Ex-prefeito fala sobre polêmica do Plano Diretor

Desde que foi revelada a recomendação do Ministério Público de Bento Gonçalves para que dez processos de alteração do Plano Diretor, parados há um ano na Procuradoria-Geral do Município, não fossem levados adiante, as modificações urbanísticas em Bento Gonçalves se tornaram alvo de polêmica. O atual Plano Diretor foi criado em obediência ao Estatuto das Cidades em 2006, ano em que a prefeitura era comandada por Alcindo Gabrielli, do PMDB.

Em meio à turbulência causada pelas notícias a respeito das alterações, Gabrielli falou pela primeira vez, com exclusividade ao SERRANOSSA, sobre pontos positivos e negativos da formatação da lei durante seu governo e sobre as polêmicas recentes envolvendo o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano (Ipurb). “Prefiro um parecer com fundamento assinado por uma só pessoa do que um parecer viciado pelos interesses eleitoreiros e clientelistas assinado por dez profissionais”, disse ele à reportagem.

Jornal SERRANOSSA: O Plano Diretor atual foi criado na sua gestão. Quais foram as dificuldades enfrentadas na época?

Alcindo Gabrielli: O Plano Diretor já existia há mais de 10 anos. Quando assumi, em janeiro de 2005, em conjunto com nossa equipe, exatamente em razão deste aspecto é que tínhamos um prazo de mais 22 meses e 10 dias para fazer a revisão do plano e adaptá-lo às exigências legais decorrentes da Constituição Federal. Se não fossem adotadas as medidas necessárias, eu, enquanto prefeito, poderia responder por improbidade administrativa. Mesmo sem a exigência do Estatuto das Cidades, nós faríamos a revisão. É claro que uma alteração deste tipo, que não foi tímida e não representou inércia, desagrada alguns setores e agrada a outros. Mas o administrador precisa estar bem assessorado e tomar as decisões, mesmo com prejuízo político, que se torna inevitável. Não somos infalíveis e o tempo é o senhor da razão.

SERRANOSSA: Houve resistência da comunidade em algum momento?

Gabrielli: Em qualquer mudança, há resistência. Várias buscam o interesse da comunidade, outras são resultado de interesses individuais e econômicos que não podem estar acima do interesse da coletividade. A transformação para o Plano Diretor Integrado foi desenvolvida dentro das normas legais. Nada foi inventado. Existia uma lei para ser cumprida. Foram 123 reuniões com as comunidades da área urbana e rural, já incluídas as audiências públicas para as quais toda comunidade de Bento Gonçalves foi convidada. O projeto foi para a Câmara de Vereadores e foi objeto de várias emendas. Em algumas, exerci o direito e o dever do veto. Enfim, foi aprovado. Uma das provas da nossa transparência e ética foi a aprovação pelo Conselho Superior do Ministério Público do Rio Grande do Sul.

SERRANOSSA: O senhor não está querendo falar sobre as resistências?

Gabrielli: As questões que mais geraram discussões foram posteriores à formatação original do Plano Diretor: a questão da bacia de captação do Barracão, que tratava da distância que podiam ser construídas as edificações, e a ampliação de uma determinada área para construção de edifícios. Em relação à primeira, na época, não podíamos diminuir a distância, embora sensibilizados pela dor daqueles proprietários de terrenos, uma vez que a Lei Federal não permitia. Tanto é verdade, que assim se pronunciou o Tribunal de Justiça diante da Ação Civil Pública ajuizada pelo promotor. Na outra, como já afirmei, o Conselho Superior do Ministério Público não encontrou ilegalidades.

SERRANOSSA: O senhor tem acompanhado as polêmicas recentes envolvendo o Plano Diretor? Em sua opinião a intervenção do Ministério Público é válida?

Gabrielli: É válida, precisa e deve ser louvada. O Ministério Público, através do promotor de justiça, é uma instituição que tem como objetivo defender e fiscalizar a aplicação da lei, representando os interesses da comunidade. O homem público não pode considerar o espaço público uma extensão do banheiro de sua casa.

SERRANOSSA: Como o senhor avalia Bento Gonçalves como um todo e suas necessidades de crescimento? É preciso desvirtuar o ambiente rural para possibilitar o crescimento da cidade?

Gabrielli: Entendo que da discussão e da divergência é que nasce a luz e a solução de nossos dilemas. Da mesma forma que dos erros nascem os acertos. Bento Gonçalves está conseguindo manter e avançar na vocação turística e também se caracteriza pela força da indústria. Precisamos manter determinados ambientes rurais, citando como exemplo o Vale dos Vinhedos e os Caminhos de Pedra. Como temos inúmeros pontos positivos, também existem os aspectos não favoráveis. Devido à topografia acidentada, à área territorial que não é grande e às divisas desfavoráveis, a possibilidade de crescimento está quase toda restrita ao plano vertical.

SERRANOSSA: Um dos pontos apontados pelo Ministério Público é a ausência de pareceres mais compreensíveis ao público leigo. Na época em que o Plano Diretor foi elaborado, houve esse cuidado?

Gabrielli: Entendo que foi transparente, de ampla discussão e como já afirmei, a nossa prática, ou seja, daqueles profissionais do quadro efetivo ou de cargos de confiança (CCs), não foi censurada pelo Ministério Público.

SERRANOSSA: Como o senhor avalia eventuais represálias que a imprensa local tem sofrido ao tentar noticiar as polêmicas envolvendo o Plano Diretor?

Gabrielli: Se elas existem, tal prática é lamentável. A liberdade de informação e de expressão deve ser total. Aliás, para o bem da democracia, o que deve estar acima é o direito de informação do cidadão. A censura prévia não mais existe. É claro que eventuais excessos de tal liberdade são avaliados pelo Judiciário para fins de aplicação do direito de resposta imediato, da reparação de dano ou responsabilização criminal.

SERRANOSSA: Como ex-prefeito e membro da sociedade, o senhor acredita que está acontecendo uma perseguição ao Ipurb? 

Gabrielli: Pelas notícias que tenho acompanhado, a discussão está relacionada com a condução e conduta adotada pelo diretor do Ipurb. Em nossa gestão e em outras anteriores, existiram (não posso afirmar se ainda existem, pois não conheço os profissionais que lá estão – nunca mais entrei no Ipurb), belos e competentes nomes que contribuíram de forma elogiável para a condução dos trabalhos. É bem verdade que havia deficiências estruturais, de espaço e número reduzido de profissionais. Entretanto, prefiro um parecer com fundamento assinado por uma só pessoa do que um parecer viciado pelos interesses eleitoreiros e clientelistas assinado por dez profissionais.

SERRANOSSA: Qual é a nota que o senhor dá para o atual prefeito na condução dos problemas citados pelo Ministério Público?

Gabrielli: Com todo respeito eu não devo dar esta nota. Quem pode fazer isso é o povo. Certo ou errado, ele é soberano na democracia.

Carina Furlanetto

 

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