Audiovisual: Serra é cenário atrativo

A divulgação das paisagens da Serra Gaúcha já não se restringe a revistas de turismo nos últimos anos. Desde 1995, quando o filme “O Quatrilho” lançou os Caminhos de Pedra como cenário no cinema, a região tem sido buscada com frequência para ser pano de fundo de diversas produções audiovisuais, incluindo documentários, séries e programas de televisão, curta-metragens de ficção, longas contemporâneos e de época.

Em meio à gravação de diversos filmes de menor duração por produtoras da região, o ator global e diretor Selton Mello anunciou em agosto do ano passado que rodará um filme em diversas cidades serranas, entre as quais Bento Gonçalves. “Foi um namoro ao vivo de tudo o que estávamos sonhando”, falou o artista, durante a escolha das locações para “O filme da minha vida”. A expectativa é de projeção nacional e de indicação a prêmios, inclusive fora do país. 

A peculiaridade da cultura local e as paisagens do interior são citadas como principais fatores que despertam o interesse das produtoras cinematográficas pela região, além de uma estrutura de apoio já preparada – fruto, principalmente, do Bento Film Commission, pioneiro no Estado na busca de captação de obras audiovisuais. “Oferecemos atenção, as pessoas se sentem em casa”, exalta a secretária-adjunta de Turismo, Fabiane Capellaro. 

O marketing gratuito gerado com as obras é unanimidade entre as lideranças locais. Segundo Fabiane, Bento contabilizou um milhão de turistas em 2014, número que vem crescendo também graças a esse tipo de divulgação. “‘O Quatrilho’ fez com que uma cantina pequena passasse a trabalhar forte o turismo. Vinte anos depois, as pessoas ainda vão lá com o filme como referência”, diz a secretária. Ela garante que já há curiosos sobre “O filme da minha vida” e que os cenários devem virar pontos turísticos após o lançamento. Um vagão da Maria Fumaça está sendo restaurado e uma das estações férreas passará por manutenção para receber cenas importantes, conforme Fabiane. 

Ivane Fávero, secretária de Turismo de Garibaldi, era a titular da pasta em Bento quando o Film Commission foi criado e assegura que nada impacta tanto o turismo como o cinema. “Os filmes fazem um local desconhecido se tornar conhecido”, resume. A Nova Zelândia e a Escócia tiveram crescimento de 300% no número de turistas após “O Senhor dos Anéis” e “Coração Valente”, respectivamente. O filme “Sideways”, que apresenta a região vinícola da Califórnia, promoveu um crescimento de 30% de faturamento para restaurantes locais.  “A repercussão é desde a pré até a pós-produção. Além dos cenários, os artistas têm uma força de atração muito grande”, completa Ivane. Nos últimos anos, Garibaldi, que também conta com seu Film Commission, foi cenário para os longa-metragens nacionais “Senhores da Guerra” e “Beleza”.

Além do filme gravado por Selton Mello, a expectativa sobre a projeção da Serra nas produções audiovisuais fica por conta da próxima novela das 18h da Globo. Com previsão de estreia para o segundo semestre deste ano, “Encontro Marcado” terá cerca de 60 capítulos gravados em Bento e deve abordar, entre outros assuntos, o mundo do vinho. “Ainda somos pouco conhecidos como destino enoturístico. Queremos que o Brasil descubra nosso potencial”, finaliza Ivane. 


Opinião de cineasta

Natural de Carlos Barbosa, Boca Migotto é hoje professor e coordenador-adjunto do curso de Realização Audiovisual na Unisinos. De 2008 até agora, ele soma mais de dez trabalhos filmados na região. O cineasta defende, primordialmente, a preservação da cultura local. “É por isso que vejo tanta importância em realizar documentários na Serra e, também, em capacitar jovens locais para que façam também seus filmes, contem as histórias dos seus avós, documentem um vizinho que tem histórias para contar, enfim, que através do registro audiovisual se consiga preservar o pouco que ainda resta da nossa cultura. Isso serve para que possamos deixar um pouco da nossa história para as próximas gerações”, explica. 

Migotto ressalta ainda a importância da memória para o turismo e a economia. Além de divulgar os cenários, uma produção cinematográfica promove uma cadeia de consumo, demandando hotéis, supermercados, transporte, serviços, entre outras necessidades da cidade que a sedia. 

Ele aponta, no entanto, uma disparidade entre o crescimento financeiro e cultural na região. “A gente vê pessoas com muito dinheiro nas cidades da região sem o menor interesse cultural, seja pela cultura universal ou local. Os empresários da região, na maioria, pensam apenas em capitalizar ainda mais suas empresas, mas quase nada ou muito pouco investem em políticas de preservação da sua história, das próprias empresas e da cidade. Os jovens seguem influenciados por isso e trabalham muito para manter um status. Falta refletir sobre o que realmente é importante”, analisa.


“O filme da minha vida”: quase 500 pessoas participam de seleção

Em apenas dois dias, 497 pessoas participaram da pré-seleção de atores e figurantes para “O filme da minha vida”. A secretária-adjunta de Turismo, Fabiane Capellaro, revela que vários papéis importantes serão interpretados por moradores da região e que o ator principal também será um profissional do Estado (Selton Mello, além de diretor, será coadjuvante). As gravações serão entre abril e maio. 

