De solidariedade a caso de polícia

O que tinha tudo para ser mais uma história comovente de solidariedade em Bento Gonçalves ganhou contornos revoltantes e virou caso de polícia. A busca por um doador de medula que poderia salvar a vida de Eduardo Borges Stringhi, de sete anos de idade, mobilizou familiares, amigos e pessoas da comunidade. De doente grave há poucos dias, Eduardo hoje brinca feliz com colegas de escola e já não apresenta sintomas. O detalhe é que ele não recebeu o transplante, tampouco qualquer tratamento específico para leucemia. Médicos descobriram que o que provocava a baixa imunidade era o fato de o menino estar recebendo injeções de substâncias no soro. A principal suspeita é a mãe dele, que está internada em uma clínica psiquiátrica desde que a situação foi descoberta. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil.

A desconfiança dos médicos que atendiam Eduardo em um hospital de Porto Alegre começou após a constatação da ineficácia de alguns tratamentos e da instabilidade do quadro de saúde do menino, apesar da manutenção dos medicamentos. Segundo ocorrência registrada no dia 14 de agosto deste ano na 14ª Delegacia de Polícia de Porto Alegre, a médica responsável pelo caso relatou que as complicações eram consideradas anormais e que a mãe estaria injetando substâncias no soro, o que configuraria tentativa de homicídio. O caso foi encaminhado para investigação na 1ª Delegacia de Homicídios e Desaparecidos (1ª DHD), também na capital. “Não houve prisão em flagrante, mas a mãe responderá Inquérito Policial já instaurado”, garante o delegado titular da 1ª DHD Cléber dos Santos Lima.

Até o momento, a investigação confirma a tese inicial de tentativa de homicídio. Diversas pessoas que tinham relação com a criança já foram ouvidas pelos investigadores. “Já ouvimos a médica que desconfiou, a enfermeira que cuidava do garoto e o pai e até o momento tudo indica que tenha ocorrido uma tentativa de homicídio”, detalha o delegado. Segundo ele, as substâncias que estariam sendo aplicadas pela mãe foram apreendidas e encaminhadas para perícia. “O que importa é que a criança está bem e que melhorou significativamente depois que foi retirada dos cuidados da mãe no ambiente hospitalar”, diz Lima.

O SERRANOSSA entrou em contato com a médica que registrou a ocorrência, mas ela preferiu não se manifestar. Também foi tentado contato com a mãe do menino. Na clínica foi informado que ela pode receber visitas diariamente, mas não pode conceder entrevista por estar em tratamento.

Briga antiga

Desentendimentos são recorrentes na família de Eduardo. Os pais do garoto estão separados desde que ele tinha dois anos de idade e a guarda dele havia sido concedida para a mãe. Segundo o pai, Edemar Joel Stringhi, ele chegou a ser proibido de ver o próprio filho enquanto estava internado. “Ele nos conta que antes da internação a mãe o obrigava a tomar azeite puro e que, caso ele não aceitasse tomar, era agredido fisicamente. No hospital, a alegação para as injeções era de que as substâncias seriam remédio”, detalha o pai.

A partir da retirada da criança do convívio com a mãe, no dia 14 de agosto, mesmo dia em que a ocorrência foi registrada, o pai deslocou-se a Porto Alegre e passou a tomar conta de Eduardo. Ele conta que a campanha em prol do doador de medula foi mantida porque não se tinha certeza se os sintomas eram resultado da leucemia ou das substâncias aplicadas no soro. “No dia da campanha ele continuava internado e estava bem ruim”, lembra o pai. O garoto recebeu alta no começo de setembro.

O pai relata que enquanto estava junto com a mãe do garoto, nunca teve problemas de relacionamento, tampouco notou comportamentos estranhos por parte dela. A preocupação começou depois do falecimento do irmão de Eduardo, de quatro anos de idade, em setembro do ano passado. A criança era filha do mesmo pai, mas nasceu após a separação do casal. O diagnóstico do menino também apontava para um tipo de leucemia. Depois da morte, Eduardo passou a se queixar de fortes dores de barriga e foi internado no hospital Tacchini, em Bento Gonçalves. Como o quadro não melhorava, foi transferido para Porto Alegre. O diagnóstico de que o garoto teria um tipo de leucemia, a exemplo do irmão falecido, foi dado apenas após a internação na capital. Apesar da coincidência entre os casos, o delegado responsável diz que não será feita a exumação do corpo em busca de provas que poderiam atribuir a morte à mãe da criança. “O que consta no atestado de óbito é que a causa da morte foi natural, o que não nos dá argumento para uma exumação”, destaca Lima.

Segundo Stringhi, sua ex-esposa não tinha conhecimentos específicos de enfermagem e nunca trabalhou. Desde o incidente, ela permanece internada na Clínica Psiquiátrica Professor Paulo Guedes, no bairro Ana Rech, em Caxias do Sul. O pai obteve a guarda provisória do garoto e se diz aliviado. “Eu pagava pensão e achava que ele estava bem cuidado e na verdade não estava”, lamenta. De acordo com o pai, Eduardo relata não querer mais contato com a mãe.

Não foi em vão

Apesar do contorno lamentável, a mobilização realizada em prol de Eduardo não foi em vão. Isto porque todas as pessoas que se cadastraram como doadores de medula, a exemplo de todas as campanhas do gênero, tiveram o nome incluído no Cadastro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome). “A pessoa fica no cadastro até atingir a idade limite de 55 anos e pode beneficiar pacientes de qualquer lugar do país e até do exterior”, comenta a assistente social do Hemocentro Regional de Caxias do Sul, Ana Paula Rombaldi. Ela opina que o ideal seria fazer campanhas desvinculadas de casos específicos, mas que isto acaba tendo maior repercussão em função da comoção. “A pessoa se cadastra tentando ajudar uma pessoa, mas acaba podendo beneficiar várias”, analisa.

Bruno Basso

A mobilização pela busca de um doador de medula compatível para Eduardo foi a segunda da história do município. A primeira foi em prol de Bruno Basso, realizada em 2007. Nas três campanhas realizadas, mais de duas mil pessoas doaram amostras de sangue. Bruno passou pelo transplante em 2010 e hoje, aos 17 anos, leva uma vida normal

 

Reportagem: Carina Furlanetto e Greice Scotton

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