Bento: auxiliar de produção que sofreu ofensas raciais deve ser indenizada por frigorífico
Em dois momentos no mesmo dia de trabalho, a agressora proferiu ameaças de morte e xingamentos racistas dirigidos à auxiliar de produção
Uma auxiliar de produção deve receber indenização por danos morais após o frigorífico onde trabalhou se omitir ante ofensas raciais que partiram de uma colega.
A decisão unânime da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) confirmou a sentença do juiz Silvionei do Carmo, da 2ª Vara do Trabalho de Bento Gonçalves. A reparação foi fixada em R$ 30 mil.
De acordo com a testemunha, a colega da empregada deu início à discussão. Em dois momentos no mesmo dia de trabalho, a mulher proferiu ameaças de morte e xingamentos racistas dirigidos à auxiliar de produção.
Na presença de outros trabalhadores, ela disse que não gostava de gente como a autora, “de sua raça” e que ela não deveria estar ali. Não houve, segundo a testemunha, ofensas prévias por parte da autora.
Ao comunicar o fato à chefia, a autora da ação acabou sendo penalizada com a mesma suspensão da ofensora. Ao dizer que ia registrar boletim de ocorrência, foi desencorajada pelo superior, que não tomou nenhuma atitude.
Conforme a testemunha, o chefe “colocou panos quentes para abafar a situação” e mandou que ela “não depusesse em favor da autora para não sobrar para ela”. A trabalhadora agredida registrou o fato em boletim de ocorrência.
Em defesa, a empresa argumentou que não se omitiu. Alegou que não houve qualquer responsabilidade do frigorífico no ocorrido, tratando-se apenas de uma discussão entre colegas e que ambas foram suspensas para coibir comportamentos semelhantes.
Para o juiz Silvionei, ao tratar a ofensa racial como um problema de menor relevância, a empresa continua alimentando o racismo estrutural que transpassa a sociedade. Ele avalia que não se combate o racismo estrutural com atitudes que buscam minimizar ou mesmo tolerar atos racistas, mas com uma postura firme e intolerante com condutas que discriminam as pessoas em face da raça ou cor da pele.
“A conduta da empresa não se mostrou justa e razoável frente ao episódio de racismo, comprovando, ao revés, que a empresa procurou apenas se resguardar frente a eventuais reclamações judiciais. Ao punir a vítima de uma ofensa racial da mesma forma que a ofensora, a reclamada acabou agravando o sofrimento e humilhação da reclamante, o que reforça a procedência do pedido”, afirmou o magistrado.
A empresa recorreu ao TRT-RS, mas a indenização foi mantida. A autora também buscou o aumento do valor indenizatório, sem obter êxito.
Relator do acórdão, o desembargador Wilson Carvalho Dias enfatizou que o empregador tem o dever de preservar um ambiente de trabalho livre de qualquer violência à honra, à imagem e à intimidade dos empregados e, ainda que não adote ou compactue com a conduta, responde pelos atos dos empregados. Ele considerou demonstrada a prática preconceituosa e ofensiva à dignidade da trabalhadora, tipificada pela legislação penal como crime de racismo, de natureza inafiançável e imprescritível.
“A sociedade contemporânea, regida pelo respeito à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República, não deve tolerar qualquer tipo de discriminação, constituindo a discriminação racial expressão pura do racismo estrutural sob o qual se fundamentam as relações sociais e trabalhistas no Brasil e por meio do qual se busca aniquilar a subjetividade do trabalhador negro”, ressaltou o desembargador.
Também participaram do julgamento os desembargadores Emílio Papaléo Zinn e Denise Pacheco. Cabe recurso da decisão.