Bento registrou 15.273 infrações de trânsito até setembro, apontam dados do Detran

Bento Gonçalves não é apenas conhecida por suas belas rotas turísticas, marcadas por extensos parreirais e por vinícolas de renome. Entre os próprios bento-gonçalvenses e entre moradores das cidades vizinhas, o município também leva a fama por sua cultura no trânsito. Não ligar o pisca, passar em sinal vermelho, estacionar em locais proibidos e não respeitar a faixa de pedestres são algumas das infrações mais comuns constatadas pelos motoristas que dirigem na cidade. De acordo com o Detran, até setembro deste ano foram registradas 15.273 infrações de
trânsito no município – cerca de 56 por dia. O número representa 620 infrações a mais do que aquelas registradas em todo o ano passado. Além disso, é quase 130% maior que as autuações registradas no mesmo período em Bagé, cidade gaúcha com praticamente o mesmo número de habitantes e com frota de apenas cerca de 10% menor.


Imagens de infrações são compartilhadas diariamente nas redes
sociais e, muitas vezes, viram memes na Internet. Fotos: Reprodução/Facebook

Na área urbana, até outubro, foram 5.044 infrações, de acordo com dados do Departamento Municipal de Trânsito (DMT). Até novembro, na BR-470, a Polícia Rodoviária Federal (PRF) já registrou cerca de 7 mil autos de infrações – sem contar aquelas de radar. Ainda conforme o DMT, na área urbana as principais autuações dizem respeito à passagem em sinal vermelho, ao uso do celular ao volante e à falta de licenciamento.

Mas o que leva Bento Gonçalves a ser conhecida por seu desrespeito às leis no volante? Na visão dos instrutores de cursos especializados de trânsito do Sest Senat, Evandro Colognese e Maurício Farias, um primeiro ponto que deve ser analisado é a estrutura da área urbana. “As ruas foram projetadas de forma que não comportam todo o fluxo de veículos existente hoje na cidade. Segundo a secretaria de Mobilidade Urbana, hoje nós temos dois veículos por habitante”, ressalta Farias. Apesar disso, os profissionais concordam que o grande responsável é aquele que está atrás do volante, que se diferencia pela cultura criada no município. “A gente aborda em sala de aula que o motorista de Bento, fora de Bento, é diferente. Aqui, ele anda em uma velocidade maior e não respeita certas sinalizações”, continua o instrutor.


Estacionar em local proibido, como o flagrante deste veículo na parada de ônibus, é uma das infrações mais recorrentes. Foto: Júlia Milani

Colognese, que reside em Carlos Barbosa, consegue levar um exemplo prático para seus alunos em sala de aula: “Para nós [de Carlos Barbosa] parar na faixa de segurança é regra. E lá só temos a sinalização horizontal. Em Bento, mesmo com a sinalização vertical, os motoristas não respeitam a faixa”, analisa.

Na visão dos instrutores, os motoristas de Bento acabam seguindo a máxima de que “todos fazem”, copiando a atitude do outro no trânsito, a qual é repassada de pais para filhos. “Vejo muito aqui a falta de direcionamento de faixa, o motorista não se coloca no lugar certo. Se a faixa horizontal está dizendo para ficar à direita, ele fica na esquerda, depois pula para a direita”, cita Evandro. “Me parece que o condutor de Bento quer sempre levar vantagem”, complementa.

Para Farias, também é possível notar um comportamento diferente do motorista quando ele está atrás do volante e quando assume o papel de pedestre ou passageiro. “Quando motorista, exige que o pedestre passe pela faixa. Mas quando é pedestre, não passa. Quando é passageiro, não coloca o cinto de segurança”, cita. “Falta de conhecimento sabemos que não é”, continua. 

Como mudar o comportamento?

Durante suas aulas, os instrutores revisam todas as normas gerais de circulação e conduta presentes no Código Brasileiro de Trânsito, a fim de conscientizar os futuros motoristas especializados. “Sempre coloco aos alunos a questão da educação, de querer fazer um pouco a mais, 10% a mais. Se agirmos 10% a mais de forma correta, já não reduziríamos muito essas 15 mil infrações? “, questiona.

