Mês do veganismo: bento-gonçalvenses contam sobre suas transições ao estilo de vida
Diante de um cenário de mudanças climáticas e de maior atenção à causa animal, pessoas de todo o mundo têm mudado seus estilos de vida. Ao longo dos últimos anos, o veganismo se tornou um movimento cada vez mais popular, principalmente entre o público jovem. Pessoas adeptas ao estilo de vida excluem de seu cotidiano todos os produtos que sejam testados ou que tenham origem animal, sejam eles alimentícios, cosméticos ou de vestuário, por exemplo. Entretanto, vivendo em uma sociedade onde o consumo de carne e outros alimentos como o queijo e o leite são tradição, conseguir se adaptar à dieta vegana nem sempre é tarefa fácil. Segundo a Associação Vegetariana Brasileira (SVB), o custo elevado da dieta vegetariana/vegana também costuma ser um dos argumentos utilizados por quem encontra dificuldade em consumir os alimentos. No entanto, para o presidente da entidade, Ricardo Laurindo, é possível afirmar “que a base da alimentação vegana é formada por alimentos naturais que, combinados com temperos e criatividade, são mais saborosos e acessíveis que qualquer tipo de carne”.
Prova disso é a bento-gonçalvense Bruna Dalla Costa, que há cerca de seis meses mudou totalmente o cardápio em sua casa e abriu uma empresa própria de refeições veganas. Há cinco anos ela decidiu adotar o vegetarianismo, retirando todo o tipo de carne de sua dieta. “O que me levou ao vegetarianismo foi a questão de eu estar me alimentando do sofrimento de outro ser. Então comecei aos poucos a transição, fui respeitando o meu corpo e as minhas vontades, mas ao mesmo tempo consciente de que eu não queria mais ser a causadora de sofrimento a outros seres”, conta.
Entretanto, ao longo dos anos, Bruna percebeu que o vegetarianismo não bastava. Dessa forma, decidiu iniciar o processo de transição ao veganismo. “Aqui em casa vai fazer mais ou menos seis meses que os cardápios são veganos. Minha filha mais velha [de 14 anos] ainda consome queijo, mas a mais nova [de três anos] tem uma alimentação vegana em casa. Ainda consumo produtos de origem animal quando vou para algum restaurante ou algum lugar com os amigos, mas tenho preferência por tudo vegano”, afirma Bruna.
Bruna Dalla Costa decidiu adotar o vegetarianismo há cerca de cinco anos e, atualmente, está em transição ao veganismo junto com suas, filhas Eduarda e Aurora. Além disso, Bruna abriu uma empresa de alimentos veganos, a Nutrir com Amor
A designer gráfico e ilustradora Priscila Trevisan também está na fase de transição para o veganismo. No ano passado, ela parou de comer todos os tipos de carnes e ovos, mas eventualmente ainda consome produtos como queijo e chocolate. “Eu sempre quis parar de comer carne, mas sempre recaía. Eu gosto muito de sair para jantar com amigos e organizar jantas na minha casa e a carne sempre acabava fazendo parte dos encontros”, comenta. Entretanto, uma refeição em particular a fez despertar para uma nova visão de mundo. “Eu estava almoçando e olhando o Twitter ao mesmo tempo. Então cliquei em um vídeo no qual uma mulher fazia carinho na cabeça de uma vaca. Quando vi a expressão da vaca recebendo carinho e sentindo prazer, lembrei da minha gata (Gemma) e entendi que as duas sentem o carinho da mesma forma e sentem dor da mesma forma, assim como a gente sente dor também. Foi horrível. Desde essa refeição não comi mais carne”, conta Priscila.
Além da alimentação, a ilustradora conta que utiliza apenas produtos cosméticos veganos e ‘cruelty free’, ou seja, que não testam em animais. “Eu ainda tenho peças de roupas antigas que não sei a procedência, mas desde 2019 tenho buscado um consumo mais consciente e sustentável. Informação e opções não faltam”, comenta.
Priscila Trevisan conta que nunca esteve tão saudável e que, agora, sente mais prazer em preparar suas refeições
Estilo de vida mais saudável
“É difícil debater isso com quem não estuda sobre e com quem ainda não tem um olhar mais atento. Porque o consumo de carne e demais produtos está muito enraizado. Sempre foi feito assim”, analisa Bruna Dalla Costa. O debate sobre o assunto ainda gera muitos argumentos contrários, mas tem sido mais aceito nas rodas de conversa de todo o mundo.
No cotidiano de Priscila, são poucas as pessoas que questionam sua decisão. Algumas, inclusive, já cogitaram aderir ao estilo de vida. “Eu sinto que existe uma ideia fixa na cabeça das pessoas que, sem carne ou proteína animal, a gente vai adoecer. Não vou ficar dizendo que isso é certo ou errado. De minha parte o que posso dizer é que pratico esporte semanalmente, e nunca estive tão forte quanto eu estou agora, eu sinto mais prazer em preparar a minha própria comida e meu paladar ficou muito mais sensível. Eu gosto de montar meu prato, olho para o colorido e vejo nutrientes, antes eu só via calorias mesmo”, brinca a designer.
Muitas pessoas buscam o veganismo não apenas em compaixão aos animais ou ao planeta, mas também com o intuito de adquirir qualidade de vida. Há um ano, Bruna Dalla Costa montou seu próprio negócio de refeições veganas, a Nutrir com Amor, mostrando que é possível, sim, manter uma dieta balanceada apenas com produtos de origem vegetal. “Temos o público vegano por opção e aqueles por obrigação, os quais têm algum tipo de intolerância. Eu enxergo a intolerância como algo do tipo: ‘isso não é feito para você consumir, pare’”, analisa a empreendedora. Ainda conforme Bruna, diversas mães têm procurado a Nutrir com Amor para evitar reações adversas em seus bebês. “Tem muitos bebês nascendo já com intolerância à lactose. Esses seres já estão vindo sábios demais”, brinca.
