Crise: déficit exato deve ser revelado nesta sexta

A crise sem precedentes vivenciada pela prefeitura de Bento Gonçalves não é resultado apenas do desvio de recursos públicos, até mesmo porque o valor apurado é pequeno se comparado ao orçamento do município. O maior agravante é o desequilíbrio, também chamado de insuficiência financeira. Na prática, corresponde a um valor que o município não teria para honrar os compromissos firmados e que seria herdado pela próxima administração. A expectativa é de que o déficit exato até o final do ano possa ser revelado nesta sexta-feira, dia 14.  

No início da força-tarefa instaurada para equilibrar as contas do município, a insuficiência estava estimada em R$ 36 milhões. Com as medidas adotadas para reduzir os gastos do município, como corte de pessoal, paralisação de obras e fim de alguns contratos, o valor foi reduzido aos poucos. De acordo com a contadora Michele Piletti, que auxilia na força-tarefa, no início da semana o déficit estimado era de R$ 8 milhões. 

Nesta semana, Michele, junto com a auditora de tributos Ana Rosa Gobatto, entregou um relatório de mais de 700 páginas à CPI instaurada pela Câmara de Vereadores. O processo foi elaborado pela secretaria de Finanças, a partir da análise de todos os empenhos modificados desde novembro de 2011.  Estão juntadas cópias de toda a documentação que comprova os desvios efetuados pela contadora exonerada Luana Della Valle Marcon. 

A explicação do prefeito Roberto Lunelli (PT) para o desequilíbrio, conforme revelou à CPI, é a suposta maquiagem no orçamento feita pelo ex-secretário de Finanças Olívio Barcelos de Menezes, o que fez com que o município gastasse mais do que tinha em caixa. Menezes, em seu depoimento, confirmou que a crise foi gerada por gasto além da receita, mas nega ter apresentado relatórios falsos e afirma que avisou ao prefeito que o dinheiro estaria no fim. Aos vereadores, ele disse que Lunelli não teria tomado medidas para frear gastos uma vez que não queria prejudicar sua tentativa de reeleição. Menezes disse ainda que o desequilíbrio pode ter relação com os atos de Luana, que realizava empenhos mensais para contratos longos, como os da Fundação Araucária e da CCS, quando pensava-se que o valor total devido às empresas já estaria empenhado.

Desvios

Os desvios já foram confirmados e são menores do que o esperado, como o SERRANOSSA já havia adiantado na semana passada, em entrevista com a procuradora-geral do município e secretária interina de Finanças, Simone Azevedo Dias. De acordo com Michele Piletti, Luana desviou R$ 364.274,00. Ela explica que havia muitas diferenças entre o saldo bancário e o da contabilidade interna. Todos os empenhos apontados como adulterados ou excluídos em um relatório fornecido pela Delta foram analisados. Michele explicou que era preciso conferir se os valores de fato haviam sido depositados nas contas das empresas utilizadas por Luana para desviar os recursos. 

Servidores não agiram de má fé

Ao apresentar o relatório à CPI, a auditora de tributos Ana Rosa Gobatto comentou que alguns funcionários da secretaria de Finanças se sentiram acusados de terem agido de má fé em razão de alguns depoimentos prestados. Segundo ela, o fato de muitos depoentes não terem conhecimento do funcionamento da secretaria, aliado a perguntas nem sempre objetivas, fez os vereadores entenderem que eles teriam participado do esquema de desvios. Em defesa, a contadora Michele Piletti explicou que os funcionários do setor de tesouraria, quando realizavam os pagamentos para as empresas utilizadas para desviar os recursos, conferiam se os dados contábeis e documentos necessários estavam corretos. Como não havia problemas na documentação, os pagamentos eram realizados.

Entenda o caso

*O caos na secretaria de Finanças veio a público no final de agosto deste ano, quando o então secretário, Olívio Barcelos de Menezes, registrou ocorrência por peculato na Polícia Civil contra a coordenadora de compras, licitação e patrimônio Luana Della Valle Marcon, após constatada divergência de dados na contabilidade. Ela estava no cargo desde maio de 2011 e foi exonerada logo depois da descoberta;

*Luana foi contratada como contadora durante a licença-maternidade de duas servidoras concursadas. Ela foi indicada por Eliane Pavanello, que por sua vez foi sugerida pela Delta, quando a empresa ainda não era responsável pelo sistema informatizado da prefeitura. Luana tinha plenos poderes dentro da secretaria. Seu trabalho como contadora foi questionado por alguns colegas, que alegam que ela não teria conhecimento de conceitos básicos de contabilidade; 

