Estamos sós

É maldita essa saudade ou apenas incompreendida? Porque escuto os lamentos, vejo as súplicas em tantos olhares. Saudade do pai que parece ter partido antes da hora, saudade daquele companheiro de quatro patas que nos viu crescer, saudade de um amor que deixou a frase “não era para ser”.

Reconheço-me nesses olhares, nessas palavras desesperadas de quem após anos rompeu um relacionamento. Onde deixar essas malditas lembranças que por tanto tempo nos guiaram? Onde colocar esses pensamentos que surgem antes de dormir e nos fazem pensar em como seria se tivéssemos feito tudo diferente?

Não, definitivamente não são os acúmulos, porque vejo as pessoas mais velhas reagindo melhor a essas sensações que deixam os jovens desesperados. Pessoas maduras sustentam e transmitem essa sensação de olhar ao passado como se fosse um quadro, nós não, nós, jovens, olhamos tudo como se fôssemos os principais atores do mundo, como se o filme da existência fosse baseado em nossas vidas. Somos atores principais e, por consequência, encaramos as causas e efeitos de cada fagulha de dor que juntamos pelo caminho a fim de fazer essa fogueira de memórias.

Lembro-me ainda mais jovem, torcendo para aqueles momentos passarem rápido, para aquela dor cicatrizar junto das estações. Lembro-me de torcer para que a noite fosse curta e eu logo pegasse no sono. De certa forma a gente se engana achando que isso passa, que dores passam, que a saudade passa, mas não, pelo contrário, o tempo é o combustível da saudade, da falta. O que então acontece é que nos acostumamos com esse angustiante sentimento, nos acostumamos para sobreviver, para mantermos um pedaço ainda inteiro diante de tantos fragmentos, de faltas e de nunca mais.
O tempo, sempre ele, tão justo, mas tão cruel; tão necessário, mas também tão desgraçado. O tempo que renova e nos torna obsoletos, que nos protege e ao mesmo tempo sufoca.

E quando olho esse amontoado de gente, cada qual em seu sofrer, percebo como todos ao fim nos unimos nesse círculo de prazeres infelizes e alegrias indescritíveis. Para cada pai que morre um novo pai nasce segurando um filho pela primeira vez. Para cada casal que diz adeus outras duas pessoas se encontram no sorriso do outro. Essa sinergia, essa continuidade que torna todos nós perdedores. Estamos aqui, condenados a encontros e despedidas: mas as despedidas parecem tão mais constantes. Então como, afinal, seguir, como agir? Afastar-se ou seguir nessa busca aparentemente infindável?

Vejo uma senhorinha a empurrar a netinha no balanço, o velho e o novo, o sofrer de décadas e alguém que ainda não conhece o sofrer. Como explicar a essa criança o que está por vir, como descrever o peso das lágrimas sobre o travesseiro, como fazê-la perceber que o tempo daquela que a empurra nesse balanço está acabando?

Às vezes dá medo de pensar na vida. Nós nos achamos tão fundamentais, damos tanto valor às nossas opiniões, mas qual o real valor disso tudo, dessas nossas certezas acumuladas?

Vivencio as angústias de meus amigos, mas não anseio mais pelas respostas certas, nem eles. Vivemos tempos em que qualquer resposta basta, qualquer dose que traga um novo fôlego.

Estamos em desespero, ou talvez sempre estivéssemos, a diferença é que agora nos sobra tempo para vivenciar essa angústia. Há comida na geladeira, farmácias em cada esquina. Filas de supermercado parecem mais perigosas do que resfriados.

São tempos delicados, pessoas sensíveis que querem parecer fortes e pessoas fortes com medo de serem chamadas de insensíveis. Tempos frágeis em que a dor de outros parece não doer tanto quanto a nossa. E de tanto falarmos na felicidade ela parece ter cansado de se mostrar a nós.