Associações de reciclagem: repasses sem critério

Mesmo com diferença no volume de lixo reciclado, custos com aluguéis e número de funcionários, as associações de reciclagem de Bento Gonçalves continuarão a receber da prefeitura em 2012 o mesmo valor de auxílio repassado nos últimos dois anos: R$ 4 mil mensais. Entretanto, o valor, empregado para custeio de despesas diversas, poderá ser reajustado para o próximo ano. Ao menos é o que deve propor uma comissão criada para reavaliar o repasse e estabelecer critérios a serem seguidos para fixação do valor destinado para cada entidade. 

A ausência de critérios no repasse para as associações foi tema de reunião do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), realizada na última sexta-feira, dia 24. O presidente do órgão, Gilnei Rigotto, que também é membro da Associação Ativista Ecológica (Aaeco), tentou convencer os conselheiros a regrar o auxílio ainda neste ano, mas não conseguiu levar a proposta adiante. Desde que assumiu a titularidade do Comdema, no final do ano passado, Rigotto se propôs a investigar os valores repassados às recicladoras. A decisão surgiu após denúncias recebidas. A principal delas é de que em algumas associações os presidentes não estariam dividindo igualmente o lucro entre os associados, mas pagando por dia trabalhado.

Foi então que Rigotto passou a analisar a documentação referente a cada entidade.  “Há pontos que devem ser questionados”, denuncia. As recicladoras começaram a receber auxílio do Poder Público na administração do prefeito Alcindo Gabrielli (2005-2008). Na época, o valor repassado era de R$ 450 mensais. O aumento do valor aconteceu na atual administração – sendo que no primeiro ano do governo de Roberto Lunelli o repasse passou a ser de R$ 3 mil e aumentou para R$ 4 mil posteriormente. O crescimento expressivo chamou a atenção e, para Rigotto, pode ter finalidade política.

Pressão das recicladoras

Após analisar a documentação das recicladoras, o presidente do Comdema tomou a decisão de tentar reduzir o valor de algumas entidades, fazendo com que o repasse seja proporcional às atividades desempenhadas. A informação de que o auxílio seria reduzido chegou até os membros das associações de reciclagem, que, para pressionar o conselho a mantê-lo, compareceram na reunião da última semana. Durante o encontro, os ânimos estiveram bastante exaltados, principalmente por parte dos presidentes das recicladoras.

Embora tivesse mais argumentos para expor durante a reunião, Rigotto conseguiu apenas discorrer sobre a disparidade entre os valores pedidos no quesito alimentação. “Tem entidade com 21 associados que gasta R$ 500 mensalmente. Como pode, então, outra entidade com 12 associados gastar R$ 1,4 mil?”, questiona. O assunto gerou intenso debate entre os presentes. A intenção do presidente era padronizar, fazendo com que todos recebessem R$ 500 no item alimentação. “Estou sendo matemático. Não estou questionando a importância das associações para o município. Quero estabelecer critérios em função de ter recebido uma série de denúncias”, argumenta Rigotto, ao explicar a intenção de reduzir os valores.

Entretanto, a maioria dos conselheiros discordou, alegando que deveria ser estabelecido um valor proporcional conforme o número de associados. A proposta, porém, também não foi levada adiante, já que alguns membros do órgão alegaram não terem condições de votar a matéria por carecerem de informações mais detalhadas. Cada associado recebe mensalmente uma cesta básica, que é utilizada para a alimentação no trabalho. O valor repassado pela prefeitura é usado para comprar complementos não inclusos no benefício, como carne. 

Após intensos debates, ficou definido que o valor repassado em 2012 não sofreria nenhum reajuste, mas que o repasse deveria ser revisto, bem como a necessidade de estabelecimento de critérios na fixação dos valores. Sendo assim, foi deliberada a criação de uma comissão para este fim. O grupo é formado pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), secretaria municipal do Meio Ambiente (Smmam), secretaria municipal de Habitação e Assistência Social (Semhas), União das Associações Comunitárias de Bairros (Uacb) e Aaeco.

Visitas surpresa

A ideia é fazer vistoria nas entidades para verificar se as informações repassadas pela Smmam são procedentes. “São visitas surpresa que devem iniciar ainda em março. O trabalho que a comissão vai desenvolver já poderia ter sido feito há muito tempo, pela própria equipe da secretaria. Lamento que os gestores tenham impedido uma discussão mais elevada para debater os problemas reais das recicladoras”, critica.

Na visão de Gilnei Rigotto, o que o Poder Público fez durante todos esses anos não foi suficiente para proporcionar o crescimento dos recicladores. “Faltou fiscalização pública, além de auxílio técnico e jurídico”, estima. Para ele, deveria estar sendo discutido no momento não apenas o auxílio financeiro, mas a importância de dar subsídio para que as associações pudessem crescer ao longo dos anos, investindo, por exemplo, na compra de maquinário.  “Não podemos apenas dar o peixe, temos que ensinar a pescar”, observa. 

Além disso, Rigotto critica também a disparidade entre as associações. “Algumas entidades possuem caminhão próprio para recolher papelão. É injusto com as demais”. A questão já foi denunciada diversas vezes pelo SERRANOSSA, sendo a mais recente em janeiro deste ano. A prefeitura havia dado um ultimato para que a prática ocorresse apenas até junho do ano passado. Porém, até hoje é possível verificar os caminhões, tanto das recicladoras como de atravessadores clandestino, circulando pelas ruas do município, recolhendo material, sobretudo, nas lojas da área central. 

A única associação de reciclagem que ainda não teve pedido de auxílio confirmado foi a Associação de Recicladores de Materiais Eletrônicos e Elétricos de Bento Gonçalves. Montada no ano passado, a entidade nunca recebeu auxílio da prefeitura. Por isso, o pedido para este ano tem o objetivo também de repor os valores para quitar dívidas com aluguel. Entretanto, o pedido foi indeferido na última reunião do Comdema. Segundo orientação da Procuradoria-Geral do Município, o valor não pode ser repassado, pois o pavilhão onde a recicladora está instalada não tem habite-se e alvarás de funcionamento. A medida visa evitar possível apontamento do Tribunal de Contas do Estado (TCE). A entidade deve reapresentar o projeto de auxílio em 60 dias. Este é o tempo que a associação tem para buscar um novo espaço que atenda as exigências legais.

Comissão vai investigar denúncias

A comissão criada para fiscalizar o trabalho das associações de reciclagem também vai investigar denúncias recebidas. Antes mesmo de iniciar as visita surpresa aos pavilhões, algumas irregularidades já puderam ser constatadas apenas analisando a documentação fornecida pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smmam). Pelo mero cruzamento dos dados, o presidente do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Comdema), Gilnei Rigotto, verificou irregularidade no pedido para o aluguel de uma das associações. “A cópia do contrato de aluguel fornecida aponta que o aluguel do pavilhão é de R$ 1 mil mensais. Entretanto, no projeto de pedido de auxílio a entidade declara que o valor do aluguel é de R$ 2 mil”, comenta.

Outras denúncias poderão ser investigadas nas visitas aos pavilhões. Junto com a possível irregularidade de não dividir igualmente entre os associados os lucros com a venda do material, Rigotto também recebeu informações sobre possível desvio de ranchos por parte dos presidentes das entidades. Esta semana ele foi informado ainda que algumas associações estariam recusando receber caminhões de determinados locais em alguns dias da semana, por alegar que o lixo não seria de boa qualidade. Além disso, também houve denúncia de que algumas estariam tentando vender maquinário para quitar dívidas.

Carina Furlanetto

 

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