Código Penal: modificações para agilizar processos

Uma lei defasada. Assim é visto o Código Penal Brasileiro. Criado em 1940, o conjunto de regras não determina punição para crimes como os cometidos através da internet e a prática de homofobia, entre outros. Após sete meses sendo revisado, um anteprojeto foi desenvolvido e entregue ao Senado. A modificação foi realizada através da participação popular e de entidades, como a ONG Brasil Sem Grades, apoiada pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. 

Nos últimos meses, o SERRANOSSA publicou uma série de entrevistas com autoridades de Bento Gonçalves abordando as respectivas opiniões sobre essas mudanças. Na edição desta semana, o promotor Sávio Vaz Fagundes, da Promotoria de Justiça Criminal de Bento Gonçalves diz que as alterações são válidas e necessárias para agilizar o andamento dos processos. Confira a entrevista.

Jornal SERRANOSSA: O senhor acredita que acabar com os embargos infringentes poderia agilizar os processos?

Sávio Vaz Fagundes: Sim, ainda que seja apenas uma das iniciativas que agilizaria a resolução definitiva do processo criminal, entendo que se trata de uma boa medida. Não há razão lógica para permanência desse recurso no sistema jurídico atual, uma vez que, além de protelar, por exemplo, o efetivo cumprimento de uma condenação criminal e estimular a ocorrência da prescrição (perda do direito de punir pelo Estado), parte de uma premissa de desequilíbrio no plano da igualdade, já que o Ministério Público (na condição de responsável pela acusação) não tem a possibilidade de usar esse mesmo recurso quando pretender, por exemplo, buscar a reforma de uma decisão de absolvição do acusado.

 
SERRANOSSA: Na sua opinião, que outras modificações poderiam ser realizadas nesse sentido?

Fagundes: Entendo que seria importante que a lei processual penal estabelecesse a obrigatoriedade de recolhimento à prisão ao acusado condenado por delitos graves (homicídio qualificado, tráfico, latrocínio etc.), estando presentes os requisitos da prisão preventiva, independentemente de ter havido recurso da sentença que o condenou e mesmo que tenha aguardado, até então, o julgamento em liberdade. Essa providência faria com que a sentença condenatória, proferida em primeiro grau (pelos juízes das Comarcas) tivesse mais força, evitando que as apelações interpostas pelos condenados, não raras vezes, sirvam apenas para retardar a solução definitiva do caso. Registre-se que essa sugestão não afeta o princípio da presunção de inocência, uma vez que atualmente há a possibilidade de inclusive de execução provisória de condenação criminal enquanto tramita recurso discutindo essa condenação.

Ressalto que, em decorrência da legislação hoje vigente, muitos acusados condenados nas Comarcas, inclusive por crimes graves, ficam aguardando em liberdade o julgamento do recurso no Tribunal e muitas vezes há demora no julgamento desse recurso.

Importante, também, seria a alteração da legislação atual para a retirada da atenuante (circunstância que diminui a pena) relativa à idade do acusado, já que atualmente o acusado menor de 21 anos tem a pena diminuída em caso de condenação e o prazo de prescrição reduzido de metade simplesmente por não contar com 21 anos na data do fato. Essa última previsão provoca a prescrição e a extinção de muitos processos, sem julgamento, especialmente nos crimes praticados por acusados mais jovens, cujos processos tiveram tramitação um pouco mais demorada.

A sugestão ora lançada se justifica porque essa atenuante, quando de sua inclusão no Código Penal, decorreu de regras vigentes no antigo Código Civil, que previa capacidade civil relativa para quem tivesse entre 16 e 21 anos. Como a partir de 2002 o Código Civil foi amplamente alterado, estabelecendo a capacidade civil absoluta e plena para o maior de 18 anos, não há mais sentido para a permanência dessa atenuante e da causa redutora de prescrição no Código Penal.

 
SERRANOSSA: Uma das questões mais discutidas é acabar com o direito de não se produzir prova contra si. Qual sua opinião sobre essa proposta?

