Crianças aprendem sobre resiliência diante de desafios de aprendizado e socialização

Além de uma data para celebrar a pureza, a inocência e a alegria dos pequenos, o Dia das Crianças deste ano trará reflexões importantes acerca das mudanças percebidas durante a pandemia. Por mais de um ano, estudantes de todos os níveis de ensino precisaram lidar com a distância do segundo local mais importante depois de seus lares: as escolas. E os prejuízos mais relevantes puderam ser percebidos nas séries iniciais, quando acontece o processo de alfabetização. “Os pequenos dependem de um responsável e a família teve dificuldades de encontrar um tempo disponível para auxiliar com as tarefas. E os pais também não possuem a didática necessária para alfabetizar” comenta a professora e orientadora educacional da escola municipal Professora Vânia Medeiros Mincarone, Daiane Rizzardo Guarda. 


Professora e orientadora educacional Daiane Rizzardo Guarda. Foto: Eduarda Bucco

Após um ano afastados da sala de aula, os estudantes da rede municipal retornaram de forma integral ao ensino presencial no fim de agosto. Desde então, Daiane e a colega Rosângela Maria Moroni Dal Magro, ambas professoras de primeiro ano, têm compartilhado estratégias para suprir as lacunas no aprendizado e garantir a segurança física e emocional de todas as crianças.  “Estamos sempre partilhando ideias e planejando nossas aulas juntas. Isso enriquece muito o trabalho do professor”, comenta Rosângela. 


Professora Rosângela Maria Moroni Dal Magro. Foto: arquivo pessoal 
 

Entre os desafios desse retorno ao presencial esteve a falta do ritmo de ensino. “Eles voltaram no ritmo do ambiente familiar. Tinham sono à tarde, fome às 16h/17h. Foi um percurso até reestabelecerem a rotina”, relata Daiane.  Outra questão primordial está sendo a corrida contra o tempo para garantir a alfabetização de todos. Algumas crianças que estavam no primeiro ano em 2020 acabaram passando para a segunda série ainda sem saber ler e escrever. “Nossa grande preocupação é que todos saiam alfabetizados do primeiro ano. Caso contrário, chegam ao segundo ano com a carga de aprender o conteúdo e, ainda, a ler e a escrever”, explica a professora.

Apesar dessas preocupações comuns entre profissionais de séries iniciais, a dupla de professoras do Vânia tem dedicado seus esforços a uma questão ainda mais relevante: a saúde emocional dos pequenos. Há quase dois meses do retorno presencial, os esforços para garantir a readaptação à rotina em sala de aula e ao processo educacional têm sido divididos com a preocupação de entender os impactos do isolamento na vida de cada criança.  “Os alunos ficaram muito tempo trancados em casa, sem interações reais, apenas virtuais. Eles perderam o convívio social e, quando retornaram à escola, percebemos que estavam com certo receio de se relacionar”, recorda Daiane. “E eles também acabaram perdendo aquele período de aprendizado das atitudes de gentileza que se aprendem na educação infantil, como dizer com licença e obrigado, não empurrar o colega e esperar sua vez para falar”, cita. 

Conforme a professora Rosângela, foi visível os sentimentos de insegurança, ansiedade e impaciência nas crianças, o que levou à intensificação do trabalho com as emoções. Em parceria com a secretaria municipal de Educação, foi implantado no Vânia o projeto “Educação Emocional”, a partir do qual é trabalhada a questão psicológica das crianças dos primeiros anos com o auxílio de estudantes do curso de Psicologia da Universidade de Caxias do Sul (UCS). “As crianças estão aprendendo e falando sobre suas emoções. Todos os dias, no início da aula, damos continuidade ao projeto, deixando as crianças falarem sobre suas emoções. Saber como a criança está se sentindo, faz toda a diferença tanto para a professora, quanto para os colegas”, comenta Rosângela. “As crianças estão se sentindo acolhidas, olhadas e amadas. Esse é o ponto de partida para que o aprendizado aconteça, ainda mais num momento em que há grandes lacunas no aprendizado dos alunos. E agora no ensino presencial, podemos olhar no olho do aluno, conversar, elogiar, dar carinho, valorizar cada conquista… e isso faz toda a diferença”, complementa a professora.

Para a Daiane, somente o fato de os estudantes terem retornado à sala de aula já representa um ganho significativo no processo de ensino. “Na sala de aula não acontece apenas o conhecimento. A aprendizagem passa pelo coração, envolvendo toda questão do carinho, do afeto, do olhar. E estando na sala de aula, os alunos estimulam uns aos outros. Quando há esse elo afetivo entre todos, a alfabetização flui mais rapidamente e prazerosamente”, analisa. 


 

Aprendendo com os desafios

Quando o assunto engloba os grandes ganhos e aprendizados da pandemia, a tecnologia aparece com força. Na escola Vânia, as salas de aulas ganharam televisores e internet, a fim de incorporar ferramentas como o Youtube nas atividades diárias dos estudantes. Mas as professoras citam um ponto que parece ter se destacado diante das experiências do isolamento: a forte ligação entre escola, aluno e família. “Durante esse período, foi um ajudando o outro. Eu nunca vi, nesses 17 anos de sala de aula, a família estar tão próxima à escola. Os pais estão realmente acompanhando o processo de aprendizado do aluno e arrumando tempo para os auxiliar”, relata a professora Daiane. 

