Em audiência, Movimento Negro repudia PEC que impede mudança da letra do Hino do RS

O encontro, proposto pela deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), reuniu no plenarinho da Assembleia Legislativa, na noite de segunda-feira, 03/07, ativistas do Movimento Negro, historiadores, sindicalistas e militantes dos movimentos antirracista e antifascista

Foto: Paulo Garcia

Na véspera da votação em primeiro turno da PEC 295/2023, que institui a imutabilidade dos símbolos do Rio Grande do Sul, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos promoveu uma Audiência Pública para debater a letra do Hino do Rio Grande do Sul. O encontro, proposto pela deputada Bruna Rodrigues (PCdoB), reuniu no plenarinho da Assembleia Legislativa, na noite de segunda-feira, 03/07, ativistas do Movimento Negro, historiadores, sindicalistas e militantes dos movimentos antirracista e antifascista.

Entidades que representam o povo negro defenderam a rejeição da PEC, apresentada pelo deputado Rodrigo Lorenzoni (PL) e outros 19 deputados, e a realização de um amplo debate com a sociedade gaúcha sobre a alteração da letra do hino, que consideram racista. A crítica diz respeito aos versos “povo que não tem virtude acaba por ser escravo”.

“O pano de fundo desta proposta é a chegada da bancada negra na Assembleia Legislativa. Sempre estivemos neste território, servindo e limpando. Mas pela primeira vez, numa bancada. E isso desacomoda os que sempre dominaram este espaço. A PEC é uma forma de dizer que este não é o nosso lugar”, afirmou Bruna, que, junto com da presidenta da CCDH, Laura Sito (PT), e o deputado Mateus Gomes (PSOL), integra a primeira bancada negra no parlamento gaúcho.

Laura argumentou que a Constituição Estadual já protege os símbolos gaúchos. A petista ressaltou que o movimento não é contra a tradição cultural gaúcha, mas que o povo negro tem o direito de ter “nos símbolos do estado sua dignidade garantida”. “Estamos diante da PEC do cala a boca; de uma clara tentativa de impedir que façamos este debate”, acredita.

O deputado Mateus Gomes lembrou que nenhum país democrático tornou seus símbolos imutáveis e que há inúmeros exemplos de alterações no decorrer da história. “A PEC desvaloriza a contribuição de nosso povo para a cultura gaúcha e busca apagar a presença dos negros na história do Rio Grande do Sul”, sintetizou.

Ele defendeu a rejeição da PEC e a aprovação do PL 2/2021, de autoria do deputado Luiz Marenco (PDT), que exige a realização de consulta referendaria para alteração dos símbolos do Estado.

Aspectos históricos

O ex-deputado e historiador Raul Carrion sustentou que, caso a PEC seja aprovada, haverá espaço para que o resultado seja questionado na Justiça. Segundo ele, o hino a que a Proposta de Emenda Constitucional se refere não é o verdadeiro, criado para comemorar a vitória dos farroupilhas na Batalha de Rio Pardo, em 1838. O hino, que já é protegido pela Constituição, de acordo com o historiador, é o Hino Nacional (da República Farroupilha), publicado no jornal O Povo, em 4 de maio de 1839. A versão, conforme Carrion, não contém os versos considerados racistas.

O historiador Rivair Macedo, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), elaborou um parecer para o Conselho de Desenvolvimento do Povo Negro em que sustenta que os símbolos têm a função de produzir adesão e coesão social. E, quando isto não acontece, eles devem ser repensados.

Sobre a letra do hino, argumentou que o debate não se restringe apenas à conjuntura do século XIX, quando foi elaborada, mas à perpetuação de uma linguagem senhorial e escravocrata na atualidade.

Entidades

A audiência foi marcada por manifestações de dezenas de representantes de entidades da sociedade civil, inclusive, da presidente do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG), Ilda Borba Goulart. Ela disse que o MTG está disposto a ser parceiro do debate sobre a mudança do hino, desde que seja baseada num estudo aprofundado do tema por historiadores, músicos e letristas. “Prezamos pela democracia e pelo aperfeiçoamento de nossa cultura”, declarou.

Para a representante da Frente Negra Gaúcha, Maria Helena dos Santos, “a mudança do trecho racista do hino é uma questão de reparação história” e deve ser discutida com toda a população gaúcha.

A integrante da Sociedade Brasileira do Direito Antidiscriminatório, Eduarda Garcia, acrescentou que a letra funciona como “um gatilho cognitivo em qualquer contexto, pois o único povo escravizado e traído no Rio Grande do Sul foi o povo negro”. Ela enfatizou, ainda, que a letra do hino “submete negros e negras a constrangimento ilegal”, motivo pelo qual não se levantam durante sua execução.

Já o representante do Instituto de Acesso à Justiça, Cleidson Renato, afirmou que parcela significativa da população gaúcha se sente ofendida pelo Hino Riograndense e que não há “tradição horrorosa que não possa ser mudada”. Citou exemplos de alterações de símbolos que ocorreram em Ouro Preto (Minas Gerais), Austrália e Mississipi (Estados Unidos).

No final da audiência, foi apresentado um vídeo com a gravação do trecho do hino modificado, a partir de proposição do poeta e professor Oliveira Silveira. Na nova versão, os versos criticados foram substituídos por “povo que é lança e virtude, a clava quer ver escravo”.

A PEC

Nesta terça, 04/07, a PEC 295/23, de autoria do deputado Rodrigo Lorenzoni (PL) e subscrita por outros 19 deputados estaduais, volta à sessão plenária da Assembleia, para a votação em primeiro turno.

A votação da PEC começou no dia 27 de junho, com a inclusão no texto de emenda do deputado Luiz Marenco (PDT), apresentada pelo líder Eduardo Loureiro (PDT), que mantém a proteção constitucional aos símbolos e condiciona qualquer alteração a um referendo, ou seja, ao voto da população gaúcha.

Lorenzoni se manifestou pela aprovação da Proposta pelo plenário. Pelas redes, o deputado tem convidado a população gaúcha a se mobilizar. “A nossa mobilização é fundamental para evitar que a extrema-esquerda derrube a PEC. Queremos garantir que nossa tradição e nossa história sigam sendo motivo de orgulho, sigam sendo reverenciadas por todos nós e, assim, reconhecendo sua importância, a gente compreenda nosso presente e projete um futuro de cada vez mais amor e orgulho de ser gaúcho”, justificou o deputado do PL.

Subscrevem a PEC os deputados Adriana Lara, Airton Lima, Capitão Martim, Cláudio Tatsch, Delegado Zucco, Eliana Bayer, Elizando Sabino, Felipe Camozzato, Frederico Antunes, Gaúcho da Geral, Guilherme Pasin – eleito por Bento Gonçalves -, Gustavo Victorino, Joel Wilhelm, Kelly Moraes, Marcus Vinícius, Paparico Bacchi, Professor Claudio Branchieri, Professor Issur Koch e Sergio Peres.