Baixo reajuste no preço da uva evidencia desvalorização da classe, analisam produtores

O novo preço mínimo da uva industrial para a safra de 2020/2021 foi anunciado na semana passada pelo Ministério da Agricultura, sendo fixado em R$ 1,10. O valor é R$ 0,02 a mais do que o aplicado na safra passada e começará a valer a partir do dia 1º de janeiro na região Sul, Sudeste e Nordeste para a uva destinada à fabricação de suco, vinho e outros derivados (com 15° glucométricos). Entretanto, o baixo reajuste tem sido motivo constante de críticas entre agricultores da região da Serra Gaúcha, que concentra pelo menos 90% da produção da fruta em todo o país. Somente na região de Bento Gonçalves, abrangendo os municípios de Pinto Bandeira, Monte Belo e Santa Tereza, o Sindicato dos Trabalhadores de Bento estima que haja cerca de 3 mil produtores de uva. 

De acordo com o Ministério da Agricultura, o novo preço leva em consideração os custos variáveis de produção das lavouras, além de considerar outros indicadores de mercado. Anualmente, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) elabora um estudo sobre o preço por meio de painel envolvendo agricultores, revendedores de insumos e indústrias.

O preço mínimo da uva é considerado uma referência para as empresas e cooperativas que compram o produto para produção de derivados como suco e vinho e foi estipulado para garantir que o agricultor não ganhe menos que isso. Mas o baixo valor definido pelo Governo Federal é motivo de debate anualmente. Por meio da Comissão Interestadual da Uva, sindicatos realizam um levantamento de custos para se chegar a um preço justo ao agricultor e reivindicar esse valor junto ao Governo Federal. Neste ano, a comissão chegou ao valor de R$ 1,15 para a Uva Isabel de 15 graus, levando em conta uma produção de 20 mil kg por hectare. “Eu não sei que metodologia a Conab utiliza para fazer esse levantamento, mas eles realizam a revisão de tabela há cada três/quatro anos. Todos sabemos que a dinâmica na produção agrícola é muito grande, com novos equipamentos, novos insumos… me arrisco a dizer que a Conab utiliza como referência o valor de maquinário de 10 anos atrás”, comenta o presidente da comissão e do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bento Gonçalves, Cedenir Postal. 

Expectativa de reajuste frustrada

Os órgãos representantes da classe dos agricultores previam um reajuste que acompanhasse a alta dos insumos, sendo que a maioria é taxada em dólar. “A gente orienta que os produtores negociem e valorizem seu produto, principalmente agora que está tendo uma procura grande. Mas a uva é altamente perecível e os produtores se veem obrigados a entregarem para as vinícolas. No momento que entregam, não têm mais como negociar preço”, analisa Postal. “É uma desvalorização muito grande do produtor. Muito se fala em sucessão familiar, de manter o jovem no meio rural. Mas se o agricultor não tem rentabilidade, isso acaba desestimulando os jovens”, complementa o presidente. 

Os agricultores de Bento Fabiano Orsato e Rogério Menegotto são cooperativados da Cooperativa Vinícola Aurora, conseguindo um preço mais em conta para o kg da uva. Mesmo assim, eles comentam sobre a desvalorização da classe diante das empresas particulares e da sociedade no geral. Dependendo do grau da uva (teor de açúcar), algumas vinícolas chegam a pagar até menos que o valor mínimo estipulado. “15 graus é a média. Se fizer 16, vai ganhar 5% a mais. Se subir para 17, 10% a mais. Mas e se fizer 14/13? Aí o agricultor não ganha nem R$ 1,10. E essa qualidade muitas vezes não depende apenas do produtor, e sim do clima”, explica Menegotto. 


Agricultor de Tuiuty, Rogério Menegotto. Foto: Eduarda Bucco
 

Aurora é referência

Neste ano, o agricultor ressalta que houve falta de produto nas vinícolas, as quais poderiam aproveitar o aumento das vendas para valorizar o produtor. “Eles alegam que a uva é o que dá custo para a cantina, mas e o produtor não tem custo? Bom seria se o produtor pudesse estipular o preço, mas se fizer isso, aí a produção fica na parreira”, expõe. 

Fabiano Orsato complementa dizendo que a classe se sente frustrada diante das boas vendas dos produtos derivados e a falta de valorização da matéria-prima. “Não tem mais produto e, mesmo assim, eles estão se negando a pagar um valor melhor. A Aurora é referência. Se ela consegue pagar mais, porque as outras não podem? Os insumos aumentaram, triplicaram os adubos, defensivos agrícolas, o diesel aumentou, a mão de obra vai ter que pagar mais. E ninguém vê esse lado. Além disso, muitas cantinas atrasam o pagamento”, comenta. “Na minha opinião, já tinha resolvido isso há 40 anos, colocando a inflação do ano. Porque é sempre essa briga. Com isso, hoje o preço mínimo estaria em R$ 1,25, R$ 1,30, porque ficou anos sem reajuste”, sugere. 