Diante das dificuldades de garantir a continuidade do aprendizado de seus filhos em casa, pais e responsáveis passaram a valorizar ainda mais a instituição de ensino. Consequentemente, com maior suporte em casa, a professora analisa que o estudante tem se sentido mais estimulado e confiante. 

E se por um lado há uma tentativa de remediar os impactos negativos no ensino vividos pela escola, pelo estudante e pela família, por outro há um processo natural que a pandemia tem trazido na vida de todo: a resiliência. Com uma atenção maior voltada às emoções, as professoras acreditam que surgirão crianças, professores e pais mais fortes para lidar com as adversidades da vida. “As lacunas deixadas pela pandemia estão sendo um grande desafio para os estudantes. E é tão bom ser desafiado. A gente cresce e aprende mais. Nesse período, a escola, a família e os alunos saíram de suas zonas de conforto e junto evoluímos enquanto sociedade. Aprendemos a ser mais cooperativos e comprometidos com a educação”, avalia Daiane. “Tivemos um grande apoio pedagógico e emocional da diretora Tânia Marin da Cunha, das vice-diretoras, supervisoras e orientadora da escola. Sempre nos dando o apoio, a segurança e o incentivo que precisávamos”, complementa Daiane.

A vivência dos pais

Cleuza Casagrande e o marido Tiago Casagrande passaram por momentos de dificuldade para garantir o melhor aprendizado para o filho João Paulo Casagrande, de seis anos. De acordo com Cleuza, o filho costuma ter bastante facilidade para aprender e, por conta disso, acabava demonstrando pouco interesse na realização das atividades propostas pela escola. “Meu marido trabalhando fora e eu em home office, não tínhamos muito tempo para ajudar eles nas atividades, daí recorremos ao uma professora particular, para auxiliá-los. Também tivemos a ajuda da escola, com professores disponíveis para tirar dúvidas”, relata a mãe.


Cleuza Casagrande com os filhos João Paulo e Arthur e o marido Tiago Casagrande. Foto: arquivo pessoal

Apesar dos desafios, Cleuza acredita que ainda seja difícil descrever os impactos do período de isolamento, os quais somente deverão ser percebidos em alguns anos. “Ainda é muito cedo para avaliar”, comenta. Mesmo sabendo que houve, sim, pontos negativos em relação ao aprendizado e à alfabetização, a mãe avalia que aspectos positivos também podem ser ressaltados, “como o fortalecimento dos laços familiares e as muitas brincadeiras, um dos maiores ganhos das crianças neste período de isolamento”, cita.

Na opinião da mãe, a pandemia mostrou que nenhum recurso é capaz de substituir a vivência da sala de aula. Dessa forma, o retorno presencial tem sido bastante comemorado pela comunidade familiar. “Mesmo sendo uma rotina totalmente diferente, com a escola seguindo todos os protocolos sanitários, com o distanciamento social e o uso obrigatório de máscara, estão se adaptando ‘super’ bem”, relata. 

Como lições, ela acredita que a pandemia tenha mostrado a importância da família e de manter “um olhar otimista, valorizando as coisas simples da vida”.

Sobre o projeto "Educação Emocional"

O projeto “Educação Emocional na Escola”, que vem sendo trabalhado na escola Professora Vânia Medeiros Mincarone, em parceria com a secretaria municipal de Educação (SMED), é uma iniciativa do curso de Psicologia da UCS. O objetivo é educar as crianças sobre as emoções, ajudando-as a reconhecer, nomear e validar o que sentem. Ainda, busca trabalhar a questão com pais, professores e demais profissionais da escola, a fim de que saibam acolher e auxiliar no processo de regulação emocional e no desenvolvimento da empatia.


Foto: arquivo pessoal
 

Conforme uma das coordenadoras do projeto, a psicóloga Suelen Bordignon, a iniciativa vem sendo idealizada desde 2020 e começou a ser oficialmente executada neste ano na escola Vânia, na escola Professor Noely Clemente de Rossi e na escola Santa Helena, todas municipais. “Os encontros são realizados quinzenalmente com 126 alunos das turmas de primeiro ano de cada escola e conduzidos por estagiários dos cursos de Psicologia (André Santa Lúcia, Cinára do Carmo Cagliari e Cindy Variani) e Pedagogia (Morgana Garcia Dorneles)”, informa Suelen. Além de Suelen, o projeto tem a coordenação da psicóloga Nádia de Cesaro e da professora Graciela Tramontina Poletto, da SMED. 

A cada encontro com as crianças são trabalhados conceitos relativos a uma emoção por meio de atividades lúdicas e pedagógicas. “Até o momento, os alunos participaram de cinco encontros e já se observa as crianças percebendo e identificando e nomeando as suas emoções. Assim como nas professoras é possível identificar o cuidado para a validação das suas emoções e das emoções dos seus alunos”, analisa Suelen. 
 

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