Estiagem afeta áreas pontuais e safra deve ter menos quantidade e mais qualidade
Variedades precoces que começaram a ser entregues nesta semana animaram enólogos. No entanto, caso chuvas previstas para o final do mês não ocorram, variedades intermediárias e tardias podem ser afetadas.
Todos os anos, as condições climáticas na Serra Gaúcha são motivos de preocupação para produtores da uva e do vinho. Chuva em excesso no final do ciclo pode causar doenças e afetar a qualidade da uva e a falta dela por um longo período pode encerrar seu ciclo de evolução ou ainda deixar a baga mais pequena. A estiagem que afeta a região tem prejudicado produtores, especialmente aqueles que não possuem tecnologia apropriada, como irrigação.
De acordo com Henrique Pessoa dos Santos, pesquisador na área de fisiologia de produção da Embrapa Uva e Vinho, as perdas de produção na região, até o momento, são pontuais e a situação pode piorar se as chuvas previstas para ocorrerem até o final do mês não chegarem.
Segundo ele, a videira necessita de 400ml a 600ml de água durante todo o seu ciclo. De agosto até esta semana, Bento Gonçalves registrou 469,5ml de chuvas, o que corresponde a 50% do volume da média dos últimos anos. Já nos últimos quatro meses, o volume de chuva foi de 179ml, 30% da média. “Diante desse volume, em condição do clima seco e quente, a planta gasta mais água e muitos parreirais estão enfrentando situações críticas de estresse hídrico”, explica o pesquisador. A situação é considerada crítica quando a videira passa a perder folhas ou elas ficam amareladas. “O volume de chuva está dentro do esperado para o período. O problema é que ele não foi uniforme – chove no vizinho, mas não na propriedade – e, nestes locais com mais escassez, percebemos que, como consequência, houve uma redução do tamanho da baga e redução de produção, mas não tão elevada. Já quem tem irrigação ou recebeu um pouco mais de chuva, pôde observar boa maturação e qualidade enológica”, detalha.
Henrique explica que mesmo aqueles produtores que tiveram suas produções mais afetadas e, por consequência uma diminuição do tamanho da baga, podem ser beneficiados com qualidade. “Quando a uva fica menor ela acaba tendo menos polpa e é na casca que tem mais compostos que dão cor e aroma ao vinho”, explica. Para ele, como a chuva não foi uniforme e, por vezes, em uma mesma propriedade pode haver diferentes tipos de maturação, o ideal é o produtor fazer colheita seletiva – quando são colhidas apenas as uvas prontas – nestas primeiras variedades precoces.
Já no caso das variedades intermediárias e tardias ele orienta um cuidado maior. “De acordo com um prognóstico meteorológico, janeiro terá mais chuvas. Caso elas forem uniformes, teremos garantia de qualidade, já que a quantidade já foi comprometida. Agora, se não ocorrer chuva em janeiro, vem um agravamento da estiagem o que pode comprometer também a qualidade”, garante.
Para evitar maiores perdas, o pesquisador orienta, em curto prazo, que os produtores apostem em podas drásticas, como se fosse do início de ciclo, retirando frutas e folhas secas e ramos que amadureceram e, ainda, apostem em uma tentativa de irrigação nas áreas mais debilitadas. “Sete dias após essa poda é recomendado incluir 20 litros de água por dia, com 0,5 de ureia, em cada planta, no período da manhã ou final de tarde durante sete dias consecutivos”, orienta.
Já em médio prazo, Henrique orienta a criação de uma represa de captação da água de chuva, que pode ser feito inclusive em conjunto com vizinhos, para evitar novas perdas. “Investimento em captação de água e sistema de irrigação são as grandes apostas dentro deste cenário de estiagem que tem ocorrido com frequência nos últimos anos. É uma garantia de produção”, afirmou. Para isso, os produtores e técnicos também podem contar com a Embrapa, que auxilia na tomada de decisões.
ENÓLOGOS PROJETAM SAFRA DE QUALIDADE
O presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), André Gasperin, destaca que ainda é muito cedo para afirmar qualquer coisa em relação à Safra 2022, especialmente neste início de colheita, quando o comportamento climático é decisivo do início ao fim, mas ele aponta que a estiagem prevê quebra na quantidade, porém um incremento importante na qualidade das uvas, que certamente se refletirá na qualidade dos vinhos. “Estiagem traz problemas sim, mas para vinhedos mais antigos. Já aqueles com irrigação por gotejamento, sem dúvida, vão produzir uvas tais quais ou melhores que as da Safra 2020, que ganhou o nome de ‘Safra das Safras’. Nossa expectativa é grande, depois de um 2021 totalmente favorável ao consumo interno, um ano em que o consumidor brasileiro descobriu o vinho brasileiro e que os mercados se movimentaram. Torcemos para que 2022 seja mais um ano do vinho brasileiro, assim como foi 2021”, pontuou.
Já Deunir Argenta, presidente da Uvibra, pontua que a estiagem enfrentada no Rio Grande do Sul deverá impactar na safra na quantidade e também na qualidade “Ainda é cedo para que possamos fazer uma avaliação global e definitiva, pois as primeiras uvas ainda estão sendo colhidas. O que vemos é que os vinhedos de uvas americanas, aquelas utilizadas para a elaboração de suco de uva, estão sofrendo mais, pois são estas que exigem que os grãos tenham mais suco. Nossa expectativa é que a chuva volte na medida certa para que possamos ter uma boa safra”, aposta.
Um laudo divulgado pela Emater nesta semana estima um prejuízo no setor primário R$ 37 milhões, com uma perda de 20% a 25% da produção por conta da estiagem. Além do cultivo da uva, outras produções, como pêssego, laranja, bergamota, ameixa e outros, também foram afetadas. Bento e outras cidades da região, como Santa Tereza e Monte Belo do Sul, estão entre os 200 municípios gaúchos que decretaram situação de emergência por conta da estiagem.