De acordo com a União Brasileira de Vitivinicultura (UVIBRA), está sendo passada a orientação a todos os associados para que, ao menos, respeitem o preço mínimo da uva. “Entretanto, observamos que nos últimos anos o que prevalece é a lei da oferta e da procura. Sendo assim, podemos ter casos em que o quilo da uva possa ser negociado acima deste mínimo”, afirma o presidente da União, Deunir Argenta.

Produtores reivindicam reconhecimento e representatividade

Seu Germano Fronza, de 68 anos, sempre trabalhou com parreirais em São Valentim, em Bento. No final de semana, seu filho Inácio Fronza compartilhou um vídeo nas redes sociais com um desabafo do agricultor sobre o “vergonhoso” aumento do preço da uva. No vídeo, Germano critica a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e os deputados ligados à frente parlamentar da agricultura. “Onde estão esses covardes que não falam nada sobre isso?”, desabafa. O produtor também cita entidades como sindicatos, a Conab e a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Rio Grande do Sul (FETAG-RS). “Certos deputados, no passado, diziam que iriam a Brasília discutir o preço da uva, mas ficava quatro anos sempre no mesmo preço. E se chega a conclusão, hoje, para que serve essa gente para nós?”, questiona. 


Agricultor de São Valentim, Germano Fronza. Foto: Reprodução/Facebook
 

O agricultor Rogério Menegotto, de Tuiuty, distrito de Bento, afirma que a classe está precisando de políticos engajados, que apresentem as dificuldades da produção ao Ministério da Agricultura. “Não temos representantes. Nossos políticos não vêm ver as dificuldades que enfrentamos no dia a dia. E o Ministério da Agricultura não nos conhece. O que atinge mesmo o Ministério são os grãos, porque geram muito mais impostos para o país. Nós somos uma categoria pequena, mas também movimentamos a economia do país”, comenta. 

Com um trabalho diário de quase 12 horas, Menegotto relata as dificuldades enfrentadas pelos produtores de uva na região. Os custos englobam insumos para adubação e tratamento, os quais são cotados em dólar (hoje o dólar está acima de R$ 5,00), além de mão de obra, maquinários e fretes. Já os serviços incluem poda, amarração, tratamento, colheita e a preocupação constante com a qualidade da plantação, principalmente diante de um período marcado pela seca. “A seca do ano passado nos trouxe lucro, melhorou a qualidade porque veio em uma época avançada. Essa veio mais cedo, está no período de crescimento da fruta, então precisa chover para ela chegar num tamanho ideal. Mais uns 15/20 dias ela já está pronta para depois amadurecer, aí na maturação sim pode ter uma chuva mais amena, até para melhorar a qualidade. Agora, deveria chover a cada 8/10 dias e estamos há pelo menos 60 sem chuva significativa”, analisa o produtor. 


Foto: Eduarda Bucco
 

Alto investimento e estresse

Além dos altos investimentos e do cansaço, Menegotto afirma que o estresse é outro fator que dificulta a produção. “Se eu deixar para tratar a parreira amanhã, pode chover e vir um surto de mofo, por exemplo, aí eu já perco minha produção. Temos que estar sempre pensando, se preocupando e planejando para garantir a qualidade da produção”, relata. Mesmo no período em que a fruta já está crescida e prestes a entrar no período de amadurecimento, o trabalho continua. 

Todos esses fatores, aliados ao preço baixo pago pelo kg da fruta, têm refletido na desmotivação do jovem no campo, que acaba partindo para outras áreas para garantir mais conforto e valorização financeira. “A sucessão familiar não existe por causa disso. Falando tanto na esfera federal, quanto estadual e municipal”, analisa o produtor Fabiano Orsato. “Para motivar os jovens, é preciso aumentar o valor aquisitivo. A dificuldade é muito grande, é muito sofrido. Hoje o que está nos matando não é apenas trabalhar, mas o estresse. Tu podou, adubou, planejou e caprichou, aí chega um clima desses e tu vê a tua produção secando, murchando e ainda pensando que tem que pagar isso, aquilo, financiamento… e aí tu vai querer investir em novas tecnologias como? Por isso está na hora dos nossos políticos verem isso, entenderem nossa realidade e nos ajudarem”, finaliza. 

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