Bento comportaria internação compulsória?

A Câmara dos Deputados aprovou nesta semana o projeto de lei 7.663/10, que propõe mudanças no Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad). A discussão trouxe à tona novas alternativas para o combate e repressão ao uso de drogas, entre as quais a possibilidade de internação involuntária. A medida divide opiniões em razão da manifestação de especialistas, que defendem que o tratamento de um dependente químico só é eficaz quando há interesse dele. Diante da possibilidade de aprovação da lei, surge a dúvida: será que a rede de saúde de Bento Gonçalves está preparada para atender a essa nova demanda?  Para o coordenador médico da secretaria municipal de Saúde, Marco Antônio Ebert, nenhuma cidade da região teria condições estruturais de cumprir a resolução. 

O projeto de lei ressalta que o tratamento do usuário deverá ocorrer prioritariamente em ambulatórios, em unidades de saúde ou em hospitais, desde que existam equipes multidisciplinares para atendimento e, no caso de pronto-socorros, mediante encaminhamento médico. A internação involuntária dependerá do pedido de um familiar ou responsável legal ou, na falta desses, de uma solicitação do serviço público na área de saúde. A lei determina ainda que seja feita uma avaliação sobre o tipo de droga utilizada, a frequência do uso e a comprovação da impossibilidade  de alternativas antes que a internação involuntária aconteça. O tempo máximo de permanência seria de 90 dias, sendo que o familiar poderá solicitar a interrupção do tratamento a qualquer momento. 

Conforme Ebert, a proposta não leva em consideração uma das grandes lacunas da saúde pública em nível nacional: a falta de leitos para internação. O número disponível hoje não é suficiente nem mesmo para os dependentes químicos que concordam com esse tipo de tratamento. “Esta é uma questão maior. Essas pessoas (dependentes) estão incapazes de responder pelos seus atos e necessitam de auxílio. Mas não é modificando legislação que iremos resolver o problema. Com isso, surge outro: onde iremos interná-los?”, questiona. Ele explica que Bento Gonçalves conta com apenas 15 leitos na área de psiquiatria do Hospital Tacchini e que a lotação é constante. Outro agravante é que o espaço não é exclusivo para dependentes químicos, mas abriga também pessoas acometidas por diversos problemas psicológicos, como psicose e esquizofrenia.

A necessidade de uma estrutura adequada para atender usuários de drogas não é uma situação estritamente local. “A falta de espaço para atendimento de agudos não é uma situação somente de Bento Gonçalves ou da região, é nacional. Não vejo uma estrutura preparada para absorver isso. Precisaríamos de um acolhimento mais adequado e de um debate com a união, Estado e município sobre o problema”, esclarece. Ele ainda acrescenta que o tratamento da dependência não pode ficar limitado à internação. “Precisamos de um forte enfrentamento da questão para minimizar o problema”, alerta.

UPA incerta

A intenção era ainda construir uma unidade de agudos junto à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) que está sendo construída no bairro Botafogo, porém é necessário que haja um espaço destinado para internações, o que ainda não está garantido. 

Para discutir a situação e apresentar propostas que possam amenizar o problema, servidores da rede de atendimento aos usuários ou dependentes químicos de Bento Gonçalves e representantes do Hospital Tacchini estiveram reunidos com a equipe de saúde mental da 5ª Coordenadoria Regional de Saúde (5º CRS) do Estado na última terça-feira, dia 28. 

Rede de atendimento

Hoje Bento Gonçalves conta com uma ampla rede de apoio aos dependentes químicos, inclusive através do Sistema Único de Saúde (SUS). A maior parte dos usuários atendidos procura o serviço de forma voluntária ou é encaminhada por via judicial. O acolhimento é feito através das Unidades Básicas de Saúde (UBS), dos postos de Estratégia Saúde da Família (ESF), do Pronto Atendimento 24h, da unidade psiquiátrica do Hospital Tacchini, do Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Caps AD) e da Comunidade Rural Terapêutica. Mas, apesar das oportunidades oferecidas, nem todos buscam ajuda. 

As UBSs são consideradas a primeira instância do tratamento, onde é feita a avaliação do grau de dependência do paciente. Caso seja necessário, ele é encaminhado para atendimento especializado como o Caps AD, onde são atendidos dependentes de álcool, maconha, sedativos, benzodiazepínicos, cocaína, crack, estimulantes, alucinógenos e tabaco. Além do usuário, a família também recebe apoio. 

Na Comunidade Rural Terapêutica, localizada no distrito de Tuiuty, o tratamento abrange atendimento psiquiátrico e psicológico, psicoeducação, grupos de autoajuda – Alcoólicos Anônimos (AA) e Narcóticos Anônimos (NA) –, religiosidade e laborterapia. O serviço é exclusivo para homens moradores de Bento, com idade mínima de 18 anos, sem restrição quanto aos tipos de dependência. Outra iniciativa está sendo implantada no bairro Fenavinho, a Central de Internação. O projeto é desenvolvido pela igreja Evangélica Assembleia de Deus de Bento Gonçalves e Comunidade Terapêutica Desafio Jovem Gideões. Conforme o diretor do local, Alexandre Flores, e o tesoureiro, Paulo Ricardo de Souza, o espaço ainda aguarda a regularização do CNPJ para começar as atividades.

Na Central, os usuários ou dependentes deverão permanecer internados entre 30 e 60 dias para iniciar a recuperação e posteriormente serão encaminhados para fazendas de tratamento, onde ficarão entre 9 e 12 meses. “A igreja Gideões possui outros 12 locais para tratamento de dependentes e temos mais de 18 anos de atuação em todo o Estado. Trabalhamos com três frentes para recuperação: a laborterapia, a disciplina e a espiritualidade”, relata Flores. Ele ainda explica que, apesar de coordenado pela igreja evangélica, a religião de cada interno é respeitada. 

A casa onde funcionará o espaço está pronta e tem capacidade para atender até 12 pessoas. No local são aceitos somente homens, com idade a partir de 18 anos. A prioridade é para atendimentos de forma voluntária, porém são aceitos também casos de internações compulsórias. O espaço é sustentado por doações e o aluguel custeado pela igreja Assembleia de Deus. 

Enquanto um dos sonhos dos responsáveis pela Central de internação – o de construir uma fazenda de recuperação na zona rural da cidade – não se concretiza, os pacientes serão encaminhados para fazendas localizadas em cidades da região como Farroupilha, São Sebastião do Caí e Montenegro. Os Gideões ainda possuem um espaço destinado especificamente para atendimento de mulheres usuárias ou dependentes de drogas, localizado na cidade de Novo Hamburgo.

Informações sobre a proposta podem ser obtidas através dos telefones 9637 5335, com Alexandre, ou 9606 8363, com Paulo.

Reportagem: Katiane Cardoso


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