Bento terá comitê e cadastro de imigrantes

Para tentar dimensionar e organizar o mais recente movimento imigratório ao qual Bento Gonçalves foi submetida, a cidade deverá implantar, ainda neste ano, um comitê que identificará necessidades e traçará ações voltadas aos estrangeiros. Antes disso, ainda no dia 27 de setembro, entidades de vários setores da sociedade promoverão um mutirão para cadastrar os novos moradores, que vieram de nações como o Haiti, na América Central, e Gana e Senegal, na África. A atividade ocorrerá na secretaria municipal de Habitação e Assistência Social (Semhas).

As duas definições resultaram de uma audiência pública promovida pela Justiça Federal no último sábado, dia 2. O encontro teve uma participação expressiva de imigrantes, que expuseram algumas de suas demandas. Entre os pedidos mais urgentes, solicitaram apoio para agilizar o aprendizado da língua portuguesa e para providenciar documentos a fim de manter sua situação regularizada no país. 

Mas eles também apresentaram outras situações que ainda complicam sua nova vida, como preços de aluguéis e exigências para contratos de moradia, dificuldades com câmbio e casos de racismo e exploração por, muitas vezes, desconhecerem seus direitos. “Nosso objetivo é ajudar a organizar o atendimento jurídico, humano, social e cidadão a essas pessoas que agora vivem aqui. O comitê vai poder gerir essas políticas públicas. Se um dos maiores problemas é a língua, temos que pensar na possibilidade de que a rede pública ofereça aulas”, afirma a juíza federal Luciana Dias Bauer, que coordenou a audiência.


Associação

Com cerca de 300 integrantes, a Associação de Direitos Humanos de Imigrantes Contemporâneos é um dos primeiros frutos concretos da mobilização dos estrangeiros que se instalaram em Bento. Ela deve ser um dos elos mais importantes para o cadastramento e a criação do futuro comitê, que, depois de planejado, deverá ser estabelecido por decreto. “Nós trabalhamos e sempre queremos melhorar. Mas ainda precisamos de ajuda, principalmente para aprender português. A ideia do comitê é muito boa”, avalia o vice-presidente da associação, Mistrale Lozin.

Outro ponto que foi abordado por Lozin é o pouco reconhecimento da formação que muitos trazem na bagagem, em vários casos até de nível superior, que nem sempre é aproveitada, fazendo com que muitos se dediquem a serviços gerais. “Esse lado ainda é pouco valorizado por aqui”, afirma. Também não ficaram de fora da pauta as ocorrências de discriminação, que, segundo ele, ainda são frequentes. “É claro que tem muitas pessoas racistas, mas, mesmo assim, nos sentimos bem aqui. As pessoas têm que entender que a pele pode ser branca ou preta, mas o sangue de todos é igual”, conclui Lozin.

Não apenas mão de obra

Representando a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), o coordenador da Regional Sul 3 do órgão, padre João Marcos Cimadon, destacou a necessidade de não se tratar a chegada dos imigrantes – que de 2010 a 2014 foram mais de 750 mil no país – como uma “invasão”. Mais do que isso: para o religioso, é essencial que os estrangeiros não sejam vistos apenas como força de trabalho e passem a ser respeitados como cidadãos. “O grande desafio da sociedade é mudar essa visão ultrapassada de que eles são apenas mão de obra. São seres humanos e o crescimento de Bento, que avançou graças a outros imigrantes no passado, continuará agora com a participação deles. E não se preocupem, porque esse movimento vai aumentar ainda mais”, diz o padre.


Casa Misturada

Durante a audiência, o projeto intitulado Casa Misturada, criado pelo haitiano Widmayer Napoleon para auxiliar outros imigrantes e já divulgado em reportagem do SERRANOSSA, foi novamente apresentado. Napoleon tem 24 anos, cursa faculdade de Administração de Empresas e vive em Bento Gonçalves há mais de dois anos e meio. Agora, busca auxílio para executar a proposta, que terá como principal foco a educação, oferecendo cursos nas áreas de Língua Portuguesa, Cultura Brasileira e Relações Interpessoais. Segundo a secretária de Habitação e Assistência Social, Rosali Faccio Fornazier, a prefeitura deverá apoiar o projeto e contratar dois ou três estrangeiros para ajudar a intermediar ações voltadas aos imigrantes.


Documentação

Há um ano no Brasil, Fanio Sainrilus  já vive e trabalha em Bento Gonçalves há mais de quatro meses. Mora com outras três pessoas, incluindo o primo Aprive Inoquant, que chegou há pouco mais de um mês ao município. Antes, Sainrilus passou por Tabatinga e Manaus, no Amazonas, e por Porto Alegre. 

Mas é em Bento, onde está empregado em uma empresa do ramo da construção civil, que ele afirma querer continuar residindo e trabalhando, embora espere, desde a sua entrada no Brasil, por um visto permanente. Sem o documento, Sainrilus teme não poder visitar a família no Haiti – como pretendia fazer em breve – e retornar sem entraves diplomáticos. “Não sei quando vou conseguir, até agora não tenho nada”, lamenta o haitiano. “Estou gostando muito daqui, quero ficar, mas queria ver minha família, porque a saudade é grande”, completa.

Reportagem: Jorge Bronzato Jr.


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