*As irregularidades teriam sido descobertas após uma servidora da secretaria de Saúde suspeitar de alterações em um determinado empenho. O caso passou a ser investigado pela Coordenadoria de Tecnologia de Informação e Comunicação (Ctec), que tem acesso a todas as modificações executadas no software. Com a auditoria foi possível descobrir que Luana apagou determinados empenhos. Os desvios teriam iniciado ainda no final do ano passado, logo após a troca de sistema informatizado da prefeitura, do qual Luana detinha a senha de administrador;

*Pelos relatórios gerados, foi possível verificar que as alterações e exclusões feitas por Luana no sistema foram todas após o horário de expediente. Ela criava um empenho fictício no sistema apenas para obter o número do processo. Posteriormente, alterava o empenho, incluindo o nome de uma das empresas que utilizava para desviar os recursos. Os valores eram sempre abaixo de R$ 8 mil, o que dispensa processo licitatório. O pagamento era realizado pela tesouraria e posteriormente excluído por Luana. No lugar do empenho deletado, Luana incluía o nome de servidores da secretaria. A medida era apenas para não deixar os dados em branco, já que eles ficam em ordem numérica no sistema. Nenhum servidor chegou a receber esses valores. Outra ação adotada para não levantar suspeita sobre a saída do valor da conta da prefeitura era incluir novo empenho, no mesmo valor desviado para as empresas, em nome de fornecedores que não levantariam suspeitas, como o INSS. O objeto era sempre a compra de peças;

*No dia 11 de outubro, Menezes também foi exonerado pelo prefeito, por estar supostamente envolvido no esquema. Uma força-tarefa foi criada para tentar restabelecer a ordem, sob comando do ex-secretário Rômulo de Jesus Dieguez de Freitas e da procuradora-geral e secretária interina de Finanças, Simone Azevedo Dias. Menos de duas semanas depois, Freitas pediu afastamento alegando recomendações médicas após uma forte crise de estresse;

*Desde agosto, o Ministério Público (MP) e Tribunal de Contas do Estado (TCE) abriram processos paralelos de investigação, sendo que no MP os trabalhos iniciaram após denúncias anônimas. Já o TCE iniciou auditoria após constatar irregularidades nos dados contábeis enviados pelo município ao órgão.  Durante um mês, auditores desenvolveram trabalho presencial em Bento Gonçalves;

*Em novembro, a Câmara de Vereadores instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o esquema de desvios;

*Em razão da incerteza financeira, houve paralisação de obras na cidade e demissão de estagiários, terceirizados e cargos em comissão (CCs) como forma de garantir economia dos recursos;

*O MP chegou a pedir o afastamento cautelar do prefeito Roberto Lunelli e dos secretários de obras, Alex Luiz Baretta, e de Gestão Integrada e Mobilidade Urbana, Heber Moacir dos Santos. A solicitação foi feita pelo promotor Alécio Silveira Nogueira, alegando que eles teriam autorizado continuidade de obras não prioritárias. O pedido foi negado pela juíza Romani Terezinha Bortolas Dalcin, da 3ª Vara Cível, que entendeu não haver provas suficientes que justificassem o afastamento cautelar;

*Após 40 dias, a fase de instrução da CPI das Finanças chegou ao fim na última segunda-feira. Ao todo, 23 testemunhas foram ouvidas, incluindo o prefeito, secretários municipais, fornecedores e servidores das Finanças. Entre os depoimentos houve muitas contradições, o que levou os vereadores a acreditar que alguns depoentes mentiram. Entre as dúvidas ainda não esclarecidas está o envolvimento do ex-secretário Olívio nos desvios. Embora o próprio prefeito o acuse de maquiar o orçamento e ter agido ao lado de Luana, Menezes afirma inocência e disse ter alertado o prefeito de que era preciso cortar gastos para evitar uma crise. O alerta teria sido ignorado para não prejudicar o processo eleitoral. Menezes acredita ter sido usado como “boi de piranha” porque Lunelli precisava culpar alguém pela derrota nas urnas;

*Foi comprovado desvio de  R$ 364,2 mil, sendo que a prefeitura chegou a divulgar um valor superior, de R$ 421 mil. Até agora o desequilíbrio financeiro, estimado em R$ 36 milhões no início da força-tarefa, está em torno de    R$ 8 milhões, mas pode reduzir ainda mais até o final do ano.

Reportagem: Carina Furlanetto


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