Bento-gonçalvenses superam as montanhas geladas da Patagônia
Ninguém disse que seria fácil, mas esta turma de corredores de Bento Gonçalves gosta mesmo é de desafios. No último final de semana, Marcelo e Dalila Ticiani, Catia Geremia, Diego Panazzolo, Clécio Razador, Fabiano Gatto, Rodrigo e Viviane Arcari e Sirlésio Carboni Junior viveram o que dizem ser a experiência mais eletrizante de suas vidas: correr nas montanhas geladas da Patagônia. Cada um escolheu a distância que mais desafiava seus limites: Clécio, Diego, Sirlésio e Rodrigo foram os mais ousados, percorreram 145km, 125km e 100km, respectivamente. Ainda da Patagônia, os atletas, que pertencem ao Bento Trail Runners, enviaram o relato para o SERRANOSSA dessa prova inesquecível, que rolou em San Martin de Los Andes, na Argentina.
“Foram 28h26 correndo. Valorizo cada minuto deste esforço”,
Clécio Razador, 145km
“Desde o momento da escolha da prova, sabia que não seria fácil e treinei para isso. Larguei para os 145km me sentindo muito bem física e emocionalmente. Sabia que teria, no percurso, dois pontos principais, que eram as duas montanhas maiores para subir – uma de 1.800m e outra de 1.700m. A primeira delas no km 60 e a outra no km 80. A principal qualidade de quem pratica nosso esporte é superar as adversidades e eu tive que fazer exatamente isso. No km 70 comecei a sentir um mal-estar terrível, não conseguia comer nada e até pensei em desistir. Mas não queria parar enquanto não chegasse na linha de chegada. E não parei! Conclui a prova em 28h26 e fui recebido com muita festa por todos meus amigos, valorizando cada minutos do meu esforço.”
“Teve trechos que engatinhei na terra e na neve”
Sirlésio Carboni Junior, 100km
“Foi muito esforço físico e mental para completar os 100km da Patagônia Run. Na largada, a temperatura era de 3ºC, às 21h30. Quando eu já havia feito 65km, o negócio começou a ficar feio: estava por vir mais de 4.000 metros de elevação prevista. Ainda teve 19km de subida até Cerro Colorado, chegada ao cume com -1ºC e depois uma descida alucinante de 700 metros. As pernas, no final deste trecho, já estavam destruídas. Foi então que começou a subida do Cerro Quilanlahue, que é totalmente vertical, com terra fofa, praticamente engatinhei, enfiando a mão na terra para ajudar na subida, a pior que já fiz na vida. No meio do trecho começou a nevar e a temperatura chegou a -3ºC no cume. Confesso que quando cheguei na base da montanha novamente me questionei se teria condições de continuar, estava muito quebrado e congelado. Dei uma descansada, deixei o corpo recuperar e continuei. A partir daí, a corrida rendeu mais e o dia amanheceu. Que alívio! Foram 10h30 correndo na escuridão, sozinho, um teste para a cabeça. A segunda parte da prova nos traz cenários espetaculares da Patagônia, o que ajuda a vencer os quilômetros finais. E após 16h59 de prova, cruzei a linha de chegada da minha primeira ultra de 100km na montanha, uma sensação que só quem investe tanto esforço e dedicação para esse objetivo pode entender. Foram várias as pessoas que me ajudaram a completar esta prova, e irei agradecer pessoalmente cada uma delas. Dedico essa corrida à minha família, que foi minha companhia em pensamento durante todo o percurso, amo vocês. Em especial à minha Pe, uma mulher incrível, que está sempre do meu lado me apoiando e nunca mede esforços para me agradar. Finalizando, não posso deixar de parabenizar todos integrantes da BTR que concluíram suas provas com sucesso. Vocês foram demais!”
“Foi a mais dura prova que já enfrentei”
Diego Panazzolo, 125km
“Foi uma prova inesquecível. O treinamento árduo nos últimos meses incluiu muitas madrugadas de treino, aliado a muito reforço muscular, e com isso abdicamos do lazer, do descanso, e da família. O desafio de encarar os 125km não se resumiu à minha maior distância já feita, mas à mais dura prova que já enfrentei, pelas intermináveis subidas e descidas de elevado grau de dificuldade, com altimetria acumulada de quase 5.000m. Com largada às 18h, nos dirigimos rumo às trilhas montanhosas da região patagônica, onde se passa uma verdadeira batalha de conciliar esforço físico, alimentação e hidratação, mas principalmente a necessidade de se manter psicologicamente bem, pois o corpo passa a enviar sinais de que precisamos parar, mas a mente nos faz seguir adiante. E nesse jogo, foram se passando os quilômetros, administrando a prova e de olho nos adversários, sabendo da minha até então terceira colocação geral, o que já era muito mais do que o esperado por mim, pelo nível da prova e dos atletas. Mas a calmaria foi quebrada, quando no km 97 da prova, fui ultrapassado por um adversário, o que fez com que a adrenalina tomasse conta do meu corpo, iniciando assim uma disputa tensa de posições. Isso fez eu imprimir um ritmo mais forte de prova, conseguindo ultrapassá-lo e, inclusive, ultrapassar o atual segundo lugar, assumindo assim esta posição até o final, onde cruzei a linha de chegada com 18h41 de prova, tomado de emoção e realização, ao encontrar minha esposa e filha me aguardando, e com a certeza do dever cumprido e um resultado surpreendente”.
