Crise na prefeitura: Um orçamento em cacos

O cartaz com um ponto de interrogação empunhado pelos manifestantes presentes durante a audiência pública que debateu a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para o exercício financeiro de 2013 é a imagem que melhor representa a situação na qual se encontram as finanças do município. “Não posso ter a aventura de no momento falar ‘temos tanto em caixa’. O orçamento foi transformado em cacos de vidro. Estamos juntando pedaços minúsculos”, definiu a procuradora-geral do município e secretária interina de Finanças, Simone Azevedo Dias, representante da prefeitura na audiência.
O encontro realizado na segunda-feira, dia 29 de outubro, foi bastante atípico, a começar pela presença da comunidade, que raramente participa das audiências promovidas pela Câmara de Vereadores. Além disso, não havia muito a ser debatido. “A LDO está aqui, mas desconhecemos o teor dela. É um orçamento que não sabemos qual é e nem o que temos. Não tenho o que apresentar nem o que defender dentro deste orçamento. É uma situação estranha e sem precedentes”, definiu Simone. Ela também pediu desculpas à comunidade pelo que está acontecendo dentro da secretaria de Finanças.Ela explicou que a LDO foi encaminhada por quem não está mais no governo, referindo-se ao ex-secretário de Finanças, Olívio Barcelos de Menezes, exonerado do cargo após constatação de que ele estaria envolvido no suposto esquema de desvio. “As alterações na LDO serão feitas à medida que a realidade for surgindo”, acrescentou.  
EsclarecimentosA procuradora e secretária aproveitou a presença da comunidade para prestar esclarecimentos. Segundo ela, esse é um momento “interessante” das investigações. “Não se busca descobrir apenas quanto foi desviado, mas o que foi feito com o dinheiro. A verdade entre quatro paredes talvez ninguém saiba”, lamentou. Na visão dela, o modus operandi usado para efetuar os desvios foi bastante inteligente. “Foi uma fraude muito bem feita”, reconheceu. Ela disse ainda que o município busca orientação do Ministério Público (MP) para ter acesso às cópias da auditoria realizada em Jaguari na época em que a contadora exonerada, Luana Della Valle Marcon, suspeita dos desvios junto com Menezes, foi secretária de Finanças daquele município e supostamente aplicou golpe semelhante. Todas as notas sem empenho estão sendo registradas de forma investigativa. Desde julho,  não era possível consultar o orçamento e os empenhos das secretarias. A justificativa apresentada pelo ex-secretário é que era uma das consequências da transição do sistema. Os documentos, segundo Simone, estavam desorganizados. “Acredito que tenha sido proposital, para facilitar a demora do levantamento”, afirmou. 
Indignação popularEmbora o pedido para que as falas dos presentes girassem estritamente em torno da LDO tivesse sido feito, alguns ocuparam o microfone para manifestar seu descontentamento com a situação vivenciada no município. Outros, aproveitaram o momento para dar sugestões. O vereador eleito Enio de Paris (PP) indicou uma consulta ao MP sobre os caminhos a serem tomados diante da situação. “Se aprovarmos este orçamento, estaremos mentindo aos bento-gonçalvenses”, ponderou. O advogado Getúlio Lucas de Abreu sugeriu que se comece o quanto antes a resgatar os cacos para ver o que pode ser executado ou não. “A LDO é possível ser refeita pelos diversos técnicos do município. Se a LDO não tiver bem costurada, não são os novos eleitos que vão sofrer, mas toda a sociedade. É impossível ver a banda passar em silêncio”, opinou.
O orçamentoA proposta orçamentária para 2013 perfaz um total de R$ 359,4  milhões, um aumento de 12,4% em relação a este ano. Para se chegar a esse valor, levou-se em consideração, além das estimativas de cálculo da receita, a elaboração de novos projetos em parceria com o governo federal. “É um projeto que pode não refletir a realidade”, observa o vereador e presidente da Comissão de Finanças e Orçamento, Vanderlei Santos (PP). Santos também reclamou que a matéria foi entregue fora do prazo e posteriormente teve pedido de devolução por parte do Executivo. “O prejuízo existiu com o retardo do encaminhamento, mas é pequeno comparado ao que vem sendo enfrentado”, definiu Simone. A LDO será votada em duas sessões extraordinárias na próxima terça-feira, dia 6 de novembro. 

R$ 36 milhões

Na segunda-feira, a procuradora-geral do município e secretária interina de Finanças, Simone Azevedo Dias, confirmou desvio de R$ 400 mil. Questionada se o valor havia aumentado, já que Lunelli divulgou na última sexta-feira, dia 26, que a fraude chegava a R$ 300 mil, ela  disse que essa é a primeira informação oficial que lhe foi repassada. Embora ainda não tenha sido apurado por completo o tamanho do rombo – a suspeita é que o valor ultrapasse em muito o montante já apurado – é possível afirmar que a insuficiência financeira chega a R$ 36 milhões. “Não significa que todo esse valor tenha sido roubado. Pode ser que é uma quantia que fizeram parecer que tinha em caixa, mas que na realidade não tinha”, explica alegando que o ex-secretário pudesse estar maquiando o orçamento real do município.

Pagamentos atrasados

Ao fim da audiência pública, em entrevista à imprensa, Simone disse que dentro de uma semana e meia será possível ter uma noção mais exata do rombo. “Não temos como operar de forma rápida diante do que aconteceu”, ponderou. Ela também afirmou que os pagamentos dos salários dos servidores seriam feitos apenas por volta do dia 10. Entretanto, na terça-feira, um dia após a realização da audiência, a assessoria de comunicação da prefeitura informou em nota que a equipe da força-tarefa na secretaria municipal de Finanças estava intensificando os trabalhos de conciliações e levantamentos financeiros para que os vencimentos fossem honrados até o quinto dia útil do mês, 8 de novembro. Na quarta-feira, dia 31, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais (Sindiserp) encaminhou ofício ao Executivo advertindo que, caso o pagamento não ocorre no prazo estabelecido, o funcionalismo irá parar a partir do dia 9, até que os salários sejam pagos.De acordo com Simone, a maior dificuldade para obtenção de receita para saldar as dívidas ocorreu no mês de outubro e deve se repetir em novembro. Para o final do ano, a perspectiva é mais animadora, já que alguns impostos são pagos nesta época. Ela diz ainda que não está descartada a possibilidade de que Bento possa recorrer a outras alternativas, como a antecipação da primeira parcela do ICMS de janeiro de 2013, medida que está sendo adotada pelo Estado para auxiliar os municípios que estão em situação de crise financeira e necessitam de recursos para fechar as contas.

 

Reportagem: Carina Furlanetto


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