Doações de órgãos: o que é e como funciona o procedimento em Bento Gonçalves

A enfermeira responsável pela Comissão Intra Hospitalar para Doação de Órgãos do Hospital Tacchini, Ana Turmina, explica como é o processo

Foto: Alexandre Brusamarello

A notícia de que o apresentador Fausto Corrêa da Silva, popularmente conhecido como Faustão, teria que se submeter a uma cirurgia de transplante de coração, circulou por todo país nas últimas semanas e reacendeu o alerta para que a população se conscientize e converse com seus familiares sobre o assunto, manifestando o interesse em ser um doador.

A doação de órgãos é um ato pelo qual podem ser retirados órgãos ou tecidos de uma pessoa viva ou falecida (doadores) para serem utilizadas no tratamento de outras pessoas (receptores), com a finalidade de restabelecer as funções de um órgão ou tecido doente.

O doador falecido após morte cerebral é o paciente cuja morte cerebral foi constatada segundo critérios definidos pela legislação do país e que não tenha sofrido parada cardiorrespiratória. O doador falecido nesta condição pode doar coração, pulmões, fígado, pâncreas, intestino, rins, córnea, vasos, pele, ossos e tendões.

Já o doador com cuja morte foi constatada por critérios cardiorrespiratórios (coração parado), nesta condição pode doar apenas tecidos para transplante: córnea, vasos, pele, ossos e tendões.

De acordo com a enfermeira responsável pela Comissão Intra Hospitalar para Doação de Órgãos do Hospital Tacchini, Ana Turmina, independente do tipo de morte, antes de confirmar se uma pessoa realmente pode ou não ser um doador de órgãos, é feita uma investigação para descobrir se ela possuía comorbidades.

“Se ele pode ser doador, a gente consulta a família. Se a família autorizar, iniciamos com os nossos exames, que vão dizer quais órgãos podem ser doados”, explica.

Ainda segundo Ana, em situações em que não há uma causa para a morte, ou a causa é considerada desconhecida, não é possível prosseguir com a doação de órgãos.

Números

Conforme Ana, depois da pandemia de COVID-19, houve uma redução do número de captações de órgãos no Hospital Tacchini. Contudo, ela enfatiza que é muito raro uma família negar a doação de órgãos, quando existe a possibilidade para tal ato.

“Tivemos três mortes encefálicas, em que foi doado coração, fígado, rim, pulmão, córneas. Então, três pessoas doaram múltiplos órgãos”, afirma.

Segundo a profissional, um dos motivos que pode explicar a redução é que do total dos óbitos registrados em 2022, poucos tinham o perfil para doador, a maioria não se encaixava dentro dos critérios necessários.

Já em 2023, até o momento, ocorreram 14 doações, sendo duas por múltiplos órgãos, de morte encefálica, onde foram doados rins, fígado, parte do pulmão, um coração e córnea.

Captações

O Hospital Tacchini, por meio de uma equipe de enfermeiros treinados, só realiza a captação de córneas. Após o procedimento, o órgão é encaminhado para o Banco de Olhos de Caxias do Sul do Hospital Geral.

Os outros órgãos captados no Hospital Tacchini, são realizados por uma equipe especializada da Central Estadual de Transplantes de Porto Alegre, que vai até a instituição, realiza a captação e leva os órgãos, que serão distribuídos conforme a lista de espera e outros fatores importantes.

“Um coração, por exemplo, não dá para captar aqui e levar para São Paulo, porque o tempo é muito curto, já que o coração tem [no máximo] quatro horas para ser retirado e implantado”, explica.

O tempo que cada órgão aguenta após ser captado, varia. De acordo com Ana, o pulmão aguenta seis horas, por isso, assim como coração, também não pode ser mandado para muito longe.

“O rim tem até 18 horas e o fígado até 12 horas para ser implantado. As córneas têm 18 dias. Osso até cinco anos”, esclarece.

Um ato de amor

O ciclista Eduardo Henrique Greggio, de 36 anos, teve a morte encefálica confirmada através da realização de dois exames clínicos e um de imagem, na tarde do dia 23 de setembro de 2022. Ele estava internado em estado grave na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Tacchini, após ter sido atropelado por uma caminhonete Amarok, dias antes.

Apesar do momento de intensa dor e choque, a esposa Mônica Fiorotto Greggio e a cunhada Graziela Greggio Cazer, decidiram doar os órgãos dele. Eduardo foi doador de coração, córneas, rins e pulmão.

“Minha cunhada e eu passamos três dias acompanhando a situação do meu marido. Na sexta-feira, dia 23 de setembro, recebi uma ligação de que precisaríamos ir até o hospital. Chegando lá, nos informaram da situação dele, que estariam realizando testes para confirmar a sua morte cerebral. Infelizmente, essa foi uma notícia, que embora soubéssemos da gravidade e talvez esperássemos por isso, a confirmação é sempre dolorida”, relata.

Mônica afirma que diante da situação, de mãos dadas com a cunhada e emocionadas com o momento, questionaram como poderiam fazer a doação de órgãos do Eduardo.

“Lembro que nem aguardamos o pedido do hospital. Dissemos que os órgãos que pudessem ser doados, poderiam e deveriam ser. Não tenho lembrança de conversar com meu marido, em vida, sobre esse assunto, pois sempre foi um assunto que eu desviava. Não gostava de falar sobre a morte. Então, na verdade, foi uma vontade da família”, conta.

Mônica acredita que seria um ato de egoísmo se não optassem por realizar a doação de órgãos dele.

“Meu marido não volta mais, mas ele pode estar salvando não uma pessoa, mas várias. Como disse minha cunhada, não é apenas uma pessoa que nasce de novo, nasce uma mãe, um pai, talvez um filho, um marido ou esposa, demais familiares e amigos, enfim, todos têm uma nova chance”, ressalta.

Embora a decisão possa causar dúvidas e medo, Monica reforça que o ato vale a pena, já que pode salvar várias vidas.

“Lembro que, no nosso caso, o processo todo demorou um dia e meio e isso nos cansou bastante. Mas hoje, olhando para trás, não foi nada perto de todo o bem que a nossa decisão trouxe a cada um desses que foram beneficiados. Gostaria que todos pensassem nesse assunto com carinho, pois é um ato tão simples, mas de um significado tão grandioso, oferecer uma nova chance. É muito nobre”, finaliza.

Lista única

O Sistema de Lista Única é constituído pelo conjunto de potenciais receptores brasileiros, natos ou naturalizados, ou estrangeiros residentes no país, inscritos para o recebimento de cada tipo de órgão, tecido, célula ou parte do corpo.

É regulado por um conjunto de critérios específicos para a distribuição destas partes aos potenciais receptores, assim constituindo o Cadastro Técnico Único (CTU).

Para a doação após a morte, nem o doador, nem a família podem escolher o receptor. Este será sempre o próximo da lista única de espera de cada órgão ou tecido, dentro da área de abrangência da Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos e Tecidos (CNCDO) do seu local.

A família do doador não paga nada, da mesma forma que não recebe qualquer pagamento pela doação.