Fagundes: Tenho o entendimento de que, na verdade, essa proibição trata de uma interpretação equivocada de todo o sistema de produção de prova, uma vez que o direito constitucional de o acusado pela prática de um crime permanecer calado não implica impedimento de o Estado, no exercício do poder de polícia, realizar a colheita de provas de um fato criminoso.  Essa polêmica de interpretação reflete, a meu juízo, muito mais uma crise de valores da sociedade do que propriamente uma questão jurídica. Não é por outra razão que em países socialmente mais avançados é dever do acusado submeter-se a exames para comprovação ou não da ocorrência de crime.

 
SERRANOSSA: A ONG ainda defende que o Ministério Público continue tendo poder de iniciar investigações criminais. O senhor concorda com essa proposta?

Fagundes: Esta é uma questão de grande importância e relevo, já que tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional 37 (PEC 37), que propõe a impossibilidade de o Ministério Público realizar investigações criminais, conferindo essa atribuição somente às polícias estaduais e à Polícia Federal.

O Ministério Público, por força de previsão na Constituição Federal, é o titular da ação penal, ou seja, cabe ao promotor de Justiça buscar perante o Judiciário a responsabilização penal de quem praticou determinado crime. É lógico, portanto, que, tendo essa atribuição, o promotor de Justiça tem de ter, igualmente, a prerrogativa de investigar crimes, de forma concorrente com outros órgãos. Demais disso, me parece que investigação é gênero do que é espécie o inquérito policial. Logo, podem coexistir no mesmo plano jurídico tanto o inquérito policial, realizado pelas polícias, como a investigação criminal presidida pelo promotor de Justiça, que, aliás, pode, inclusive, oferecer denúncia sem que esteja embasada em inquérito policial.

Além disso, o Supremo Tribunal Federal (STF), que tem competência para dar a última palavra no âmbito da interpretação da Constituição Federal, já decidiu que o Ministério Público tem legitimidade para realizar investigação criminal. A propósito, as legislações de países europeus, como Alemanha, Itália e Portugal já convivem há bom tempo com o poder de investigação pelo Ministério Público e na Espanha busca-se ampliá-lo.

Não podemos esquecer das conhecidas deficiências estruturais das polícias, especialmente da Polícia Civil que, muito embora com reconhecida dedicação, competência e esforço, não consegue atender como se espera a demanda atual de criminalidade comum. O que projetar-se, então, caso tenha essa mesma polícia, além das atribuições atuais, a prerrogativa exclusiva de investigar crimes de corrupção, de “colarinho branco”, lavagem de dinheiro etc.? Nesse contexto, eventual aprovação dessa proposta de alteração legislativa provocaria grande, senão invencível, risco de aumento da impunidade.  Pergunta-se, então: a quem interessaria essa consequência?

 
SERRANOSSA: Qual outra modificação do Código Penal o senhor acredita que seja importante para diminuir a criminalidade em todo o país?

Fagundes: Acho que há necessidade de revisão dos critérios de interpretação que norteiam alguns aplicadores a lei e de percepção da vontade social por quem cria e altera as leis. Percebo atualmente um desequilíbrio em favor do direito individual de quem é acusado da prática de crime, deixando em segundo plano o direito coletivo da sociedade à segurança e à vida, previstos na Constituição Federal.

Nos dias de hoje, apesar da escalada da criminalidade, o que se acompanha com mais frequência são entendimentos legais sempre mais benéficos a quem violou a lei e produção legislativa dirigida ao enfraquecimento do combate à criminalidade. É preciso observar que a aplicação, a criação e a alteração de leis, especialmente no âmbito criminal, não pode desconsiderar a realidade de insegurança em que estamos inseridos. O contexto jurídico e legislativo não é uma ilha, isolada da realidade social. Por isso identifico com muita satisfação a iniciativa da ONG Brasil Sem Grades, no sentido de promover, na sociedade, a discussão e proposição concreta de alternativas para o combate à criminalidade.

Reportagem: Katiane Cardoso

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