Para os instrutores, a educação no trânsito deveria ser um tema de maior atenção dentro da educação básica dos jovens. Isso porque, atualmente, os adolescentes completam 18 anos e já procuram o Detran para a sua primeira habilitação. “É ali que o poder público poderia trabalhar esse futuro condutor, estamos perdendo muito esse campo”, analisa Colognese. “Se pegarmos a lei de diretrizes básicas da educação, ela reforça que a educação tem que ser um ato contínuo em todos os níveis, inclusive no trânsito. Mas raramente nos permitem entrar nas escolas, nos solicitam apenas em setembro, no dia do motorista, e em maio, no Maio Amarelo, e o restante dos meses? É uma questão de estar sempre reforçando, batendo na mesma tecla, ou com campanhas, ou com a abertura para que a gente possa entrar nas escolas e falar sobre trânsito”, complementa Farias.


Instrutores de cursos especializados de trânsito do Sest Senat, Evandro Colognese e Maurício Farias, apostam na conscientização nas escolas para mudar realidade do trânsito local. Foto: Eduarda Bucco

Por fim, os instrutores ressaltam que é necessário fazer os condutores entenderem que cometer infrações é errado e que culpar o excesso de fiscalização não é a solução. “Os alunos costumam se referir aos pardais, por exemplo, como a indústria da multa. Então eu falo: ‘vamos quebrar essa indústria? Respeitando as leis de trânsito?’. Porque o código brasileiro veio para humanizar o trânsito, mas para isso precisa do nosso compromisso enquanto ser humano”, finaliza Farias. 

O trânsito é um espaço coletivo, que exige respeito, empatia e tolerância, alerta psicóloga

O desrespeito às leis de trânsito, a pressa e a intolerância são fatores que podem levar a situações extremas de estresse e acidentes. Na opinião da psicóloga Renata Rigon Cimadon, o principal motivo de conflito no trânsito está ligado à impotência em relação à presença do outro. “No trânsito passamos por situações que nos dificultam e até nos impedem a mobilidade “livre” como desejaríamos. E não é livre sem regras e leis, mas é livre no sentido que não podemos, por exemplo, controlar a velocidade do outro. O que podemos fazer se o carro da frente está a 20km
por hora e nós temos pressa?”, exemplifica.


Renata Rigon Cimadon – Psicóloga Clínica e Escolar. Foto: Divulgação

Diante de situações como essa, muitos motoristas acabam tendo comportamentos inadequados e prejudiciais à boa fluidez do trânsito. “’Grudar’ no carro da frente, buzinar quando algo ocorre diferente do que gostaria, ultrapassar pelo lado errado causando maior risco de acidente, além de gestos e gritos para outros condutores”, cita. Na visão da psicóloga, todos esses comportamentos podem ter uma raiz comum: a intolerância.

Por conta disso, a rotina de uma pessoa que já vinha preocupada ou estressada por outras questões, ou que já tem uma personalidade mais agressiva e/ ou ansiosa, pode se tornar ainda mais difícil. “Se uma pessoa já está estressada, acaba se estressando mais ainda se passar por alguma situação desagradável no trânsito. E o estresse em níveis muito altos pode causar brigas entre condutores e até acidentes graves”, alerta.

Para Renata, a pressa característica dos dias atuais reforça comportamentos que visam ganhar tempo no trânsito. “Isso faz com que muitas pessoas queiram andar mais rápido, se irritando com facilidade com quem anda mais devagar. Ou, ainda, algumas pessoas aproveitam o trânsito para fazer outras tarefas, como responder mensagem pelo celular”.

A psicóloga finaliza dizendo que a melhor forma de evitar situações desagradáveis no trânsito é buscar a conscientização, “no sentido de lembrar ou reconhecer que o trânsito é um espaço coletivo e compartilhado que exige respeito, empatia e tolerância. Assim como organização, pela questão do tempo e possíveis imprevistos”, conclui. 

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