“Foi desafiador para o corpo e mente”
Marcelo Ticiani, 42km
“Foi uma das provas mais legais que já fiz. Organização fantástica. Meu desafio começou em organizar os treinos com minha agenda de trabalho e família. Já havia feito 42km, mas não com tanta diversidade. Para completar essa prova é preciso, além de um bom condicionamento físico, um bom controle psicológico. São muitas as dificuldades. A notícia de que estava nevando no cerro colorado logo no início da prova deu uma adrenalina. Já na largada entrei na trilha. Primeiros quilômetros foram para controlar a ansiedade. Aí veio o mais temido e desafiador Cerro Colorado. Uma montanha gelada, toda branca, linda. Começo a subir, e visualizo alguns corredores já chegando ao cume. As mãos começavam a congelar, as passadas quebravam o gelo, e o desejo de chegar ao topo era enorme. Foi desafiador para o corpo e mente. Estava cansado. Ao chegar ao topo senti o que realmente é correr na Patagônia. Estava contemplando a vista achando que o maior desafio já tinha passado. Aí encontro um argentino e digo, muito linda a prova, e ele prontamente concorda e me diz “Sí, mas ahora comienza la carrera” (agora começa a corrida). Então logo em seguida fui entender o comentário, uma descida rápida, estreita e muito técnica, que castigou minhas pernas. E veio a água gelada, terreno com pedras e o cansaço da reta final. Enfim, a vontade de terminar era imensa. Quando avistei a chegada e vi minha filha esperando, foi gratificante. Uma felicidade plena de objetivo conquistado”.
“Essa prova ficará para sempre na memória”
Rodrigo Arcari, 100 km, e Viviane Arcari, 21km
“A distância de 100km, por si só, já é um grande obstáculo. As subidas intermináveis então, nem se fala. Mas para mim, a parte mais difícil foi enfrentar o frio. Embora estivesse bem agasalhado, passei frio durante toda a noite. Quando começou a nevar, a temperatura atingiu -3ºC. E a sensação térmica ficou ainda pior quando começamos a cruzar riachos e arroios no meio da madrugada. Apesar dessas dificuldades, consegui completar a prova antes do tempo que havia previsto. Correr na Patagônia foi uma experiência incrível, as paisagens são de tirar o fôlego (ou o que restava dele) e ficarão gravadas para sempre na memória”, diz Rodrigo. “Prova espetacular de 21km de muita subida, frio e superação. Acabei supersatisfeita e bastante motivada para voltar a esse lugar incrível e correr uma distância maior”, diz Viviane.
“Cada quilômetro tem a sua história”
Cátia Geremia, 42km
“Foi minha primeira prova de 42km e eu não poderia ter escolhido melhor local. Sabia que ia ser difícil, mas não tinha noção do que eu teria que passar. Subidas e descidas muito íngremes. O frio deixa de ser um problema e passa a ser a atração durante o caminho quando está nevando. As caminhadas servem para recuperar o fôlego, nessa prova você tem que ter fôlego para caminhar e continuar. Durante o tempo todo você pensa na família, nas preparações, nos colegas de equipe. Esses, que já haviam passado por aí, se já estava difícil com a luz do dia imagina durante a noite com apenas uma lanterna na cabeça. Um passo errado e tudo terminaria. Cada quilômetro tem a sua história, hoje eu tenho 42 novas histórias para contar e curti todas elas.”
“Testei todos meus limites”, Dalila Ticiani, 42km
“Já tinha feito uma maratona de asfalto e algumas provas de trilhas. Mas uma maratona em montanha, com temperaturas desafiadoras e paisagens incríveis, nunca. Sabe aquele nó na garganta e a pele arrepiada? Foi assim que fiquei na largada da Patagônia Run 2017, especialmente quando anunciaram que a largada seria adiada em 15 minutos devido à grande quantidade de neve no Cerro Colorado. Os primeiros quilômetros foram de adaptação até o primeiro posto de apoio. Depois vinha o temido Cerro Colorado, onde estava nevando, uma subida em torno de 1.750m. E que subida! Testei todos os meus limites aí. Vieram muitos pensamentos e tive que administrar a mente. Percebi que quando utilizamos a mente de forma correta podemos concluir qualquer desafio, seja ele na corrida nos estudos ou no trabalho. Quando cheguei no topo a emoção foi enorme pensei em tudo e agradeci, pela família, saúde, amigos, pela vida. Eu não fazia ideia de que teria muito ainda pela frente. Aí começou uma descida infernal de queimar a musculatura. Atravessar rio com a água no joelho em uma temperatura congelante, escorregar no barro, espinho na mão, tudo que uma prova dessas tem. E veio o cansaço, vontade de chegar logo. Então a linha de chegada com os amigos, minha filha e o marido que já havia terminado os 42km essa imagem foi minha medalha.”