COVID-19: Bento já realizou mais de 1,7 mil atendimentos psicológicos

“Tudo que é novo causa uma sensação de vulnerabilidade. Aquilo que você não conhece, te amedronta de alguma forma. Te desorganiza. Você, supostamente, vive em uma sociedade que te coloca em uma condição de organização, para entendê-la e para se desenvolver nela. Então, quando se depara com algo que você não conhece, aquilo te assusta. E dependendo do efeito que aquilo te causa, você pode desenvolver vários distúrbios que são consequência da desorganização que você teve, diante do novo”. A fala é do coordenador do setor de Saúde Mental de Bento Gonçalves, Maurice Bouwary, diante da pandemia do Coronavírus. Desde o início do ano, a sociedade tem vivido uma série de mutações, acendendo o sinal de alerta em relação à saúde mental. O público mais afetado é aquele que lida diretamente com a pior face da pandemia: os profissionais de saúde e os familiares das vítimas fatais. 

Em Bento Gonçalves, desde o mês de março, uma equipe de 20 psicólogos tem prestado apoio emocional aos profissionais de todas as áreas da saúde, desde médicos e enfermeiros, até higienizadores. “Já temos um setor da prefeitura, o SESMT [Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho], que tem essa função de cuidar da saúde dos trabalhadores. Entretanto, com a ocorrência da pandemia, percebemos que essa sensação de vulnerabilidade que atingia todas as pessoas também estava recaindo sobre os ombros desses profissionais, principalmente daqueles que atuam na linha de frente”, relata Maurice. 


 

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Conforme explica o coordenador e psicólogo, esses profissionais lidam diretamente com o receio de contaminação, despertando uma série de outros sentimentos que podem ser altamente prejudiciais à sua saúde física e mental. “Todo ser humano sabe que é finito, mas nós encontramos, diariamente, inúmeras formas de fazer com que, supostamente, tenhamos o controle da nossa existência. Isso faz com que a gente crie um mecanismo de defesa para mascarar o fato de que, a cada instante, você pode morrer”, explica. 

Ao evidenciar a noção de finitude do ser humano, a situação causada pela pandemia tem despertado sintomas de ansiedade, pânico e TOCs, entre outros, que se manifestam de forma singular em cada pessoa. Por conta disso, o setor ligado à secretaria municipal da Saúde tem feito uma busca ativa de todos os profissionais de saúde, entrando em contato com cada um para ter conhecimento sobre sua situação emocional. Até o momento, mais de 1,7 mil atendimentos já foram realizados. 

“Depois que fizemos esse atendimento individual, também começamos a ir nas instituições para ver como está o ambiente de trabalho dessas pessoas.  Agora estamos conversando com outros profissionais para conseguirmos dar um suporte completo àqueles que necessitarem”, afirma.  


 

Atendimento aos familiares

O atendimento aos familiares das vítimas fatais da COVID-19 iniciou há pouco mais de um mês em Bento e, até o momento, cerca de 60 pessoas já foram contatadas. “A gente contata pessoas do núcleo familiar ou tenta entender o contexto. Muitas vezes a pessoa não tinha um familiar, mas tinha outra pessoa mais próxima”, explica Maurice. “O luto é uma situação muito difícil, porque ninguém está organizado para a perda. Você sabe que vai perder, mas nunca, de fato, se organiza. Então existe toda uma necessidade de uma reorganização simbólica e existencial”, analisa. 

Questionado sobre o comportamento de negação diante da existência da COVID-19 – situação que permeia muitas famílias – Maurice acredita que essa atitude também seja uma forma de escape da realidade. “No fundo, as pessoas que tendiam a acreditar que não era nada, às vezes, de uma forma indireta, apenas estavam utilizando um mecanismo de defesa, para não se defrontar com essa realidade”, acredita. 


 

Como lidar?

Na visão do profissional, o momento de pandemia deverá proporcionar uma série de aprendizados e lições valiosas para a sociedade. Entretanto, é preciso olhar para a situação com novos olhares e saber enfrentá-la da melhor forma possível. 

“As pessoas não devem ficar se debruçando sobre qualquer tipo de informação. É preciso se informar sobre a veracidade. Porque num momento de pandemia, as pessoas ficam com uma instabilidade muito alta sobre qualquer tipo de coisa que está relacionada àquele significante – pandemia, Coronavírus… tudo isso causa uma instabilidade psíquica naquela pessoa”, explica. 

Assim, o profissional aconselha que as pessoas busquem novos hábitos e práticas que não mantinham anteriormente. “Ler livros, ouvir música, manter contato com outras pessoas que há muito tempo não conversavam, buscando manter um discurso sadio, construindo novos laços. Esse momento serve, principalmente, para uma possibilidade de reorganização existencial”, comenta. 

O momento também é de transformações e aprendizados para a própria rede de atenção à saúde mental. “Nós, enquanto trabalhadores da gestão da saúde, temos que ter um olhar para o todo. A ordem do novo sempre origina algo de diferente, que às vezes estava oculto, mas sempre esteve lá. Cabe a nós pegarmos isso e transformarmos em algo dentro dessa nova trajetória para que a gente possa dar sustentabilidade para essa sociedade de uma forma mais saudável”, finaliza. 
 

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