Bento em imagens: o guardador de memórias

Fotografias sempre dão a oportunidade de eternizar um recorte de tempo que pode ser transmitido para as futuras gerações. Em muitos casos, elas acabam sendo a principal fonte para relembrar momentos ou cenários que se perderam ao longo dos anos e já não podem ser reconstituídos. Para algumas pessoas, guardar esses arquivos também é uma possibilidade de ajudar a recontar a história de uma cidade como Bento Gonçalves, que, especialmente nas últimas décadas, passou por grandes transformações estruturais.

O acervo de imagens antigas mantido pelo fotógrafo Roali Majola representa mais do que uma óbvia paixão pelo ofício que ele exerce há 56 anos: guardar mais de 400 fotografias de eventos, paisagens e pessoas, cujas histórias se confundem com a do próprio município, foi uma tarefa confiada pelo historiador e amigo Pedro Koff, antes de morrer. “Éramos muito próximos e ele sempre me pedia para fazer fotos para ele, de casas antigas, de lugares. Depois, ele acabou deixando tudo para eu cuidar”, conta. O “tudo” a que ele se refere inclui também muitos registros anteriores aos dele, que acabaram sendo herdados.

Majola, hoje com 71 anos, de fala mansa e caminhar tranquilo, mantém guardados com todo o cuidado negativos ainda em vidro das fotografias, mas também tem os arquivos já digitalizados e gravados em discos, com várias cópias. “Fica tudo mais fácil quando precisa procurar alguma coisa. Está tudo aí, à mão”, justifica. O zelo também é para evitar que as memórias se percam mais facilmente ou que os arquivos acabem sendo utilizados de forma irresponsável.  “Eu não faço comércio com isso, é um material que faz parte da identidade de Bento. Mas tem que ser cuidado”, completa. A coleção poderia ser ainda maior, mas um incidente em um de seus primeiros estúdios, que foi parcialmente inundado há mais de 40 anos, destruiu muitas imagens.

Entre os momentos que mais marcaram a trajetória como fotógrafo e que tiveram influência no desenvolvimento do município, ele cita a primeira passagem de um presidente da República por Bento. Foi em 25 de fevereiro de 1967, quando o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco participou da abertura da 1ª Festa Nacional do Vinho (Fenavinho). Mas as recordações também passeiam por centenas de bailes, festas e casamentos da época. “Era tudo muito diferente para nós, fotógrafos. Agora todo mundo tira uma câmera do bolso e sai fazendo fotos. Naquela época, éramos poucos”, conta.

O trabalho também rendeu algumas situações inusitadas. Em uma das coberturas sociais que Majola realizou, uma de suas câmeras sumiu, provavelmente furtada por alguém que estava no evento. Até os estojos em que os músicos transportavam os instrumentos foram revistados em busca dela, mas sem sucesso. Quase 14 anos depois, sabendo que o fotógrafo colecionava máquinas antigas, um amigo o procurou para perguntar se ele tinha interesse por uma Minolta XM, equipada com uma lente de 50mm, que havia chegado às suas mãos. “Quando ele me falou, eu sabia que era a minha, que de algum modo ela tinha aparecido. Fui lá, conferi o número de série e era o mesmo”, recorda Majola.

Em seu atual estúdio, onde se dedica à fotografia industrial, ele tem dois quadros com cenas da cidade tomadas praticamente do mesmo ângulo, mas com cerca de 80 anos de diferença. Na primeira, o santuário de Santo Antônio ainda é uma construção de referência no Centro, mas, na outra, é praticamente engolido pelos edifícios que foram erguidos nas últimas décadas. “Muita coisa mudou no Centro, muito se perdeu. A igreja nem aparece mais nas fotos. Lembro que também tínhamos aqueles cafés antigos, que foram sumindo. Parece que ninguém mais ‘dá bola’ para esse tipo de coisa”, lamenta.

“Presentificando” o passado

Para a historiadora Terciane Ângela Luchese, coautora do livro “Da colônia Dona Isabel ao município de Bento Gonçalves – 1875 a 1930”, também assinado por Bernardete Schiavo Caprara, as fotografias antigas promovem uma importante aproximação entre diferentes gerações. As que viveram o que permanece registrado nas imagens podem, por meio delas, retomar o passado, e as que apenas o conheceram por relatos orais e escritos têm condições de concretizar visualmente a sua presença. “Elas são fantásticas, porque nos permitem essa possibilidade de perceber como a cidade foi crescendo e, infelizmente em muitos casos, também sendo destruída. É preciso entender que o novo e o velho podem e devem conviver. Basta buscar uma harmonização”, avalia.

Um dos pontos mais destacados por Terciane é a representação, em imagens, de como algumas ações comunitárias foram extremamente importantes para alavancar o desenvolvimento da cidade. Ela cita, como exemplo, a mobilização para erguer o primeiro hospital do município, ainda na década de 1920. “Não se trata apenas de arquitetura, do que foi derrubado ou do que perdemos em termos materiais. Temos que pensar nessa questão de convivência, de cidadania, e essas imagens também podem servir de inspiração”, conclui a historiadora.

Reportagem: Jorge Bronzato Jr.


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