Associação de advogados questiona operação da BM

Um grupo de advogados da região, representante da Associação dos Criminalistas do Rio Grande do Sul (Acriergs), está contestando a forma de como o Pelotão de Operações Especiais (POE) de Bento Gonçalves, com o apoio de servidores de Caxias do Sul, executa a “Operação Retomada”, que está em vigor desde o último dia 15 no município. Segundo a associação, a Brigada Militar (BM) está atuando de forma ilegal, realizando um trabalho de investigação e repressão que deveria ser feito pela Polícia Civil. Um encontro com representantes do Ministério Público (MP) e do Poder Judiciário será agendado com o intuito de levar a discussão da ilegalidade das ações militares. 

Para o advogado criminal Luís Roberto Tavares (foto acima), que representa a Acriergs na região da Serra, o combate ao crime é necessário, porém cada instituição deve cumprir estritamente o seu papel. “Sob o pretexto de enfrentar a criminalidade da região, a BM alardeou uma operação policial, que em linhas gerais é louvável e visa a segurança da população. Porém, o modo como está sendo feita essa operação é totalmente ilegal e inconstitucional, porque não é competência da Brigada realizar o trabalho investigativo e repressivo, que é exclusivo da polícia judiciária, ou seja, da Polícia Civil”, explica. 

O advogado lembra de um fato recente em que a BM realizou a prisão de suspeitos de tráfico, porém, no dia seguinte todos foram liberados pela Justiça. “A prisão de alguns elementos na cidade não foi homologada em juízo em virtude dessa ilegalidade, acarretando na soltura dos acusados. Não havia mandado judicial, tampouco presença de policiais civis na operação. Essa ação foi comandada por um oficial da Brigada. Isso viola a Constituição Federal, na medida que trabalho de repressão é competência exclusiva da Polícia Civil”, alega. 

Tavares diz que é grave o ingresso de policiais nas residências das pessoas sem mandado judicial. “Estão alegando que existe uma situação de flagrante nas redondezas, usando isso como subsídio para entrar nas residências dos suspeitos e fazer buscas, prisões indevidas que não têm embasamento para serem feitas”, disse. O advogado ainda denuncia a complacência de alguns delegados do município. “Chama a atenção que alguns delegados de polícia – não todos – estão dando respaldo a essas operações. Isso vai contra a Associação de Delegados de Polícia, entidade que os representa, que é totalmente contrária a esse tipo de ação e até combate isso”, alertou. 

Tavares fez questão de lembrar que os advogados criminalistas não são contra as operações, mas à forma como elas vêm sendo exercidas. “O que tem acontecido é que estão pegando investigações passadas e colocando nos autos de prisão em flagrante como forma de mostrar de que existia já uma investigação, que a pessoa já era suspeita, ou que existia uma série de denúncias contra ela como forma de sustentar essa operação da BM. Só que isso não pode servir como embasamento”, salienta. 


Nota da OAB

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB Subseção Bento Gonçalves), através de seu presidente, Felipe Possamai, alega que o trabalho da Brigada Militar é uma resposta à comunidade, que clamava por mais segurança. “A posição da OAB é de uma boa relação com as demais instituições, entre as quais a Brigada Militar, a qual, no desempenho de suas funções, está agindo em defesa da sociedade, e atuando na segurança pública como resposta para a solicitação da própria comunidade, que recentemente pediu providências neste sentido”, afirma Possamai. 

Quanto ao questionamento da Acriergs, a entidade diz entender a situação, mas lembra que, em caso de ilegalidade, o Poder Judiciário certamente tomará as decisões mais corretas. “Evidentemente que os advogados, enquanto defensores da legalidade, devem pautar sua conduta pela defesa das garantias processuais de seus clientes, em qualquer tipo de processo. Assim, entendemos que a atuação da BM visa a segurança da população, e as supostas ilegalidades, se existirem, serão devidamente observadas pelo Judiciário, no processo que se segue a qualquer prisão”, argumenta o presidente.


O que dizem o MP e o Judiciário

Procurado pelo SERRANOSSA, o promotor Gilson Borguedulff Medeiros diz que a ausência de dados específicos (datas, locais, nomes dos envolvidos e descrição minudentes das condutas) impede que o assunto possa ser encaminhado para a Promotoria de Justiça Militar, inclusive para o exame de eventuais excessos. “De outra parte, não recebi, ainda, reclamação escrita, assinada pelos responsáveis, acompanhada de dados objetivos e provas, para encaminhamento, na melhor forma do direito. Eventuais irregularidades decorrentes de prisões são discutidas no âmbito do processo penal, diante dos princípios a que está submetido”, relata. O promotor informou ainda que disponibilizou horário para atendimento no dia 2 de setembro, mas que não houve interesse por parte do representante da Acriegrs. “O Ministério Público sempre estará à disposição da Ordem dos Advogados do Brasil, entidades, advogados e cidadãos, para reclamações fundamentadas e provadas, na forma da lei”, garante.

Para a juíza da 1ª Vara Criminal, Fernanda Ghiringhelli de Azevedo, o fato de alguém preso em flagrante ter sido liberado não é sinônimo de ilegalidade. “Os autos de prisão em flagrante sempre são encaminhados ao Poder Judiciário para homologação. Caso se trate de prisão ilegal, o juiz não homologa o flagrante, e determina o relaxamento da prisão. No caso das prisões em flagrante efetuadas pela BM, os autos de prisão em flagrante que analisei foram homologados, não tendo sido constatada, portanto, ilegalidade nas prisões. Não tenho conhecimento se algum auto de prisão em flagrante analisado por outro magistrado, referente às prisões realizadas recentemente pela BM, deixou de ser homologado”, disse, por e-mail. “O fato de as pessoas presas em flagrante serem soltas, após a homologação do auto de prisão em flagrante, não diz respeito à ilegalidade da prisão, e sim à ausência dos requisitos da prisão preventiva; nesse caso, o flagrado irá responder ao inquérito policial e ao processo criminal em liberdade, o que é a regra geral, pois a prisão antes de uma condenação definitiva, de acordo com o Código de Processo Penal, é exceção”, garante a juíza.

A visão da Brigada Militar

Para o comandante do 3° Batalhão de Policiamento em Áreas Turísticas (3° Bpat), major José Paulo Marinho, as acusações são indevidas. “Todas as prisões que realizamos nos últimos dias em Bento Gonçalves são oriundas de flagrante ou perseguições. A BM trabalha com o princípio da legalidade”, alegou. O major se mostrou surpreso com as denúncias e afirma que gostaria que o assunto fosse debatido amplamente na imprensa e que a população participasse da discussão. “Estamos fazendo o melhor, montamos uma grande estrutura de policiamento e, até agora, prendemos apenas em situação de flagrante e/ou perseguição. Garanto que estamos agindo de forma legal, em benefício de toda a comunidade”, diz, categórico. “Talvez esse profissional tenha desconhecimento e deveria analisar mais profundamente o significado de Ordem Pública e Policiamento Ostensivo e as formas de aplicabilidade. Respeitamos profundamente o trabalho investigatório da Polícia Civil, somos parceiros e jamais iríamos interferir no trabalho da Polícia Civil. O que fizemos, até agora, foram ações de competência e responsabilidade da BM, sempre pautada pelo princípio da legalidade e respeito aos direitos humanos”, declarou. Marinho informa que está sendo agendada uma reunião com os comerciantes da cidade, através da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), para passar os resultados da “Operação Retomada”, uma ação que foi colocada em prática após cobranças por mais segurança pública feita pelos comerciantes do município.

Reportagem: Jonathan Zanotto


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