Atendimentos por violência sexual têm aumento superior a 200% em Bento

Campanha “Maio Laranja” tem como objetivo combater esse crime e fortalecer as ações de proteção às crianças e aos adolescentes no município e em todo país

Município conta com rede de proteção para atendimento das vítimas. Foto: Eduarda Bucco

Neste ano, a campanha nacional “Maio Laranja” terá uma importância ainda maior em Bento Gonçalves. A iniciativa visa combater o abuso e a exploração sexual infantil no Brasil. Dados apresentados pelo Comitê Municipal de Enfrentamento das Violências Contra Crianças e Adolescentes na última sexta-feira, 06/05, apontam um aumento de
205% nos atendimentos do Conselho Tutelar, envolvendo violência sexual. Foram 110 registros em 2021, contra 36 em 2020. De modo geral, esse tipo de violência representou 41% do total de atendimentos realizados em 2021 pelo órgão. “Houve um aumento nas denúncias por conta das campanhas e do fortalecimento da rede de apoio em Bento Gonçalves e também teve a questão da pandemia. As crianças ficaram muito tempo afastadas dos serviços, como as próprias escolas, que acabam sendo os grandes responsáveis pela constatação da violência e pela realização das denúncias”, comenta a conselheira Gabriela Ferreira, em relação ao aumento dos atendimentos.

Conforme o Conselho Tutelar, na grande maioria dos casos os agressores são pessoas do convívio da criança, como pais, avós, tios e vizinhos. Dados relativos aos depoimentos especiais realizados nas comarcas do Tribunal de Justiça do RS apontam que, em 2021, 26,03% dos acusados eram conhecidos sem vínculo com a família; 19,95% eram padrastos; e 16,85% eram pais. “Mas vale ressaltar que as vítimas não são apenas meninas. A violência sexual também acontece com meninos. Às vezes a própria mãe é a agressora”, ressalta a conselheira Simone Lunelli.

No âmbito de Bento Gonçalves, em 2021 foram 77 boletins de ocorrência registrados pela Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (DEAM), a qual também tem como foco o atendimento de crianças e adolescentes. O número
menor que aquele registrado pelo Conselho Tutelar é justificado pela tipificação dos casos. “Nem toda denúncia é crime. Também trabalhamos com suspeitas. Qualquer atitude estranha deve ser denunciada. Até porque, se a pessoa não denunciar, ela pode responder por conivência com a violência”, ressalta Gabriela.

Rede de proteção

O comitê municipal de Bento Gonçalves foi instituído em 2018, pelo decreto nº 9.841, composto pelas secretarias de Educação, Saúde, Esportes e Desenvolvimento Social e Segurança; pela Brigada Militar; Conselho Municipal dos Direitos da Criança e Adolescente – COMDICA; Delegacia Especializada de Atendimento a Mulher – DEAM; Conselho Tutelar; Centro REVIVI; 16ª Coordenadoria de Educação e Juizado da Infância e da Juventude.

Além de pensar e executar ações relacionadas ao enfrentamento de todas as formas de violência contra crianças e adolescentes, o comitê também é responsável pelo fluxo de atendimento e proteção das vítimas. Dependendo de quando ocorreu a violência (em menos de 72 horas ou mais), o encaminhamento varia, tendo em vista a necessidade do atendimento médico. Para as violências sexuais, os atendimentos foram centralizados no Centro de Referência Materno Infantil (CRMI), onde há psicólogo, pediatra, assistente social e outros profissionais necessários.

Já as violências físicas podem ser atendidas nas unidades básicas dos bairros. Em 2021, 100 crianças e adolescentes foram encaminhados ao atendimento em saúde por registro de violência sexual. “Estamos solicitando um decreto municipal para oficializar esse fluxo de atendimento, e o prefeito [Diogo Siqueira] já se mostrou favorável”, conta Gabriela.

Mesmo havendo um fluxo interno no comitê, para a comunidade em geral a denúncia pode ser feita de diferentes formas, seja por meio do Conselho Tutelar ou do Disque 100. Em ambas as formas, a denúncia é estritamente sigilosa e pode ser feita no anonimato. “O importante é fazer a denúncia completa, com endereço, nome da família e da criança. Precisamos do mínimo de informações para averiguar a situação”, ressalta a conselheira Simone.

Já a conselheira Silvana Teresinha Lima frisa que toda a sociedade deve estar vigilante quanto a possíveis comportamentos estranhos das crianças. “Não é normal uma criança falar sobre atos sexuais. Ela pode estar sofrendo formas diversas de violência, como ser exposta a filmes pornográficos. A sociedade precisa estar alerta”, pontua.

Conselheiras Gabriela Ferreira, Simone Lunelli e Silvana de Lima. Foto: Eduarda Bucco

O papel do Conselho

O Conselho Tutelar tem a responsabilidade de zelar pelos direitos das crianças e dos adolescentes e remeter as denúncias e situações recebidas aos órgãos competentes. Entretanto, o papel de investigação é estritamente da Polícia Civil e da Justiça. “As informações chegam até nós, nós não procuramos elas. E fazemos os encaminhamentos necessários. Quem irá investigar se houve crime, ou não, é a polícia. E o único órgão que tem o poder de tirar uma criança do convívio familiar é o juiz, com base nas informações coletadas e fornecidas pela rede de apoio”, frisa a conselheira Simone. “Nós trabalhamos com base no Estatuto da Criança e do Adolescente”, complementa.

Outra legislação que embasa os trabalhos da rede é a 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. A lei também estabelece a escuta especializada e o depoimento especial. “Eu só vou escutar o que a criança quiser me relatar espontaneamente. Não posso questionar, a fim de não ‘revitimizar’ as crianças e não causar mais sofrimento”, explica a conselheira Silvana.

O conselho trabalha com um sistema informatizado de informações, o SIPIA, o qual conversa com todos os demais órgãos integrantes da rede de proteção. O sistema entrou em funcionamento em maio de 2021 e, em um ano de funcionamento, teve 1.314 registros de atendimentos. “Isso engloba violências e negligências de todos os tipos. Desde a falta de atendimento médico, da realização das vacinas obrigatórias e da frequência na escola, por exemplo. São números altos. Precisamos seguir avançando”, frisa Simone.

Maio Laranja

O ponto alto da campanha nacional é o dia 18 de maio, considerado o Dia Nacional de Enfrentamento e Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Em Bento Gonçalves será realizada uma ação alusiva à data na Via Del Vino, no Centro, a fim de ressaltar as leis que protegem os menores e os canais de denúncia. “A família é principal órgão protetor das crianças. Depois a sociedade. Então cabe ao vizinho, à escola, ao médico fazer a denúncia,
zelar por elas”, frisa Simone.

A conselheira Silvana também reforça que é preciso ficar alerta aos ensinamentos e à criação dada às crianças desde as primeiras fases de sua vida. “O cérebro de uma criança é formado nos primeiros anos. Não podemos avançar etapas ao falar sobre namoro a uma criança, por exemplo. Criança não namora, ela brinca”, reflete. “E também não temos crianças difíceis, temos pais complicados que não tiram o tempo adequado para dar aos pequenos. Eles precisam de carinho, atenção e amor. Os pais precisam participar. Precisa também haver uma rede interna de proteção, dentro das casas. Assim é possível formar um adulto mais seguro e confiante de si”, finaliza.