Cultivando hábitos saudáveis: comer bem também se aprende na escola

As estatísticas atuais de aumento nos índices de excesso de peso são um reflexo das mudanças no padrão de saúde e consumo alimentar da população brasileira. A promoção de uma alimentação adequada e saudável não tem como foco a estética, mas a saúde. “Mesmo com o peso adequado, a alimentação tem que ser variada e equilibrada. Vemos crianças e adultos com peso normal e alimentação totalmente desequilibrada”, pontua a nutricionista e coordenadora da Saúde da Criança e do Adolescente da secretaria municipal de Saúde, Érica Fiorin. 

Para muitas pessoas esse olhar sobre o que ganha espaço no prato, infelizmente, só começa quando alguma alteração nos exames é atestada. A nutricionista explica que os cuidados devem iniciar desde a gestação. “Todos os alimentos que a mãe ingerir irão favorecer a aceitação por parte da criança. A forma como serão introduzidos os alimentos, ainda em complemento com o aleitamento materno, são significativos para determinar como serão os hábitos até a vida adulta”, comenta. “A criança que mama no peito aceita melhor uma variedade de alimentos, porque o leite materno vai mudando de sabor”, acrescenta. 

Neste processo, a orientação faz a diferença. A partir dos seis meses a introdução dos alimentos deve ser gradual. “A população até tem noção sobre alimentos saudáveis e não saudáveis, mas a gente ainda ouve muitos mitos na introdução alimentar”, observa. A tendência é de criança rejeitar nas primeiras tentativas, o que não deve ser motivo para a desistência. “Tem estudos mostrando que é necessário oferecer de 10 a 15 vezes um alimento para dizer que a criança não gosta”, garante. Como o ser humano naturalmente se identifica com o sabor doce, alguns alimentos não precisam ser estimulados, apenas os que a criança é mais resistente. Além disso, muitos pais demonstram ansiedade em ofertar alimentos a toda hora. “A criança tem o controle da fome e saciedade, os pais que às vezes estragam e fazem com que esse controle se perca”, observa.  Segundo Érica, o único alimento in natura não indicado para as crianças menores de dois anos é o mel, pelo risco de contaminação. Ela complementa ainda que o problema do baixo peso de maneira geral já foi superado no município, e está restrito a casos isolados de prematuros.  

Avaliação

Uma das ferramentas para diagnosticar a situação alimentar e nutricional da população do município é o Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (Sisvan) e os dados obtidos através das avaliações do Programa Saúde na Escola (PSE). O Sisvan é realizado em todas as Unidades Básicas de Saúde (UBSs) para gestantes e crianças menores de dois anos e nas escolas infantis da rede municipal, em parceria com a secretaria Municipal de Educação (Smed). O PSE abrange 19 escolas municipais e estaduais, assim como as escolas infantis da rede municipal, totalizando aproximadamente 6,5 mil estudantes. Caso haja alterações na curva de crescimento prevista, as famílias são orientadas a procurar atendimento nas próprias UBSs – um processo que infelizmente ainda apresenta resistência e baixa adesão. A consulta individual é que irá atestar a necessidade de um acompanhamento. Segundo Érica, em 5% dos casos de sobrepeso o problema tem origem hormonal, mas a maioria é devido ao estilo de vida.

Envolvimento da família

Se a alimentação dos pais não privilegia bons alimentos, a tendência é que as crianças repitam o mesmo cardápio. A boa notícia é que os hábitos podem ser mudados, mas este é um processo que deve envolver toda a família. Durante a consulta, o profissional faz um questionário sobre os hábitos da família e passa orientações para um ajuste. “Às vezes é o alimento preparado de forma inadequada, com muito óleo e muito sal, bastando trocar por temperos naturais”, explica, frisando que tais recomendações já estão na caderneta de saúde da criança. 

Em muitos lares a tendência é que, quando a criança precisa perder peso, os pais a diferenciem do resto da família, determinando o que ela pode ou não comer por “estar de dieta”. Este é um dos caminhos para a frustração e a desistência. Outro cuidado é para não rotular a criança – o que é feito muitas vezes de forma inconsciente. A dica é evitar ter alimentos ultraprocessados na despensa a ofertar alimentos in natura gradualmente, sem rigidez e de forma não punitiva para que a aversão não aumente. “Dar o exemplo é bem importante. Não adianta ter na mesa se o pai e a mãe nunca se servem da verdura”, destaca. 

