Deus e sua vontade de salvar
Nós já ouvimos falar da revelação de Deus. Revelar significa mostrar-se, tirar o véu, deixar ver. Deus se manifestou ou revelou ao longo da história da humanidade de muitas maneiras, atingindo seu ponto máximo e insuperável em Jesus de Nazaré. Em Jesus se mostrou como amor puro e infinito. De outra parte, certamente, já ouvimos dizer que Deus também se esconde, ou seja, Ele se revela, mas, também, às vezes, se esconde. Essa maneira de ver se apresenta interessante, uma vez que, nós percebemos pela nossa experiência, que às vezes, os sinais de Deus nos parecem claros e outras vezes não. Algumas pessoas dizem: “naquela hora senti a presença de Deus” e outras afirmam “ que é difícil sentir a presença de Deus”. Ainda, se diz que Deus também se esconde ou silencia porque nós, humanos, não conseguimos captar de uma só vez todo o seu falar. Por isso, nos fala aos poucos.
A compreensão de Deus como amor puro e livre pode nos ajudar a pensar um pouco diferente. Vale refletir a partir da convicção central de que Deus como puro amor em ato, isto é, em permanente atividade, está sempre se revelando na máxima medida possível, desde sempre e sem discriminação. Está sempre querendo se revelar a todas as pessoas, culturas e religiões. Os limites da revelação histórica não acontecem porque Deus silencie ou não queira se revelar, mas sim pela incapacidade e resistências humanas. Deus quer se mostrar na máxima medida possível, mas o ser humano é incapaz de acolher toda essa revelação. Nós vamos acolhendo aos poucos, a partir de nossas possibilidades limitadas. Deus sendo única, pura e exclusivamente salvação, quer mostrar aos seus amados, os seres humanos, essa sua vontade de salvar.
Diante disso, compreendemos que na revelação não há nada de reserva ou avareza de Deus. A reserva seria aquele silêncio de Deus, para nos criar expectativa ou nos dizer algo depois, porque se dissesse logo não o compreenderíamos. A compreensão de um Deus que fala e silencia não é muito coerente com a revelação de Deus como amor. Se ele é amor em ato, sempre agindo, Deus está numa luta amorosa (Karl Jaspers) para se mostrar. Está sempre agindo, num esforço paciente e incansável contra a nossa incapacidade, as nossas resistências, nossos egoísmos e, às vezes, malicias, para nos fazer perceber a luz salvadora do seu amor. Essa atividade de Deus vai sendo percebida na medida em que as circunstâncias da história e do tempo permitem. Aonde vai se abrindo espaço para Deus, também vai se compreendendo aquilo que ele fala. O fechamento impede a escuta. Não se ouve, não porque Deus não queira falar ou não fale, mas porque os seres humanos, seu contexto, seus limites e vontades impossibilitam a escuta. Quando não se ouve a voz do amor e não se percebe sua ação é porque os limites humanos estão em evidência e o fechamento é forte.
Na vida, morte e ressurreição de Jesus, Deus falou sua palavra insuperável e definitiva. Ali mostrou o seu rosto. Assim sendo, podemos nos perguntar: quem conseguiu captar em Jesus toda a revelação que ele era do Pai? O processo de conhecimento de Deus em Jesus de Nazaré é permanente e inacabável. Isso, não porque Jesus não tenha dito o que queria dizer, tenha silenciado por não querer revelar. A luta de Jesus foi, com palavras e ações, mostrar quem Ele era, quem Deus é. A incompreensão, as dificuldades de assimilação, as resistências sempre estiveram do lado das pessoas e não em Jesus. Na nossa entrega amorosa de escuta, de contemplação da pessoa de Jesus, vamos captando sempre mais quem ele é, conhecendo-o, e conhecendo o Pai. Este mistério, porém, sempre será mistério, mas não porque Deus não quer falar, mas sim porque nós somos pequenos e limitados para compreender. Pensemos nisso…