Bandidos soltos, população presa
Mais do que dinheiro ou joias. Mais do que celulares ou carros. Os bandidos estão levando embora a dignidade e a qualidade de vida de muitas pessoas. São minutos de tensão, de angústia, desespero e, por vezes, de terror. Para efetuar roubos, furtos ou sequestros, não importa se é dia ou noite, tampouco se há muitas ou poucas pessoas ou se existem seguranças ou câmeras de vigilância. Para quem comete crimes, não existem obstáculos. Uma arma na mão e a certeza da impunidade fazem com que o número de crimes não só em Bento Gonçalves, mas em todo o país, aumente a cada dia. Foi isso que o SERRANOSSA constatou conversando com diversos moradores, de diferentes bairros da cidade, que sofreram algum tipo de crime e hoje vivem uma vida de medo e insegurança.
“Nós estamos presos”
Na rua Marques de Souza, no bairro São Francisco, são poucos os que não sofreram algum tipo de roubo ou furto. Trabalhando com portas fechadas ou morando em casas cercadas, a população tenta se proteger como pode. Valerio Mazzotti, que há 29 anos possui comércio no local, já viveu momentos de tensão em pelo menos quatro ocasiões. Por duas vezes teve seu estabelecimento arrombado e furtado. Nem as grades impediram a ação dos bandidos. Nas outras vezes, os prejuízos foram além dos materiais, foram emocionais. Em plena luz do dia, um bandido em uma moto estacionou em frente à floricultura e, portando uma arma, anunciou o assalto. Queria todo o dinheiro do caixa, como de praxe em ações desse tipo. Em um dos assaltos a esposa de Mazzotti chegou a perguntar para o assaltante por que ele estava tirando a renda de um trabalhador. A reposta foi inusitada: “porque eu tenho uma arma e posso tudo”, ele disse. “Vivemos inseguros. Em datas como Dia das Mães e Namorados precisamos ficar ainda mais atentos, porque o movimento é maior”, alerta o empresário. Mazzotti também lamenta nunca ter recuperado o dinheiro que foi levado e diz que a falta de punição para os invasores mostra como a impunidade aumenta a insegurança. “Já reconheci dois bandidos no Fórum, mas eles estão soltos, enquanto nós estamos presos”, sentencia o empresário.
O drama da também empresária Iria Gazolla é ainda pior. Proprietária de três floriculturas, duas no bairro São Francisco e uma no centro, ela já sofreu mais de dez assaltos. Só neste ano, foram quatro. “Eles entram na loja armados, pedem o dinheiro e a gente dá! Fazer o quê?”, questiona ela, em tom de indignação. Não bastassem os prejuízos financeiros, a empresária também lamenta o pedido de demissão de várias funcionárias. “Teve ocasiões em que elas foram trancadas no banheiro, foram ameaçadas. Ninguém suporta viver sempre com medo da próxima vez”, revela. Além dos roubos em suas lojas, Iria ainda sofreu um dos maiores traumas da sua vida dentro da própria casa. O roubo ocorrido em 2011 na sua residência, no bairro São Roque, é revivido sempre que ela se olha no espelho e se depara com a cicatriz na testa, consequência de uma machadada proferida pelo assaltante. “O bandido entrou pela porta dos fundos e, quando eu o vi, ele já chegou me agredindo. A sorte é que ele me bateu com a parte da madeira e não com a de metal. Eu poderia estar morta essa hora”, emociona-se.
Embora agradeça todos os dias por ainda ter saúde para trabalhar e reconquistar todos os bens que já foram roubados, Iria não se conforma com as leis que, segundo ela, incentivam bandidos a cometerem crimes. “Nunca recuperei o que perdi. O que precisamos são leis mais severas, são mais policiais nas ruas, mais segurança para o trabalhador. É inadmissível viver à mercê desses marginais”, conclui.
