Camelôs e artesãos não querem deixar a rua

A prefeitura iniciou, há alguns dias, a discussão para realocação de camelôs e artesãos de rua que vendem seus produtos principalmente no Centro de Bento Gonçalves. A proposta do Poder Público – que já se reuniu com representantes do primeiro grupo no último dia 17 – é que, juntos, eles passem a ocupar um prédio comercial também na área central, provavelmente na rua Marechal Floriano. A indicação de mudança, entretanto, já não foi bem aceita pelos donos das 11 bancas no primeiro debate.

Segundo os próprios comerciantes, a administração acenou com a possibilidade de pagar o aluguel do novo espaço por quatro anos. O custo seria de pelo menos R$ 10 mil mensais, o que representaria, ao final do período proposto, um gasto de quase R$ 500 mil por parte do governo municipal, sem considerar eventuais reajustes. Depois desse tempo, o valor ficaria por conta dos vendedores. Mesmo assim, os camelôs se mostram irredutíveis à ideia de deixar a rua.

Os artesãos instalados nos arredores da praça Bartholomeu Tacchini, com quem a prefeitura ainda não se reuniu, também argumentarão a favor da permanência ao ar livre. No caso deles, a sugestão apresentada será a de remodelação das barraquinhas e a ocupação organizada do espaço de lazer, liberando a calçada onde hoje expõem suas mercadorias.

De acordo com o secretário de Desenvolvimento Econômico, Neri Mazzochin, um dos principais motivos para discutir a alteração são questões ligadas à mobilidade urbana, já que os grupos estão em trechos de rua ou passeio público. Mas, segundo ele, também estão entre os objetivos da proposta apresentada pela administração “garantir melhores condições de trabalho, segurança, higiene e bem-estar aos envolvidos”. “O município vem trabalhando com esta possibilidade de forma democrática, já que não há uma definição conclusiva para tal demanda”, informou, por e-mail, o secretário. Mazzochin afirma ainda que o modelo a ser seguido é o adotado em cidades maiores, como Caxias do Sul.

Diálogo

Articulador da discussão com a prefeitura, o camelô Jéferson Pereira, que atua no ramo há 37 anos, ressalta que ainda é possível que as duas partes, por meio de diálogo, encontrem outra solução que não seja a transferência para um local fechado. Ele mesmo chegou a sugerir a realocação de pelo menos três bancas como alternativa – uma, instalada na rua Marechal Deodoro, seria deslocada para a praça Walter Galassi, onde outras duas passariam a ocupar pequenas áreas de canteiro. “Queremos que fique bom para o município e para nós, mas não podemos sair da rua. Esse lugar que nos ofereceram não é adequado, nem foi projetado para a gente. Ninguém gostou, porque não é uma proposta justa. Nosso público é esse que passa aqui e, na maioria, das vezes, compra por impulso”, diz Pereira.


“Ninguém vai entrar lá”

Camelô há 23 anos, Rosalina Caron Bigolin, também defende a permanência na rua, embora reconheça que algumas alterações possam ser discutidas. “Se for para a gente se organizar melhor, isso eu concordo. Mas sair daqui, não. Não adianta nos colocarem em um lugar fechado, ninguém vai entrar lá. E depois dos quatro anos, se a gente não conseguir pagar o aluguel, como fica?”, questiona a vendedora. Por ano, ela e os outros 10 colegas de trabalho, regulamentados por lei municipal em agosto de 2003, desembolsam atualmente quase R$ 1 mil em alvará.

Artesãos propõem se integrar à praça Bartholomeu Tacchini com novas barracas

Há 14 anos vendendo seus produtos manufaturados na cidade, Charles Provensi entende que o primeiro passo para que a prefeitura possa conduzir discussões sobre mudanças no trabalho de artesãos e camelôs é debater o assunto de forma distinta com os dois grupos, cada um com seus representantes, opinião que segundo ele também é compartilhada pelos demais companheiros da Associação dos Artesãos de Rua de Bento Gonçalves. “É uma falta de bom senso querer misturar as duas classes, principalmente porque temos públicos muito distintos. É como querer misturar uma farmácia e um mercado, como as coisas eram antigamente”, afirma.

À espera de que o Executivo os chame separadamente à mesa de negociação, os integrantes da associação pretendem apresentar, como alternativa, uma proposta para que não sejam retirados das proximidades da praça Bartholomeu Tacchini. Pelo contrário: o que eles sugerem é uma reformulação nas barraquinhas em que hoje dispõem suas mercadorias ao público, que poderiam ter uma estética ligada a aspectos locais, e, especialmente, sua transferência para o interior da praça. “Nós entendemos e aceitamos que a cidade precisa evoluir, mas esperamos que o Executivo municipal realmente possa nos escutar para realizar mais essa etapa da evolução do artesanato de rua da nossa cidade. Queremos nos encaminhar para uma melhor estrutura e essa pequena transformação, nos integrando à praça, poderia servir de exemplo a muitas outras cidades. Ficaria bom para a gente e bonito para a cidade. Nós precisamos estar na rua, em lugares visíveis, e não vamos abrir mão disso. Não vamos aceitar ir para um lugar fechado, isso seria um verdadeiro suicídio existencial, porque vai contra tudo que a Associação defende”, acrescenta.

De acordo com o artesão, a única solicitação da prefeitura, ainda em 2007, foi que ele e os companheiros não expusessem mais seus produtos no chão. Com doação de um empresário, conseguiram as tendas utilizadas hoje, e que após o horário de trabalho ficam guardadas em um espaço alugado e pago por eles no Centro. Por conta própria, todos os associados também se registraram como microempreendedores individuais. “Nós estamos sempre em busca de um crescimento como cidadãos e trabalhadores. Mudamos em 2007, como nos pediram, mas estamos em 2014 e não temos nem sequer energia elétrica para poder trabalhar melhor. Se for para fazer uma mudança, que seja uma mudança decente, pensando no que precisamos e não apenas no que eles desejam”, conclui Charles.

Reportagem: Jorge Bronzato Jr.


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