Adolescência

Em 2016, em parceria com a Smed e a 16ª CRE, o PSE propôs uma avaliação para os adolescentes de turmas de 8º ano através de um questionário de consumo alimentar respondido pelos próprios alunos e uma pequena avaliação ao final. Um dos dados que chamaram atenção foi que 26% dos adolescentes com peso adequado referiram estar insatisfeitos com seu peso, sendo mais prevalente entre as meninas. “A insatisfação com o peso pode levar a um controle rígido na ingestão de alimentos, podendo ser o gatilho para transtornos alimentares, que posteriormente podem levar ao excesso de peso”, complementa Érica. O segredo é tratar a questão com parcimônia, cuidando com a rigidez na imposição dos hábitos, não se preocupando com a quantidade de alimentos e o peso corporal, mas com a qualidade da alimentação ao mesmo tempo em que se evita o rótulo de alimento bom e ruim. Outro ponto é aprender a diferenciar a fome da vontade de comer por conta de sentimentos negativos e evitar distrações durante as refeições, como mexer em eletrônicos ou comer assistindo televisão.


 

Projeto propõe um novo olhar

Há quatro anos, a Smed e a secretaria de Desenvolvimento da Agricultura (Smda) procuram incentivar uma atenção mais cuidadosa para com a alimentação. O Projeto Olhar Atento surgiu da necessidade de conversar com as crianças sobre a importância fazer escolhas mais saudáveis. É um trabalho com resultados em longo prazo.  “Alimentar-se é muito mais do que ingerir alimentos, é um processo que envolve necessidades físicas e emocionais, além de transitar pelo social, interferindo no consumo consciente, na sustentabilidade e no cuidado com o meio ambiente. Compreender este processo e realizar boas escolhas faz da criança um ser pensante e ao mesmo tempo protagonista do seu próprio processo de desenvolvimento”, analisa a coordenadora do projeto, Adriana Poletto Razia.

A iniciativa envolve alunos de Jardim B e dos segundos anos da rede municipal de ensino, mas a ideia é ampliar gradualmente. Em visita à feira ecológica, a propriedades rurais e agroindústrias familiares, os pequenos têm a oportunidade de conversar com os produtores e conhecer a procedência do alimento. Além disso, as escolas também mantêm hortas, envolvendo os estudantes do plantio à colheita. As ações do projeto envolveram neste ano 1.500 educandos e proporcionaram a construção e implantação de 17 hortas escolares. “Percebe-se que as crianças estão mais abertas a provar alimentos que desconheciam, ou que simplesmente diziam não gostar, mas nunca tinham provado. Os alunos também estão consumindo mais a alimentação servida na escola e valorizando o agricultor que a produz. Com relação aos pais, já tivemos vários relatos, como o filho que não gostava de uma determinada fruta e hoje come com prazer, ou filhos solicitando que tenha mais verduras e legumes nas refeições”, conta. 

Na Educação Infantil, em que algumas crianças chegam a fazer até cinco refeições na escola, o índice de sobrepeso é baixo, consequência da qualidade dos alimentos ofertados e do trabalho educativo na formação dos hábitos na primeira infância. Conforme a nutricionista da Smed, Renata Geremia, os índices não são os mesmos para quem passa menos tempo na escola e faz mais refeições em casa, especialmente a partir do Ensino Fundamental. 

A legislação obriga que pelo menos 30% dos recursos repassados pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) sejam investidos na compra direta da agricultura familiar, mas em Bento Gonçalves o índice ultrapassa 70% – houve época em que o índice foi próximo a 100%, quando eram adquiridos laticínios de cooperativas. Um bom exemplo de como o cardápio é saudável e nutritivo é a Polenteca, a panqueca que leva farinha de milho na massa e recheio com talos de beterraba e que recentemente ganhou o primeiro lugar no  Concurso Melhores Receitas da Alimentação Escolar – Etapa Regional Sul. A receita, criada pela merendeira Daniela Fernanda Felizardo, da Escola Municipal de Educação Infantil Feliz da Vida – que tem como projeto pedagógico do ano a alimentação saudável –, não leva ingredientes ultraprocessados. 

Segundo Renata, as diretrizes nacionais, em vigor desde 2010, proíbem ou restringem a compra de alimentos como embutidos, enlatados, doces, preparações semiprontas, refrigerantes e refrescos artificiais.  O trabalho da Smed não se restringe apenas à montagem do cardápio, também são realizadas palestras de educação nutricional para estudantes, familiares e equipe das escolas, como merendeiras e professores.