Segundos que mudam uma vida
Talita Rigotti, de apenas 22 anos, só pensa em ficar em casa desde a última semana. Após sair para ir a missa, como faz tradicionalmente aos domingos, ela voltou sem o celular, os documentos, o dinheiro e, principalmente, sem a sensação de segurança que sempre teve no bairro em que nasceu e no qual vive até hoje, o Maria Goretti. Faltando apenas uma quadra para chegar em casa, a jovem foi surpreendida por um homem armado com uma faca, que a obrigou a entregar a bolsa. “Estava caminhando tranquila quando dois homens em uma moto pararam próximo de mim. Nem dei bola, porque tem um prédio bem em frente de onde eu estava passando e pensei que eram moradores. De repente, um deles colocou uma faca no meu abdômen e pediu a bolsa. Na hora me apavorei e entreguei”, relata Talita, afirmando que, segundos depois, eles já haviam desaparecido.
No dia seguinte, seus documentos foram localizados em um terreno no bairro Zatt, o que minimizou os transtornos mas não o trauma. “Nunca tinha passado por isso. É assustador, é terrível. Sorte que minha filha não estava comigo, porque talvez minha reação tivesse sido diferente para protegê-la”, diz.
“Só pedi para ele não levar minha aliança”
Diva Rotava Buratti mostra a mão esquerda sem a aliança de casamento, objeto de valor inestimável para a empresária. O anel foi levado, juntamente com R$ 4 mil em dinheiro e cheques, e mais R$ 10 mil de um cliente, em um assalto no último dia 6, em sua revenda de pneus, localizada no bairro Botafogo. Três bandidos armados chegaram por volta das 17h no local e renderam funcionários e pessoas que faziam compras na loja. Enquanto dois deles roubavam objetos dos veículos e dos clientes e o dinheiro do caixa, um se deslocou para o segundo andar da loja, onde Diva pagava o salário do mês para um colaborador. “Ele pediu para a gente deitar no chão e pegou todo o dinheiro destinado ao pagamento. Depois, arrancou a corrente do meu pescoço e mirou na minha aliança. Pedi, por favor, para ele levar tudo, mas deixar o meu anel. Implorei, mas não adiantou. Ele tirou da minha mão e foi embora”, relata.
Toda a ação durou menos de três minutos e foi gravada pelas câmeras de segurança. Até agora, ninguém foi preso e nada foi recuperado. Foi a segunda vez que a empresa de Diva foi assaltada. “Nós nos sentimos impotentes diante de tanta violência. Confesso que só registramos ocorrência na delegacia pois era necessário para cancelar alguns cheques. Caso contrário, nem faria, porque não adianta nada”, desabafa.
Assalto a papelaria
Uma mulher ficou ferida após um assalto registrado no final da tarde da última quarta-feira, dia 18, em uma papelaria no bairro Cidade Alta. Segundo a Brigada Militar, um jovem entrou no estabelecimento e anunciou o assalto. A ação aconteceu por volta das 17h. A dona da loja teria reagido na tentativa de evitar que o homem levasse o dinheiro do caixa. O ladrão atirou pelo menos uma vez e acertou a mão da mulher de raspão. O acusado fugiu com o dinheiro que estava no caixa e ainda não foi localizado. O estabelecimento é credenciado para receber pagamento de títulos de uma rede bancária. A Brigada Militar registrou a ocorrência. O crime será investigado pela Polícia Civil.
Polícia recomenda discrição sobre vida pessoal
Prevenir furtos e roubos é possível adotando-se medidas simples no dia a dia. Ser discreto em relação à própria vida e ter cuidados simples, como prestar atenção ao entrar e sair de casa podem ajudar.
De acordo com o capitão Evandro José Flores, comandante da 1ª Companhia do 3º Batalhão de Policiamento de Áreas Turísticas (3º Bpat), na maioria dos casos os ladrões têm acesso a informações privilegiadas. “O ‘modus operandi’ dos assaltantes indica que na maioria dos casos eles sabem ou questionam onde está o dinheiro guardado em casa. Geralmente, procuram dólares, armas e joias”, analisa.
