Caso Kasmiriski: acusado pode não ir a júri

Um dos casos de atropelamento mais emblemáticos de Bento Gonçalves, o dos irmãos Kasmiriski – Itamar, na época com 18 anos de idade, Willian, 16, e Rodrigo, 14 –, ocorrido em 11 de abril de 2009, teve uma decisão importante na última semana. A juíza Fernanda Ghiringhelli de Azevedo optou por não pronunciar o réu e desclassificou o crime de homicídio simples de dolo eventual, sustentado pelo Ministério Público, passando a tratar o caso como crime culposo de trânsito. Com isso, o acusado, Cledson Martins de Matos, pode não ser julgado pelo Tribunal do Júri. 

Na última quarta-feira, dia 17, o promotor do Ministério Público Eduardo Só dos Santos Lumertz entrou com recurso no Tribunal de Justiça do Estado contra a decisão. Ele alega que indícios como a velocidade do caminhão na hora do atropelamento e a falta de cuidados com a manutenção dos equipamentos nele instalados devem ser levados em conta e caracterizam dolo eventual. Lumertz espera que o julgamento do recurso ocorra ainda neste ano.

A sentença

Na sentença desclassificatória, proferida no último dia 12, a juíza Fernanda Ghiringhelli de Azevedo descreve que não se trata de uma impronúncia, devido às provas apresentadas e aos indícios da autoria. “Assim, apesar da negativa de autoria por parte do réu, não se pode afastar, com segurança, nesse momento, a autoria que lhe é imputada, pois há alguns elementos de prova de seu envolvimento nos fatos, tais como o depoimento do delegado de polícia Álvaro Pacheco Becker e de uma testemunha, sendo que o próprio acusado referiu, na fase policial, ter desconfiado que poderia ter sido o causador do acidente, tanto que telefonou para policial rodoviário a fim de que se procedesse a vistoria no caminhão que conduzia no momento dos fatos”, diz parte da sentença. Fernanda ainda explica que o dolo eventual se configura em uma conduta, tanto lícita quanto ilícita, que gera um resultado típico, que o agente da conduta inicial podia prever e, mesmo assim, não deixou de praticar, aceitando o resultado que poderia ocorrer. No entendimento da juíza, o réu agiu de forma culposa, ou seja, teve uma conduta sem as cautelas necessárias, sem o competente dever de cuidado, ou seja, atuou com negligência, imprudência ou imperícia. 

Conforme dados do processo, os irmãos teriam sido atingidos por uma haste que se soltou de um caminhão guincho que trafegava pela ERS-444, próximo ao acesso ao bairro Barracão. A situação também aparece descrita na sentença assinada pela juíza: “a denúncia incute ao réu a conduta de não ter verificado se a mencionada haste havia sido encaixada em sua base (repouso), mesmo sabendo da necessidade de fazê-lo, já que era o responsável pela manutenção dos veículos da empresa. Claro está, portanto, que tal conduta […] foi produzida de forma negligente, figura essa que, como acima referido, é sabidamente caracterizadora de culpa, não tendo a instrução processual demonstrado que o réu tenha aceito como possível o resultado morte das vítimas, e, menos ainda, não se importado com sua ocorrência”, salienta.

A magistrada destaca que o réu procurou espontaneamente os agentes da Polícia Rodoviária logo após o ocorrido, para que o veículo fosse vistoriado por eles, demonstrando não ter ficado indiferente às mortes. “Não se desconhecem as gravíssimas consequências dos fatos – morte de três jovens irmãos, cuja comoção, como não poderia ser diferente, tomou conta da sociedade bento-gonçalvense. Contudo, deve o magistrado, sempre, decidir à luz da legalidade, sob pena de instalar-se a insegurança jurídica, altamente prejudicial à mesma sociedade que, por vezes, clama por punição severa. Nesse viés, não se desconhecendo o clamor social, muito menos a dor dos pais das vítimas, que perderam, de uma só vez, e inesperadamente, seus três únicos e jovens filhos, deve o magistrado, ao apreciar as provas, agir de forma isenta, pois somente assim estará prestando um real serviço à sociedade e cumprindo seu mister de modo imparcial”, ressaltou. “Destaque-se, ainda, que se está julgando a conduta (se dolosa ou culposa) do acusado, e não as consequências dessa conduta que, como já referido, foram gravíssimas”, acrescenta. 

Ao final do documento, a juíza relata que a Legislação Brasileira aborda este tipo de crime de uma forma diferente do que a sociedade espera, e que ela, como magistrada, não pode tratá-lo como sendo doloso, cuja pena é maior, quando a lei o considera culposo. 

Relembre o caso

Por volta das 20h do dia 11 de abril de 2009, os irmãos Itamar, Willian e Rodrigo Kasmiriski foram atropelados quando caminhavam em fila no acostamento no quilômetro 4 da ERS-444, em uma estreita faixa de asfalto que fica entre o guard-rail e a pista. Moradores do bairro Barracão, eles caminhavam em direção à Associação Bento-gonçalvense de Cultura Tradicionalista Gaúcha (ABCTG), a cerca de um quilômetro da casa onde residiam com os pais, para participarem de um evento automobilístico. A Polícia Civil instaurou inquérito para apurar as causas e apontar a autoria do crime. Depois de seguirem várias pistas falsas, os investigadores juntaram informações que levavam a um suspeito com base nos depoimentos de testemunhas. Elas afirmaram que viram um caminhão guincho, momentos antes do atropelamento, trafegando pela rodovia no sentido Farroupilha/Barracão, após ter saído da ABCTG. O suposto condutor do veículo foi identificado como Cledson Martins de Matos e indiciado pela morte dos irmãos. Na época, a perícia realizada pelo Instituto Geral de Perícias (IGP) demonstrou que a haste de sustentação do guincho, que apresentava um defeito na trava, saiu da posição de recuo durante o percurso e atingiu os jovens. As lesões encontradas nos corpos eram condizentes com a altura do equipamento. O motorista justificou que não parou para prestar socorro, pois não percebeu ter atropelado alguém, embora tenha visto os irmãos quando passou por eles e escutado um barulho em seguida.

Reportagem: Katiane Cardoso


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