Ciclistas de Bento Gonçalves pedalam mais de mil quilômetros em desafio na França
Antônio Roberto Zaffari, de 42 anos, e Wilson Moro, de 38 anos, pedalaram, ao todo, 1.200 quilômetros, durante prova que durou quase 90 horas
Dois ciclistas de Bento Gonçalves estiveram representando o município no Paris-Brest-Paris, considerado o evento de ciclismo de estrada mais antigo do mundo. Antônio Roberto Zaffari, de 42 anos, e Wilson Moro, de 38 anos, percorreram, ao todo, 1.200 quilômetros em cima de suas bicicletas, pelas rodovias de Paris, na França.
Este ano, o maior encontro internacional de ciclismo contou com quase 7 mil participantes, sendo 134 brasileiros. Deste número, 14 eram mulheres. Todos deram largada no dia 20 de agosto, por volta das 18h. O período máximo para finalizar a prova era de 90 horas. O bento-gonçalvense Zaffari concluiu o desafio por volta das 9h do dia 24 de agosto, totalizando aproximadamente 80 horas de pedal.
A alta quilometragem: mais de mil quilômetros para rodar, associada com a altimetria 12 mil metros, torna o grau de dificuldade muito alto. Por isso, conforme Zaffari, 25% dos ciclistas que deram largada não conseguiram completar a prova.
Além disso, como a prova tem horário máximo para ser concluída, cada minuto pode fazer diferença. Por isso, as horas separadas para dormir, são poucas. Durante o desafio, Zaffari estima que tenha dormido, no máximo, quatro horas.
“Na primeira noite não dormi nada. Fui dormir um pouco só depois dos 600 quilômetros. Me atirei no chão e dormi cerca de 30 ou 40 minutos. Depois, saímos de novo”, relata.
Em outro momento do desafio, quando já não aguentava mais de sono, o ciclista encontrou um ponto para repousar mais um pouco.
“Chegou um ponto da prova, no meio da tarde, que eu estava cansado, dormindo em cima da bicicleta, quando vi uma árvore com uma sombra, decidi parar. Pensei em dormir dez minutos, mas ‘apaguei’. Acordei com o barulho das bicicletas passando, levantei e voltei a pedalar de novo”, conta.
Em um terceiro momento Zaffari dormiu encostado em um muro de uma residência. Contudo, devido às baixas temperaturas que faziam naquela madrugada, logo acordou novamente.
“Teve outra noite que deu sono, decidi deitar um pouco, me encostei em um muro de uma casa, com a bicicleta em pé e acordei com bicicleta em cima de mim, congelado de frio. Devo ter dormido uns 30 minutos, aí subi na bicicleta e voltei a pedalar”, afirma.
Na última noite, a única em que dormiu em uma cama, dentro de um ginásio de um Posto de Controle, os chamados PC, Zaffari conseguiu descansar por duas horas, aproximadamente.
“Somando todos os sonos, devo ter dormido umas quatro horas durante toda a prova, de 90 horas. Acho que devido a adrenalina, quando a gente dorme e acorda, parece que estamos novos, de novo”, garante.
Outro desafio da prova, foi não poder contar com o GPS, nos primeiros 600 quilômetros do desafio, já que o aparelho apresentou problema.
“Fiz a prova seguindo as plaquinhas. Quando chegava nos PC [Posto de Controle], se não tinha ninguém saindo naquele momento, eu esperava. Depois, finalizei o GPS, carreguei de novo e aí sim consegui utilizar”, relata.
De acordo com Zaffari, as condições climáticas, embora tenham apresentado bastante variação de temperatura, foram positivas, já que não choveu durante os dias de prova.
“Lá fez 8 graus na madrugada e 32 graus de máxima, então, deu uma grande diferença de temperatura, mas meu medo era chover e, felizmente, não choveu”, comemora.
Entretanto, na avaliação de Zaffari, a parte mais difícil da prova foram os dois momentos em que precisou deixar os amigos para trás e seguir adiante com o pedal para conseguir concluir o desafio no tempo permitido.
“Foram dois amigos que tive que deixar para trás, um deles não completou a prova, desistiu. O outro completou, mas fez em 92 horas, portanto, não homologou, mas ganhou medalha”, diz.
Comunidade envolvida
O trajeto percorrido pelos ciclistas passa por Saint-Quentin-en-Yvelines, Beauce, Perche, Normandia e Bretanha. E, de acordo com Zaffari, a comunidade de Paris é muito envolvida com os ciclistas.
“Em vários pontos, na frente das casas, havia famílias esperando os ciclistas com mesas preparadas com frutas, coca-cola, com um pouquinho de tudo. A parte mais legal foi quando estávamos passando, de noite, por uma residência, e algumas crianças perguntaram se queríamos dormir. A comunidade de lá se envolve muito”, conta.
Outro ponto positivo observado foi quanto à segurança nas estradas. Zaffari percebeu como positivo o comportamento dos motoristas diante dos ciclistas.
“A gente não se preocupava com trânsito. Durante a prova, não andamos em ciclofaixas, andamos em rodovias, mas o pessoal não buzina, ficam todos atrás dos ciclistas, os motoristas só passam quando a via contrária está totalmente desobstruída, aí eles mudam de faixa totalmente”, relata.
Quem pode fazer o desafio
Para participar desse desafio, o Audax Club Parisien, organizador do evento, exige que o ciclista se qualifique, obrigatoriamente, com brevets nas distâncias de 200 quilômetros, 300 quilômetros, 400 quilômetros e, por fim, 600 quilômetros, com a série feita no mesmo ano.
“É uma forma de comprovar a integridade física do ciclista, se está bem, se realmente consegue fazer a prova. Tanto que tem clubes que não deixam o ciclista fazer uma prova de 600 quilômetros se ele ainda não fez uma de 400 quilômetros, por exemplo”, explica.
O primeiro brasileiro a participar desta prova foi o ciclista Kayo Oliveira, em 1999. Em 2003, Manuel Terra torra tornou-se o segundo brasileiro a participar da prova.
Como tudo começou
Zaffari comprou sua bicicleta em 2017. Contudo, após o primeiro pedal, de 14 quilômetros, desistiu, temporariamente, do esporte. Ele voltou a pedalar em 2018, por incentivo de um amigo.
“No início eu só fazia voltas de 14 quilômetros. Depois subi para 30 quilômetros, 40 quilômetros, 50 quilômetros. Fui subindo a quilometragem. Meu primeiro pedal de 200 quilômetros foi o Audax Floripa – Volta à Ilha, em Florianópolis. Depois fiz 300 quilômetros, 400 quilômetros”, diz.
O pedal mais longo de Zaffari foi de 1.300 quilômetros, realizados no Rio Grande do Sul. O ano em que ele mais pedalou, foi em 2019, quando fechou o ano somando 23 mil quilômetros rodados.