Evandro destaca que esse tipo de ação acontece em locais e circunstâncias semelhantes. “A maioria ocorre no momento em que as pessoas estão chegando ou saindo ou ainda quando estão paradas em frente à residência ou em alguma atividade relativa à limpeza. Normalmente as vítimas são rendidas sob ameaça de arma de fogo e presas em um dos cômodos, como o banheiro ou quarto”, explica. “Eles costumam estar à procura de tudo que for fácil de transportar, como eletroeletrônicos, celulares, joias, relógios, notebooks e armas de fogo”, comenta o comandante.
O capitão conta ainda que em grande parte dos casos registrados em Bento Gonçalves, os assaltantes utilizam formas de ameaça ou coação, mas não chegam a agredir as vítimas. “Em se tratando de roubos a residências, o uso de violência física só foi registrado em uma ocorrência neste ano, em um distrito afastado da área urbana. Cinco indivíduos chegaram em uma Hilux, amarraram as pessoas, foram violentos e permaneceram bastante tempo na residência, aproveitando-se da distância e do isolamento do local. Foram roubados diversos bens, além de um pequeno arsenal de armas de fogo”, revela.
Em grande parte das ocorrências, o bando abandona o carro utilizado na ação em um raio de até três quilômetros e foge em um segundo meio de transporte. Mesmo nos casos em que os ladrões abordam as vítimas a pé, geralmente contam com um veículo dando apoio.
Discrição
Para o delegado titular da 2ª Delegacia de Polícia (2ª DP) de Bento Gonçalves, Álvaro Pacheco Becker, o cidadão pode tomar alguns cuidados para evitar se tornar mais uma vítima dos assaltantes. “Para dificultar a ação desses grupos, as pessoas têm que evitar andar em lugares isolados e estacionar em locais ermos, devem prestar atenção em pessoas de capacete que ficam olhando o estabelecimento comercial ou para a casa e redobrar o cuidado ao sair ou chegar”, alerta.
“Altere a rotina, não dê informações sobre qualquer membro da sua família ou sobre a casa, seja por telefone ou para pessoas que se apresentam como pesquisadores sem credencial. Sempre que houver pessoas idosas ou crianças na residência, evite deixá-las sozinhas. Os familiares podem manter um telefone de emergência para se comunicarem caso notem alguma coisa errada”, orienta o delegado.
É importante que a população procure mudar sua rotina. “Empresários que precisam realizar pagamento de funcionários nunca devem levar o dinheiro para a residência. Para evitar assaltos é preciso encontrar outra forma de pagar o salário, como depósito direto em conta”, ensina o capitão Evandro.
Observar estranhos também é uma orientação da BM. Antes de abrir o portão para entrar ou sair da residência, é importante verificar o movimento nos arredores e se há veículos parados ou estacionados com pessoas em seu interior. “Tente reparar na reação dos estranhos quando alguém se aproxima. Se procuram disfarçar, mudam sua atitude, ficam espantados, sempre sugerimos que se dê uma volta no quarteirão. Se persistir a situação, a pessoa deve aguardar e contatar a BM através do telefone 190, informar a placa do veículo e o máximo de características possíveis das pessoas, bem como qual a sua atitude em frente à residência”, indica Evandro.
Não reagir
Se você for vítima de um roubo, a primeira orientação é não reagir, procurar manter a calma, responder somente o que for perguntado pelos assaltantes, entregar o que for solicitado e tentar memorizar as características (roupas, altura, sinais caraterísticos, como tatuagem, cor da pele, tipo de armamento, veículo que estão usando, cor, modelo e placa) sem chamar a atenção dos bandidos. “Imediatamente após a saída dos assaltantes deve-se ligar para a BM informando tudo que foi observado, incluindo para que direção os ladrões foram. A pessoa deve passar ao atendente o endereço da ocorrência e aguardar a chegada da Brigada Militar, nunca sair em perseguição”, alerta o capitão. Segundo o delegado Álvaro Becker, é preciso, na medida do possível, sempre manter a calma. “Se for vítima de um assalto (assaltantes armados ou usando de ameaças) não reaja, não fixe os olhos neles e faça o que pedem. A vida é mais valiosa que qualquer bem material. Imediatamente após irem embora, chame a polícia”, orienta.
Reportagem: Jonathan Zanotto e Raquel Konrad
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