Bento inicia atendimento psicológico para famílias de vítimas da COVID-19

Tudo mudou com a disseminação do novo Coronavírus, inclusive a forma de as pessoas se despedirem de familiares e pessoas queridas. Em caso de morte de pacientes com a confirmação ou mesmo com a suspeita da doença, não é permitida a realização de velórios, sendo a vítima mantida em caixão lacrado. Mesmo as mortes não relacionadas à pandemia, há que se preservar uma distância segura em velórios, sem manter contato físico, ou seja, sem abraços de consolo. “O luto tem um importante papel no processo de reorganização emocional, intelectual e social. A COVID-19 traz consigo uma característica que potencializa esse sofrimento. Os familiares não têm condições de participarem de uma forma natural daquilo que compreendemos como um rito de passagem, de despedida simbólica, que são os velórios e funerais em seu modelo culturalmente tradicional”, analisa o coordenador de Saúde Mental de Bento Gonçalves, Maurice Bouwary.

A falta da oportunidade de uma despedida tem gerado sentimentos de frustração e intensificado a dor da perda diante da pandemia. Com isso, o setor decidiu disponibilizar um serviço especial para ajudar as famílias das vítimas da COVID-19: o atendimento psicológico. Por meio de ligações telefônicas, uma equipe especializada entra em contato com os familiares dos pacientes que não resistiram, prestando suporte emocional. “Os contatos começaram efetivamente na segunda-feira, 03/08. As abordagens são efetuadas neste momento por via telefônica, seguindo os protocolos dos processos de trabalho que uma escuta terapêutica convém, através da condução que o psicólogo entender ideal frente às particularidades subjetivas de cada usuário”, explica o coordenador. 

Ainda segundo Bouwary, a elaboração do luto é fundamental para manutenção do equilíbrio psíquico, por isso a falta de um “ritual” de despedida pode intensificar a dor da perda. “A experiência do campo terapêutico nos mostra que, nos casos em que a morte se dá por uma via súbita, inesperada, a elaboração dessa perda será mais complexa. O nosso papel é podermos oferecer, enquanto profissionais de saúde mental, algum suporte afetivo para essas pessoas que ficam”, afirma. 

Projetos de apoio

Além do Poder Público, a iniciativa privada tem elaborado ferramentas eficazes para dar suporte às famílias das vítimas da pandemia. Em parceria com a funerária São José (Grupo L. Formolo), a psicóloga Franciele Sassi tem atendido os familiares gratuitamente, auxiliando por meio de conversas e orientações. Dessa forma, quem utiliza o serviço da funerária e que teve perdas em decorrência da COVID-19 é automaticamente encaminhado para atendimento com a profissional, que oferece entre 4 a 5 consultas de orientação e acompanhamento. “Não se trata de uma psicoterapia, mas de aconselhamento no luto, como forma de conversar, informar e orientar os familiares sobre sentimentos, emoções, reações, quais os próximos passos e o que pode ser considerado esperado no luto, por exemplo. Se nós avaliamos que a cada perda, minimamente, quatro pessoas ficam enlutadas, então muitas pessoas puderam ser amparadas direta ou indiretamente até o momento. É um trabalho de sementinha, mas que é capaz de florescer de um jeito transformador”, declara. 


Psicóloga Franciele Sassi fechou parceria com o Grupo L. Formolo para atender gratuitamente famílias de pacientes mortos pelo vírus
 

Como superar sem se despedir?

De acordo com a psicóloga Franciele, especialista em luto e perdas, não há fórmulas específicas para ajudar uma pessoa a superar o luto. “O caminho é sentir, apropriar-se das emoções e dar valor a elas, pois a dor é real e é assim que se encontram formas para conviver com a realidade da perda. Permitir-se sentir, chorar se for o caso, assim como buscar formas de enfrentamento que não forcem demais a realidade da perda e a necessidade de ficar bem a todo custo. Que seja de um jeito confortável e dentro dos limites de cada um, não esquecendo dos laços construídos com todos aqueles que a pessoa ama e que partiram”, analisa. 

Nesse contexto, a profissional também ressalta a importância dos rituais espirituais e religiosos para homenagear a pessoa querida e buscar conforto em amigos e familiares. “Os rituais são importantes, pois são lugares que damos para aqueles que amamos tanto fora quanto dentro da gente. Além disso, servem de reconhecimento e validação social, pois ajudam as outras pessoas a terem empatia e acolhimento com os familiares”, explica. Devido às restrições da pandemia, Franciele sugere novas formas de fazer cerimônias de despedida. “Isso pode ser feito no próprio espaço da casa, contando com os recursos que temos disponíveis hoje, como chamadas de vídeo, que possibilitam o contato entre aqueles que não podem estar juntos fisicamente. Também ajuda acender uma vela, colocar uma flor, recordar o ente querido a partir de fotos, contar histórias que tragam vida e alegria mesmo em meio à dor, lembrar dos legados deixados por aqueles que partiram”, aconselha.