Combustível deve sofrer altas até o fim do ano, mas crise é passageira, aposta economista

Professor de Economia da UCS Mosar Ness explica que preço do combustível, do gás e dos grãos continuará tendo aumentos durante conflito na Ucrânia – que não deverá durar muito tempo em sua avaliação

Foto: Eduarda Bucco


Desde a última sexta-feira, 11/03, o preço dos combustíveis e do gás de cozinha teve aumento médio de 20% nas distribuidoras de todo o país. O anúncio feito pela Petrobras na quinta-feira, 10/03, reflete “parte da elevação dos patamares internacionais de preços de petróleo, impactados pela oferta limitada frente à demanda mundial por energia”. O cenário de aumentos se reflete mundialmente por conta do conflito entre Rússia e Ucrânia e deverá ocasionar novos reajustes ao longo do ano.

O professor de Economia da Universidade de Caxias do Sul (UCS) Mosar Ness explica que, com as sanções impostas por outros países por conta da guerra, a Rússia acaba impedida de exportar diversos itens, como o petróleo. Sem um dos principais fornecedores mundiais, a produção acaba sendo reduzida. “Os outros fornecedores não irão aumentar a produção para manter o mesmo preço do barril de petróleo. Eles deixam o preço subir, porque se o preço sobe, o consumo diminui e o mercado se equilibra”, diz.

Outro complicador no caso do Brasil é a definição dos preços das commodities pelo dólar americano. Com a desvalorização do real frente à moeda norte-americana nos últimos anos, o valor do barril de petróleo já estava operando em alta no país. “A perspectiva é que ainda tenhamos aumentos até o fim do ano, podendo chegar até US$ 180 o barril, mas tudo dependerá do andamento da guerra”, comenta o professor.

Em sua avaliação, o conflito entre Rússia e Ucrânia não deverá se prolongar. “A Ucrânia não vai resistir por muito tempo. E uma vez tomada a Ucrânia, Putin não irá recuar. O mundo vai ter que se adaptar e acabar afrouxando as sanções que colocaram contra a Rússia. Mais cedo ou mais tarde, se as empresas multinacionais não voltarem para a Rússia, Putin vai ter que deixar que as empresas chinesas entrem. E ninguém vai querer dar um mercado de mão beijada para os chineses”, aposta o professor. “O melhor para todos os lados e para o mundo seria uma negociação”, complementa.

Pensando em um cenário de fim de conflito, Mosar Ness acredita que o preço do barril de petróleo voltaria a operar abaixo dos US$ 100,00, tendo em vista “o consumo estável” mundialmente e “a produção excedente” em alguns países. “Não é viável economicamente manter o preço acima de 100 dólares por muito tempo. Até porque outras tecnologias, como carros elétricos, estão ganhando espaço”, analisa.

Outros produtos afetados

Além dos combustíveis e do gás de cozinha, outros produtos que deverão sofrer as consequências do conflito são os grãos. Embora as importações vindas da Ucrânia sejam pouco expressivas a nível mundial, a ausência desse fornecedor deverá elevar o preço internacional do trigo, por exemplo. “O Brasil compra da Argentina, que com certeza cobrará o preço internacional. Então teremos uma apreciação em toda cadeia do trigo, como massas, pães e biscoitos”, explica.
Em relação ao milho, que também deverá ser afetado, o impacto resultará no aumento dos preços dos ovos, do leite e das carnes de porco e frango, por exemplo, tendo em vista a base de alimentação desses animais. “Os consumidores também sentirão os reajustes em outros produtos do seu dia a dia, devido ao aumento do custo de transporte”, complementa.

A cesta básica também deverá registrar elevação neste ano, muito motivada pelo período de estiagem que a região Sul do país vive atualmente. “Teremos que conviver com certa inflação por um tempo maior”, comenta.

Dicas aos consumidores

Apesar do momento de incertezas e apreensões, o professor de economia aconselha os brasileiros a não deixarem de lado seus sonhos de vida e apostarem no futuro. “A crise é passageira, logo à frente o cenário vai mudar radicalmente”, prevê.

Além disso, Mosar Ness instrui os consumidores a ficarem de olho nas promoções e nos aumentos, principalmente do combustível. Ainda, recomenda que as pessoas não contraiam dívidas em longo prazo – com exceção de quem tenha um valor considerável guardado.

Medidas do governo

Na última sexta-feira, 11/03, o presidente Jair Bolsonaro sancionou, na íntegra, o Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 11, de 2020, que prevê a cobrança em uma única vez do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) sobre combustíveis, inclusive importados. O ICMS único também valerá para o gás natural. A partir da mudança, serão cobrados valores iguais do imposto em todo o país. Além das mudanças no ICMS, principal tributo estadual, o texto também altera os federais PIS/Pasep e Cofins, prevendo a isenção sobre combustíveis em 2022.

“Essa medida já vinha sendo discutida há algum tempo, como forma de estipular um valor fixo e permanente, que seria renovado a cada ano, e não acompanharia mais uma alíquota sobre o preço final nas bombas”, explica o professor Mosar Ness.

Atualmente, a alíquota do imposto é um percentual cobrado em cima do preço final do litro na bomba – 25% no Rio Grande do Sul –, que sofre variações do dólar e do preço internacional. O PL sancionado determina que a cobrança do ICMS ocorra sobre o preço na refinaria ou no balcão de importação, quando o combustível vier do exterior. Os novos valores, pela proposta, serão definidos por meio do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
Diante da nova medida, o coordenador do Fórum Nacional de Governadores, Wellington Dias, anunciou que o grupo entraria com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) contra a alteração na cobrança do ICMS sobre combustíveis. “O projeto do jeito que foi votado é inconstitucional e vamos ao STF evitar prejuízo para o nosso povo”, declarou Dias, que também governa o Piauí.

