Série Vida de: da escola pública para o mundo

O bento-gonçalvense Marcos Amado Petroli, de 31 anos, chegou onde muita gente sonhou. Ele é o único brasileiro a fazer o doutorado em uma das universidades de Arquitetura mais conceituadas do mundo – o Illinois Institute of Technology (IIT), em Chicago. “Nunca nenhum outro estudante brasileiro fez doutorado lá. Uma série de pessoas foi para o curso de graduação e tem hoje uma brasileira no curso de Arquitetura fazendo mestrado”, comenta ele, que recentemente esteve em Bento Gonçalves visitando a família, aproveitando a vinda ao país para participar de um congresso em Uberlândia-MG. 

Ele está nos Estados Unidos desde 2015, por meio do programa Ciência sem Fronteiras, e deve permanecer por lá até 2019, quando termina o seu doutorado. No mesmo ano, já tem a data de casamento marcada. Mas, ao contrário de muitas pessoas que têm o sonho de morar ou estudar fora, ele partiu com o desejo e a certeza de retornar ao Brasil após concluir os estudos. A noiva, Mallory Snipes, é americana e compartilha os planos, já que a empresa em que trabalha tem filiais em Brasília, São Paulo e Porto Alegre. Petroli não descarta possibilidade de voltar a atuar como arquiteto, mas pretende seguir com a vida acadêmica. Ele acredita que sua história é a prova de que estudantes de escolas públicas podem ter êxito nos estudos, inclusive fora do país. “É mais fácil do que se imagina, desde que realmente queira muito”, afirma. 

O desejo de ser professor surgiu pela experiência com a monitoria em escola pública. Após reprovar no primeiro vestibular que prestou,  no ano seguinte, enquanto frequentava um cursinho preparatório, percebeu que, embora fosse um dos melhores alunos na época da escola, eram vários os conteúdos que não havia aprendido. Ao ser aprovado em Arquitetura e Urbanismo na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs) apenas para o segundo semestre do ano, ele decidiu que durante os seis meses de espera até o início das aulas ajudaria os alunos da antiga escola a se prepararem para as provas. Era para ser apenas um curto período por semana, mas os estudantes gostaram tanto da iniciativa que Petroli acabou parando até na sala de aula, ensinando Matemática, Física e Química. 

Já na graduação, ele foi bolsista de pesquisa durante três anos, já se encaminhando para uma vida acadêmica. Em 2011, concluiu a faculdade e, no mesmo ano, ingressou no mestrado pela Ufrgs. Como arquiteto, trabalhou no escritório Ponto 6 e, antes de sair do país, também deu aulas para o curso de Arquitetura na UCS e na Univates. 

Aos 29 anos, já havia conquistado todas as metas que traçou para a sua vida e decidiu buscar novas experiências. Já tinha proposta para cursar o doutorado na Ufrgs, mas escolheu os Estados Unidos pela vanguarda na tecnologia. “Queria explorar todo o potencial de conhecimento. Sempre fui curioso”, comenta. Inicialmente, ele foi para a Universidade da Flórida, onde teve as primeiras publicações em inglês e aprimorou-se a fim de conseguir a pontuação necessária para ser aceito no IIT. Atualmente em Chicago, além da pesquisa em história e teoria, onde estuda abóbodas monumentais em concreto armado, é assistente de professor, atua na administração do programa de PhD e é diretor do  Docomomo Chicago, órgão de preservacao da arquitetura moderna local Ele já tem um livro publicado em inglês sobre a América Latina e está escrevendo, em parceria com outros dois pesquisadores, uma obra sobre a arquitetura portuguesa. Além disso, também irá traduzir para inglês e italiano sua dissertação de mestrado e publicar um livro sobre sua pesquisa atual antes de concluir o doutorado.  

Adaptação 

Petroli conta que foi bem recebido nos Estados Unidos e que não encontrou muitas dificuldades de adaptação, uma vez que os brasileiros já sofrem influência da cultura americana, o que torna o processo mais fácil em comparação com outras nacionalidades, como europeus e asiáticos – dos 20 estudantes de doutorado no IIT, apenas dois são americanos.

De maneira geral, os americanos costumam ser mais fechados e resistentes a outras culturas. “Se propuser fazer uma festa junina, é muito difícil que eles aceitem”, exemplifica.  A América Latina, para muitos americanos, é desconhecida. Alguns sequer sabem que no Brasil se fala português e não espanhol. Apesar disso, segundo ele, nos centros mais intelectuais há o interesse pelo mapeamento da América Latina, que, apesar dos altos e baixos nas áreas de economia e política, não é vista como inferior em aspectos culturais.

Ele desmistifica a ideia de que a vida no exterior é muito melhor do que no Brasil. “O brasileiro acha que tudo lá fora é melhor e mesmo as pessoas que vão para fora vendem essa ideia, mas o Brasil tem coisas muito interessantes”, garante. Entre os pontos positivos da vida nos Estados Unidos, Petroli destaca a segurança pública – ser baleado em um assalto, comenta ele, é algo impensado para os americanos – e a economia – mesmo trabalhadores braçais, que costumam ter remunerações mais baixas no Brasil, conseguem ter um bom padrão de vida por lá. Em contrapartida, em sua avaliação, os americanos são muito individualistas e estão atrasados em questão de sustentabilidade. Ele também demonstra preocupação com o direcionamento de recursos do governo Trump para a área bélica – o que acende o sinal de alerta para ameaça de guerra – e as medidas contra o ingresso de estrangeiros no país – cujo impacto ele vivenciou de perto com colegas iranianos. 
 

Esta é a 57ª reportagem da Série “Vida de…”, uma das ações de comemoração aos 10 anos do SERRANOSSA e que tem como objetivo contar histórias de pessoas comuns, mostrando suas alegrias, dificuldades, desafios e superações e, através de seus relatos, incentivar o respeito.