A pluralidade era grande na fila para a seleção: jovens, atores experientes e até famílias. Moradora de Bento, Lilian Picoloto, de 16 anos, estava ansiosa com a oportunidade. Já fez curso de teatro, cinema e trabalha como modelo. “Bento deveria ter mais ações envolvendo arte”, opina a menina. 

Jorge Volmini, de 48 anos, é ator “a vida inteira”, tem curta-metragens premiados no currículo e veio de Caxias para a seleção. Além da chance de trabalho, ele participou por ser fã de Selton Mello. “Desde ‘O auto da compadecida’ até ‘O palhaço’. Agora é continuidade”, afirma.

Últimas produções gravadas na Serra: 

“O Corpo”

Gravado pela Sofá Verde Filmes, de Porto Alegre, o curta-metragem “O Corpo” usou o distrito de São Pedro como locações em maio do ano passado. Na época, o diretor da obra, Lucas Cassales, afirmou que a geografia da região se encaixou perfeitamente com o roteiro do filme. “Encontramos as locações que precisávamos, com locais de área verde, pontos isolados e uma estrutura ideal para a equipe”, afirmou. 

O cenário foi a propriedade da moradora Helena Barp. “É uma experiência diferente, pois muda um pouco nossa rotina. Vai ser uma emoção e estranho ao mesmo tempo ver minha casa sendo exibida por aí”, contou ela, em meio aos quatro dias de gravação e à equipe de mais de 20 integrantes. 

Na história, elementos de suspense e cinema fantástico foram usados para retratar o amadurecimento do menino Alberto, no meio rural. O lançamento da obra aconteceu no final de janeiro, durante a 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes, em Minas Gerais. 


“Pra ficar na história”

O trabalho do garibaldense Luiz Henrique Fitarelli de preservar a cultura dos imigrantes italianos foi retratado no curta-metragem “Pra ficar na história”, filmado em julho de 2014. Exibido no último dia 31 de janeiro no programa “Curtas Gaúchos”, da RBS TV, o filme mostra o trabalho de um veterinário que larga a profissão para se dedicar ao restauro de móveis antigos e à construção de uma vila italiana, nos moldes do século 19. Com mais de oito mil objetos relacionados à colonização, o local compõe o maior acervo etnográfico sobre a imigração italiana do sul do Brasil. Além desses itens, a obra apresenta diversos outros aspectos culturais, como o idioma talian, a gastronomia e a vitivinicultura. O curta pode ser assistido pelo link: goo.gl/euv5JZ.

A porto-alegrense Epifania Filmes e o diretor Boca Migotto são responsáveis por esta e outras produções na Serra, como o documentário “Theco” (2012), sobre o único ex-soldado bento-gonçalvense vivo que participou da 2ª Guerra Mundial, Francisco Pertile; e a série “Sapore D’Itália” (2011), ficção da RBS gravada no interior de Bento e em cidades da Itália. 


“À sombra das videiras”

A vindima de 2015 será retratada em filme. Nos primeiros meses do ano, “À sombra das videiras” está sendo gravado nas linhas Paulina e Eulália pelo Núcleo Audiovisual da Faculdade Cenecista (NAC), em parceria com a Epifania Filmes e com financiamento do Fundo Municipal de Cultura. O documentário traz a uva como personagem principal, com todo o trabalho e mobilização gerados na Serra durante a safra. O ponto de vista é o do trabalhador do campo, dos produtores de uvas e dos migrantes que vêm de outros pontos do Estado e do país para se dedicar à colheita. A ideia é chegar às diferenças sociais e culturais evidenciadas no período. “É importante frisar que tínhamos muitos motivos para retratar o período da colheita da uva, em Bento Gonçalves, de uma forma poética, onde o trabalho manual, a dedicação à terra e a comercialização do produto vinho é glamourizado. Mas, diferente de tudo que costumeiramente vemos, nossa escolha foi imergir neste universo com um olhar etnográfico. Queremos sentir as alegrias, mas também as angústias”, afirma a diretora de produção, Deise Chagas.

O NAC também tem no currículo os filmes “Gigante de Ferro” (2010), sobre a ligação ferroviária entre Roca Sales e Passo Fundo; “Eu sou mais eu – Ana Mazzotti” (2011), sobre a musicista bento-gonçalvense; e “Conserta-se gaitas” (2013), que mostra o trabalho quase extinto dos profissionais residentes em Bento Gonçalves.


“Memórias do Vale dos Vinhedos”

A narração da jornada dos imigrantes saídos da Itália rumo à América é o fio condutor do documentário “Memória do Vale dos Vinhedos”. Personagens da história local, como Remy Valduga, Moysés Michelon e Décio Tasca relatam as versões contadas pelos seus antepassados sobre a colonização da região. “Muitos jovens não sabem e nem valorizam essa história. Ninguém melhor do que eles para contá-la”, afirmou Michel Marchetti da Rosa, diretor da obra, em setembro do ano passado, quando foi pré-lançada.

O filme, rico em imagens bucólicas de parreirais, foi realizado pela Triângulo da Produção Visual e dirigido pela Alba Arte. O lançamento foi na última semana, dentro da programação do Bento em Vindima. Assista pelo link: goo.gl/V5ib0Q.

Reportagem: Priscila Pilletti


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