Eu temo pelo futuro de Bento

Temo não por pressentir, não por simplesmente analisar o cenário mundial ou discordar de medidas adotadas pelo povo e governantes nos últimos anos, temo o futuro de Bento Gonçalves pela estagnação das últimas décadas e pela inefetividade das ideias das ditas mentes competentes.
Bento aos poucos se torna uma cidade para poucos, crescem os projetos para condomínios fechados, o turismo alavanca bons números e, mesmo culturalmente, vemos uma série de avanços, mas nada disso se faz suficiente para Bento Gonçalves ser o que poderia e deveria ser.
Contorno as vielas dos bairros mais acessados, observo o fluxo de pessoas no Centro e na Cidade Alta, analiso horários de pico e a forma como o cidadão bento-gonçalvense se porta nas atividades diárias. O caminhar do povo diz muito, em São Paulo há pressa a cada passada, no Rio de Janeiro, uma curiosidade de quem antes de tudo admira-se com os tons de uma cidade que, apesar dos enormes problemas, se redesenha a cada dia. Como anda o povo de Bento? Pare e observe. Diga-me você.
Questiono-me sobre tudo que essa cidade poderia ser e não é. Não sou louco de andar pelas ruas após as 21h. Se alguém é, desafio a fazê-lo sem medo, sem a sensação de abandono e a constante do risco. Não há esquina segura em nossa cidade, não há pipoqueiro, vendedor de churros e pai com o filho nos ombros que ornamente qualquer praça à noite.  No verão pessoas aglomeram-se no mesmo lugar, a caminhada ocorre no bairro Planalto, pois é assim que aprendemos a nos sentir seguros, apenas quando outros tantos se põem em risco também.
Temo por Bento Gonçalves não por ser um pessimista. Temo, pois nos dez anos que escrevo a este jornal todas as minhas piores previsões se realizaram. Não há força mediúnica em mim, há apenas a observação dos fatos. Caminhamos lentamente enquanto os problemas que adoecem a cidade correm em um ritmo irrefreável. “Tendência mundial”, dizem sempre os que administram: eis a desculpa preferida de quem se ocupa na preparação do poder e não possui tempo para estudar soluções em longo prazo. No Brasil, longo prazo não atrai atenção popular.
Bento Gonçalves segue sim o fluxo da maioria das cidades brasileiras, aos poucos definha, deixa a condição de vida reservada ao que tem condições de comprar luxo, luxo este que acaba por distanciar ainda mais as comunidades tornando o todo não pertencente, como se várias cidades dividissem uma mesma cidade.
Tínhamos tudo para ser um lugar incrível, mas pecamos onde quase todos pecam, nessa ideia de que é incontrolável a situação e de que está ruim para todos. Um povo que construiu uma cidade em morros, que provou da sua força colonizando terras das quais tantos outros bravos não passariam nem perto. Bento, a cidade que começa a trabalhar antes dos primeiros raios de sol e que só para quando já noite. A cidade que prospera para sobreviver, mas que não possui o mesmo ímpeto para a qualidade de vida que vá além do mero dito ‘digno’.
Tendência mundial, os maiores produtores de riqueza escolhem onde querem viver. Aonde investem os maiores empresários de Bento Gonçalves quando o assunto é qualidade de vida? Com certeza não é aqui. Sei de vários que compraram apartamentos em Miami, outros tantos mantêm imóveis nas disputadas praias de Florianópolis. Luxo extra? Não, fuga da cidade, falta de perspectiva de que Bento Gonçalves se cumpra ao que realmente deveria ser: próspera em trabalho, mas também em recompensa.
Olhe à sua volta, você vê um povo feliz? Impossível. Temo pelo futuro, pois fácil é se perceber o presente. Sobreviver é diferente de viver.