Especial Presídio: o que diz o pretor José Guerra

Apesar de conhecer a grave situação que os órgãos de segurança Pública têm enfrentado devido à falta de verba para manutenção das viaturas e aquisição de materiais essenciais, o pretor do Juizado Especial Criminal (Jecrim) de Bento Gonçalves, José Heldrich Guerra tomou uma decisão radical: não repassa mais nenhum recurso aos órgãos, por entender que esse dever é do Estado. 

A decisão partiu após duas afirmações do secretário de Segurança Pública (SSP), Airton Michels, alegando que o governo possui dinheiro para arcar com as despesas referentes. “Pressuponho que alguém que exerça esse cargo não minta. Acredito no que ele diz, e não tenho porque desacreditar. Então, não posso retirar verba que poderia ser destinada a outras coisas maiores, no sentido de premiar a população, para repassar ao Estado que afirma que tem dinheiro”, declara.

As verbas do Jecrim vêm de processos cujas penas são revertidas em sanções alternativas, a exemplo do ocorre quando a pessoa é acusada pela primeira vez de um crime. Órgãos como Polícia Civil, Brigada Militar, Instituto Geral de Perícias (IGP) de Bento Gonçalves e presídio recebiam doações para compra de materiais, equipamentos e até mesmo para execução de reformas. “O repasse foi paralisado para todos os órgãos ligados à secretaria de Segurança Pública, e vou evitar repassar também a todos os demais ligados ao Estado. Pela minha experiência, quanto mais o cidadão assume coisas que são de responsabilidade do Estado, menos este faz. Está na hora de o Estado fazer o que é pago pra fazer. Ele recolhe muito imposto e deve fazer algo para melhorar nossas condições de vida. Se arrecada e não repassa, algo está errado”, destaca. Ele ainda acrescenta que não acha a situação justa para a população. “As pessoas pagam os impostos, o dinheiro não retorna e mesmo assim temos que fazer um novo esforço para pagar novamente o que já pagamos”, enfatiza.

Quem mais vem enfrentando dificuldades com o fim dos repasses é o Presídio Estadual de Bento Gonçalves, que além da superlotação, não recebe verba suficiente para realizar manutenções e compra de materiais essenciais, como folhas de ofício. “Sabemos que o Estado só se faz presente quando a necessidade é muito grande. Se através das verbas do juizado essa necessidade já não se mostra tão grande e mesmo assim o Estado não ajuda, imagina quando não houver necessidade?”, questiona.

O pretor enfatiza que está atuando como um “Robin Hood”, às avessas. “Estou tirando dinheiro de quem não tem, para repassar a quem já tem. Na atualidade, não conheço ninguém que propague falsa riqueza. Ao contrário, as pessoas até tentam esconder aquilo que têm”, enfatiza.

Após as afirmações do secretário, Guerra diz ter se sentido liberado. “Não é justo eu tirar dinheiro de um espaço para menores abandonados, crianças sem família e repassar ao Estado, que diz ter condições. A verba do Judiciário é repassada sempre em favor da sociedade, querem que eu tire mais do que o Estado já tira para dar para o próprio Estado? Eu trabalho com uma coisa chamada Justiça, se eu não faço Justiça, o que vou esperar dos demais?”, declara.

Manifestação

Uma sugestão de Guerra é que o empresariado e a sociedade unam-se para reivindicar junto ao governo que ele faça seu papel. “A sociedade de Bento é tão criativa quando se trata de promover a cidade. Deveria ser da mesma maneira quando se trata de uma urgência na sua qualidade de vida. Como cidadão, estou esperando o que para aclamar e bater nas portas do Estado? Temos que dizer que somos uma cidade que arrecada um número muito maior de impostos do que estamos recebendo como retorno. Está na hora de se fazer justiça com Bento Gonçalves”, enfatiza.

Segundo Guerra, a mobilização da sociedade é uma alternativa, mas está na hora de cada um assumir suas responsabilidades. “Temos que parar com essa ficção que tudo tem que parar no Judiciário. Eu não estou aqui para tapar furo do Estado, mas também não estou aqui para criar uma teoria do caos. Será que é preciso saber que uma garrafa vai quebrar se eu a atirar no chão? É obvio que o presídio já passou dos limites”, diz. Sua preocupação ainda vai além. “Fico imaginando como os juízes devem sentir ao ter que escolher entre prender A ou B. Olha a situação em que fica o magistrado: se ele não prende, tem uma sociedade inteira clamando pela prisão e contra ele. Se ele prende, explode o presídio porque não tem mais lugar. O que a sociedade quer? Tem que se definir e ir às autoridades competentes, cobrar aquilo que é direito dela. A sociedade merece ter um presídio digno, não posso pegar um presídio indigno, ‘fazer uma meia água’ e dizer ‘temos vaga para mais cinco’. Até uma criança de cinco anos sabe que ali não é o local adequado, que não tem condições de melhorar e só vai piorar. Tem que ser construído um novo presídio”, defende.


Volta dos repasses

Conforme Guerra, ele não vê perspectiva para o retorno no repasse de verbas para os órgãos. “Não tenho duas palavras. A não ser que ocorra uma coisa inesperada ou um fato novo. Infelizmente tem que deixar que as coisas cheguem ao fim para que o Estado faça sua função. Porque enquanto ele puder, não vai fazer nada. Se algum dia der uma rebelião e pegarem como refém um turista, uma autoridade ou até mesmo um cidadão, e houver uma repercussão na grande mídia, em menos de uma semana tudo será resolvido. Não é que o Estado não possa, é porque o Estado não quer. O porquê, eu não sei”, argumenta.

O pretor ainda destaca que todo cidadão é penalizado diversas vezes pela inércia do Estado. “Primeiro quando ele recolhe meu imposto, deveria impedir que eu fosse agredido, depois vem e me penaliza de novo, querendo que eu pague novamente, para que deixe quem me agrediu no presídio. É como se fosse uma relação entre mãe e filho. A cada bobagem dele, em vez de repreendê-lo e educá-lo, se abona a conduta. É isso que estamos fazendo: abonando a conduta do Estado. Como vamos reverter essa situação?”, questiona.

 
Reportagem: Katiane Cardoso

Leia mais do especial:
Falta de espaço preocupa
A opinião da juíza Fernanda Ghiringhelli

Siga o SERRANOSSA!

Twitter: @SERRANOSSA

Facebook: Grupo SERRANOSSA