas razões, é possível que angústias surjam desse movimento: de quem entendeu o seu ano como ruim; ansiedade pelo próximo ano para quem não conseguiu concluir projetos importantes ou que foi surpreendido com experiências muito difíceis.

Além dessa expectativa pelo ano que chega, tem o Natal, que é visto como uma grande festa familiar, mas que, dependendo dos conflitos que a família esteja vivendo ou tenha sofrido, como divórcio difícil e traumático ou rompimento de laços afetivos, pode acabar se tornando um momento de decisões difíceis, tensão, expectativa e “saias-justas”.

A mídia também tem um papel muito poderoso nessas angústias de fim de ano. “Essa é uma época em que se vende muito fortemente a ideia de felicidade vinculada a uma estrutura familiar tipo ‘comercial de margarina’. É necessário estar feliz, realizado e rodeado de pessoas que estão em harmonia compartilhando dessas mesmas emoções, o que pode ser fonte de muita angústia para aqueles que se percebem vivendo a vida real, em que sorrisos convivem com sofrimento e dificuldades”, explica Lecticia. “O padrão veiculado pela mídia não contempla a diversidade de formas de se compor uma família atualmente, podendo gerar um sentimento de falta de pertencimento e identidade”, dispara. 

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Como amenizar as angústias
“As pessoas precisam perceber que não é porque mudou o ano que tudo na vida vai mudar também”, diz a psicóloga.  “Sem se darem conta, elas esperam que o ano novo seja melhor que o anterior, mas muitas vezes não percebem o que elas precisam fazer para que isso aconteça”, alerta. As recomendações da psicóloga para amenizar essa sensação são: analisar suas possibilidades e desejos; comprometer-se com metas viáveis; rever padrões para as festas de final de ano: o que é possível dentro da realidade da minha família? O que pode ser mais harmonioso dentro do contexto que vivo?  E, por fim, não se deixar levar pelos padrões impostos pela mídia – nenhuma rotina, relacionamento ou família é perfeito como os comerciais mostram.

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Depressão
Para muitas pessoas, o período de festas é sinônimo de tristeza e de pensamentos negativos. “O que para uns é uma época repleta de esperança, sonhos e delícias para saborear, para outros não passa de uma tormenta, um pesadelo, um peso a ser carregado. É comum inúmeros sentimentos manifestarem-se nestes meses, como alegria, tristeza, tensão, prazer e ansiedade. Portanto, é preciso que cada pessoa tenha o foco voltado para si e permaneça atenta às suas emoções, avaliando em que medida elas surtem efeito positivo ou negativo em suas vidas”, diz o psicólogo Alexandre Bez. “Neste momento, está em jogo não apenas o presente, mas toda a experiência acumulada nos anos anteriores. Alguns se sentem depressivos por não ter mais seus entes queridos, fator que desencadeia lembranças e, consequentemente, tristeza e melancolia. O ideal, neste momento, é estar cercado de pessoas de quem se gosta e aumentar a interação com elas ao máximo possível. Seja um amigo, um namorado ou um vizinho, esteja ao lado de companhias agradáveis. É importante não se afastar das comemorações, para não deixar que elas passem em branco”, orienta.

Em tempos de reflexão e “balanço” de como foi o ano, não se cobrar demais é uma das recomendações. “Surgem novas cobranças, que podem ser de ordem familiar, religiosa, profissional, pessoal, social, e até mesmo a autocobrança, resultante das metas que o indivíduo traçou e, por inúmeros motivos, não foi capaz de realizar. Todos estes fatores podem gerar uma crise. Portanto, é preciso ter cuidado com as expectativas que sempre causam reações de angústia. Em casos específicos, algumas pessoas chegam a desencadear uma fobia a essa data, que tem como mote a angústia aos compromissos festivos. Caso isso ocorra, o mais adequado é relaxar. Fazer uma caminhada, respirar ar puro e avaliar a situação da forma mais calma possível. E, sempre, fazer atividades que tragam a sensação de prazer pessoal. Há indivíduos em que o nível de ansiedade é muito alto, portanto, nestes casos o ideal é o acompanhamento médico e o uso de ansiolíticos para diminuir a ansiedade”, comenta.

“É o momento de se tentar esquecer o passado – ele existe para ser ultrapassado, como afirma Freud –, de esquecer as mágoas da infância reprimidas no inconsciente. Ponderar os aspectos positivos e negativos, meditar, acreditar que o ano que está por vir será melhor e, até mesmo, se ajustar financeiramente para participar das festas de família, da empresa e dos amigos. Estar disposto a se analisar e modificar, respeitando a própria capacidade, é fator essencial. Também vale o cuidado com a alimentação: produtos como chocolate, bebidas e café podem acentuar a ansiedade. Atente-se também para o uso sistêmico e sem acompanhamento de antidepressivos e para o álcool em excesso. Por último, um simples ato solidário pode transformar muita coisa; principalmente, para os que estão em estado depressivo”, finaliza o psicólogo.

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