Bento Gonçalves organiza força-tarefa para evitar novas questões trabalhistas
No final da safra da uva de 2023, 207 trabalhadores, a maioria oriunda da Bahia, foram resgatados de trabalho análogo à escravidão em um alojamento em Bento Gonçalves
Com o final do ano chegando, mais uma época de safra da uva se aproxima em Bento Gonçalves e região. Contudo, esta nova safra deve também conter novidades nas questões trabalhistas. Em 22 de fevereiro de 2023, quando se aproximava o final daquele período de muito trabalho, 207 homens, a maioria oriundos da Bahia, foram resgatados de situação análoga à escravidão em um alojamento, no bairro Borgo, em Bento Gonçalves.
O caso mobilizou governo municipal, estadual e federal, tendo na cidade a presença do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, e do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, para debater questões de trabalho digno. Até hoje, o empresário Pedro Oliveira Santana, responsável pela contratação dos trabalhadores via empresa terceirizada, nega as acusações.
Para que a mancha na história de Bento e no setor vitivinícola não volte a se repetir, o Executivo tem se mobilizado. No dia 19/10, as secretarias de Esportes e Desenvolvimento Social e Saúde, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (IPURB), agentes da Guarda Civil Municipal (GCM), Brigada Militar (BM) e Corpo de Bombeiros realizaram uma verdadeira força-tarefa.
De acordo com o prefeito de Bento Gonçalves, Diogo Siqueira (PSDB), o município não pode permitir que o caso se repita. “Esse episódio foi provocado por uma empresa terceirizada, que prejudicou toda uma cadeia produtiva e também a imagem de nosso município. E não podemos permitir que aconteça novamente. Por isso, criamos um extenso plano de ação em conjunto com as demais autoridades locais. Intensificamos a fiscalização de espaços com característica de alojamentos. A nossa meta é garantir a qualidade das condições e o bem-estar dos trabalhadores e, também, dos cidadãos de nossa cidade. Este é um compromisso nosso. Um compromisso com a nossa história”, disse ao SERRANOSSA.
Para Siqueira, a prevenção é a ação pré-safra. “Estamos intensificando ações de fiscalização em locais com característica de alojamento, atuando preventivamente para minimizar o risco de qualquer situação que fuja à regularidade. Estamos ao lado do agricultor, do trabalhador, da história de Bento Gonçalves.”
Na ação do dia 19 de outubro, seis locais, que atendem por pousadas ou alojamentos de trabalhadores, foram fiscalizados. Segundo o Executivo, três dos estabelecimentos, com característica de alojamento, foram notificados para realizarem adequações sanitárias e de alvarás. Em um dos locais fiscalizados, três menores de idades foram encontrados em situação de vulnerabilidade e entregues ao Conselho Tutelar municipal.
Reunião com entidades
No dia seguinte à operação, 20/10, prefeito e representantes da Indústria, Sindicato dos Trabalhadores, patronal e da uva e do vinho se reuniram para tratar de novas ações. Os setores apresentaram as iniciativas já realizadas, principalmente, relacionadas à orientação dos agricultores sobre a legislação trabalhista para contratação dos trabalhadores para a safra.
A presidente do Centro da Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC-BG), Marijane Paese, destaca que a entidade tem colaborado com as empresas locais. “O CIC-BG trabalhou, ao longo de todo ano de 2023, com a realização de ações de orientação para as empresas locais acerca do tema da terceirização, facilitando o acesso a informações sobre legislação trabalhista, cumprindo seu papel enquanto entidade representativa dos setores produtivos e fomentadora do desenvolvimento socioeconômico na região. As entidades setoriais também tiveram e estão tendo uma atuação bastante dedicada com relação ao tema, contando com o apoio do CIC-BG em diversas iniciativas com essa finalidade”, afirmou ao SERRANOSSA.
De acordo com Siqueira, o Executivo tem conversado constantemente com as empresas, visando que melhorias e cuidados estão sendo tomados antes que a safra se inicie. “Estamos em contato permanente e acompanhando desde o início o trabalho realizado pelas empresas, que se comprometeram com aperfeiçoamentos internos e intensificaram ações para o período da safra”, disse.
Aprendizado
O caso dos trabalhadores resgatados teve repercussão nacional. Bento Gonçalves e sua cadeia produtiva sofreram um baque. Não nos negócios, mas na credibilidade. Desde o começo, governos, políticos e entidades reforçaram que está era uma questão isolada, pontual. Que o vinho de Bento e região não era fruto de trabalho escravo.
Na visão do prefeito da cidade, o caso deixou algumas lições. “Episódios como este, mesmo que pontual, deixam inúmeras lições para todos. De nossa parte, como Poder Público, estamos atuando antecipadamente para garantir que nenhum fato se repita, fortalecendo a fiscalização e a orientação a todos envolvidos. Isso preserva tanto os trabalhadores, como todo o setor vitivinícola. Aliás, outra lição deixada é que não se pode, em função de um fato isolado, estigmatizar uma comunidade inteira, que tem orgulho de acolher bem a todos que aqui chegam”, finalizou.