Além dos produtos de origem vegetal, os alimentos preparados por Bruna são repletos de amor e cuidado, desde a primeira fase de produção. “O alimento é nossa energia. E se eu estou reclamando na hora de preparar, isso vai reverberar no alimento. Por isso eu cozinho com o intuito de que a pessoa se beneficie em todos os aspectos, físico, mental e emocional”, complementa.
Respeito a todos os seres e ao meio ambiente
Na visão de Bruna, o veganismo é uma forma de respeito a todas as formas de vida. “Nunca nos questionamos sobre matar outros seres para se alimentar porque fomos criados dessa forma. É o que a gente chama de ‘especismo’, o humano se achar superior aos outros seres”, comenta. Para a empreendedora, o sofrimento acontece em todas as etapas de produção dos alimentos de origem animal: desde o abate até a forma como os animais são mantidos. “As vacas, por exemplo, são colocadas enclausuradas a vida toda, apenas gerando leite. Os filhotes são afastados delas. É muita dor, é muito sofrimento”, desabafa. “Eu acho injusto, em função de um desejo do paladar, a gente esquecer de todo o resto. Alguns animais são colocados a vida toda para servir a gente de uma forma muito dolorosa. Então o veganismo representa a liberdade para os seres continuarem existindo, sem dor e sem sofrimento”, afirma.
A designer Priscila Trevisan utiliza uma frase de abertura do documentário “Terráqueos” para descrever sua opinião sobre o estilo de vida: se um ser vivo sofre, não existe justificativa moral para não levarmos em consideração esse sofrimento. “Mesmo para quem acha que é impossível parar de comer produtos de origem animal, eu acredito que podemos fazer escolhas melhores. Não podemos mais apoiar quem escraviza, prende, amontoa os animais como se eles fossem objetos. Causamos um sofrimento absurdo só pra que a carne tenha esse ou aquele sabor, não faz sentido nenhum. Enfim, estamos todos evoluindo aqui, no mesmo planeta. Não custa nada tentar”, declara.
Em relação ao meio ambiente, Bruna Dalla Costa ressalta que a criação de gado é um dos principais geradores dos gases do efeito estufa. “A gente sabe que o veganismo salvaria o planeta de várias formas, tanto em comida para todos, quanto em questão de poluição. Eu sinto que questões como a pandemia, por exemplo, vêm para que o pessoal diminua o consumo e olhe um pouco mais para isso”, analisa.
De acordo com a ONG Mercy for Animals, a pecuária atualmente é responsável por cerca de 15% do total das emissões de gases do efeito estufa. Além disso, conforme a ONU, mais de 80% do desmatamento entre 1990 e 2005 no Brasil foi provocado pela pecuária, incluindo áreas da Amazônia, do Cerrado e do Pantanal. Ainda conforme a Mercy for Animals, 79% de toda proteína produzida no país é transformada em ração, enquanto apenas 16% é destinada à alimentação humana.
“Uma sociedade vegana seria empática. Nós não seriamos mais tão egocêntricos a ponto de apenas olhar para os nossos desejos. Estaríamos olhando para o outro da forma como ele merece ser olhado”, acredita Bruna.
Onde encontrar produtos veganos?
Em 2007 o Armazém Fit Store surgiu no país com a proposta de levar alimentação saudável ao maior número de brasileiros. Entre as suas mais de 100 unidades, uma delas está presente em Bento Gonçalves, na rua Senador Joaquim Pedro Salgado Filho, 139, bairro Cidade Alta. Além de oferecer os mais variados tipos de produtos para diferentes dietas e restrições alimentares, o Armazém se dedica a atender o público vegano no país. “Desde nossa criação nos atentamos em suprir as necessidades do público vegano, tendo em vista que esse público encontra grande dificuldade com opções de alimentação fora de casa”, comenta a nutricionista e consultora comercial da rede, Júlia Lucena.
No local os clientes encontram chás, castanhas, chocolates e demais ‘snacks’ feitos à base de leite de coco e outros alimentos vegetais. O Armazém ainda conta com uma variedade de bebidas vegetais, proteínas veganas (carne moída, hambúrguer e almondegas feitas de grão de bico e outros tipos de vegetais), salgados e refeições congeladas.
“A busca por produtos veganos não é exclusivamente do público vegano estrito. Muitas pessoas que consomem, dão preferência por esses produtos por terem algum tipo de intolerância alimentar ou alergia. Um exemplo são nossos clientes que possuem alergia a caseína (proteína do leite), e vêm buscado alternativas veganas que, além de não conterem ingredientes de origem animal, são extremamente saborosas”, explica a nutricionista.
De acordo com a profissional, o mercado da alimentação saudável tem tido um salto desde 2016, com movimentos que buscam um estilo de vida mais equilibrado. “Como estamos vendo durante esse período de pandemia, os males causados por uma alimentação inadequada são fatores de risco, ou seja, a melhor prevenção é a que começa no prato”, afirma.
De acordo com a proprietária da filial em Bento Gonçalves, Luciana Mayer, o público vegano no município ainda é pequeno, também por ser uma loja nova na cidade. “Sempre importante lembrar que o veganismo tem um cunho filosófico também, então vai muito além da alimentação. Temos um público crescente, mas ainda não tão vasto. Cada vez mais as pessoas vêm pensando em se adaptar a essa nova realidade, de uma vida sem produtos de origens animais”, analisa.
Fotos: Arquivo pessoal