O professor de economia da UCS avalia a mudança como positiva para os consumidores, mas acredita que o governo deva fazer mais – principalmente em relação ao preço do gás de cozinha. “Muitas famílias não estão conseguindo comprar o botijão tradicional de 13kg. Pelo menos as famílias que têm o Auxílio Brasil deveriam ser contempladas com um vale-gás mensal”, opina.

“Livre mercado é uma coisa, abuso de mercado é outra”, afirma Procon

Semanalmente, o Procon de Bento Gonçalves realiza uma pesquisa de preço dos postos de combustível do município. Na última quarta-feira, 09/03, a média constatada nos estabelecimentos locais foi de R$ 6,50 para a gasolina comum. Ainda na quinta-feira, 10/03, antes mesmo do reajuste anunciado pela Petrobras entrar em vigor, havia denúncias de preços chegando a R$ 7,09, R$ 7,36 e R$ 7,69 em Bento. Diante disso, o Procon-BG iniciou uma operação especial para tentar inibir a prática considerada abusiva.

“Visitamos os estabelecimentos e, de pronto, pedimos para que baixassem o preço. Aqueles que não o fizeram, receberam auto de infração”, explica o assessor de políticas públicas do Procon, Maciel Giovanella. No total, seis postos foram autuados e, agora, têm o prazo de dez dias para manifestação. A partir de então, será gerado um processo administrativo, que pode resultar em multa de R$ 13 mil a R$ 24 mil dependendo das atenuantes relativas a cada caso.

Além dos autos de infração já em andamento, outros dois estabelecimentos também deverão responder pelo aumento abusivo dos preços, a partir das denúncias individuais recebidas pelo órgão. Foram cerca de 20 pessoas que encaminharam suas denúncias ao Procon no fim da última semana. “Livre mercado é uma coisa. Abuso de mercado configura outra. O consumidor não pode sofrer esse tipo de abuso”, comenta.

Sem um órgão fiscalizador oficial – a Petrobras fiscaliza apenas o preço de saída dos combustíveis nas refinarias – a lei do livre mercado acaba se sobressaindo. Entretanto, o assessor de políticas públicas enfatiza o artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor, que trata sobre as abusividades. “Houve denúncias que as pessoas relataram já estarem na fila dos postos quando os preços foram reajustados. Elas não tinham como sair. Foram coagidas a abastecerem naquele local. Foi uma situação que gerou o caos”, relata Giovanella.

Antes desse episódio, o Procon de Bento já vinha investigando os valores dos combustíveis na cidade, que estão se apresentando cerca de R$ 0,20 a R$ 0,30 mais caros que cidades vizinhas como Farroupilha e Caxias do Sul. “Há duas semanas notificamos os postos solicitando as cópias das notas fiscais. Queremos entender por que há esse preço mais elevado”, comenta. “Agora vamos continuar trabalhando nessa investigação, além das denúncias individuais e do acompanhamento dos autos de infração [gerados na quinta, 10/03]”, complementa.

Como dica ao consumidor, Giovanella ressalta a importância do acompanhamento dos preços – que pode ser feito por meio da pesquisa semanal divulgada todas as quartas-feiras no site da prefeitura – e da exigência de nota fiscal. “É um direito do consumidor. Paguei, quero nota”, frisa.

Postos já sentem impacto do alto preço

Foto: Eduarda Bucco

O proprietário de um posto de combustível da cidade conversou com o SERRANOSSA sobre o cenário de reajustes. Segundo ele, desde o último sábado, 12/03, os estabelecimentos já estão sentindo uma redução no fluxo de clientes. “A maioria dos motoristas encheu o tanque [ainda na quinta-feira, 10/03] pelo pavor de faltar combustível ou de subir muito o valor”, comenta. “E conversando com o pessoal dos restaurantes, também houve uma redução durante o fim de semana. É um efeito cascata realmente”, complementa.

Conforme a análise do proprietário, o setor acabou sendo malvisto pela população devido a casos individuais de empresários que optaram por aumentar bruscamente os valores. “A verdade é que o aumento da Petrobras foi de R$ 0,60 e foi repassado apenas R$ 0,50 ao consumidor, para não impactar demais. Claro que houve locais que passaram até mais, mas eu, por exemplo, optei por não aumentar. Foi uma estratégia minha, porque em um dia acabei vendendo por três. Se repassasse um valor muito alto, perderia para o concorrente”, explica.

Além dos reajustes vindos da Petrobras, o proprietário esclarece que há outros fatores que incidem sobre o aumento de preço, como o aumento do etanol – que representa cerca de 27% da gasolina ofertada nos postos. “E os reajustes dessa commodity, que também é calculada em dólar, são semanais. Mas o posto acaba não repassando e sim absorvendo para quando vier o reajuste geral do combustível”, comenta.

Sobre os valores praticados na Capital do Vinho, o profissional afirma também se tratar de uma estratégia de vendas, e não de um cartel entre os postos. “Se eu tiver o meu preço R$ 0,10 mais caro que o concorrente, tu vai abastecer aonde? Por isso os postos acabam ficando com os preços praticamente iguais. É obrigatório ter a placa informando os preços, então os postos acabam seguindo o preço do outro para não perder cliente”, afirma.